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Primeiro retrato do público seleccionado

Selecção de uma metodologia de investigação

2.3.2 Primeiro retrato do público seleccionado

A selecção do “caso” a estudar foi não-probabilística e intencional: optámos por uma turma de Latim de uma Escola Secundária onde tínhamos exercido a actividade docente, em período parcial, no ano lectivo anterior (cf. Capítulo 3.1), cuja Direcção, ao tomar conhecimento do nosso trabalho, imediatamente pôs à nossa disposição os recursos que considerássemos necessários. Também o Professor de Latim efectivo da escola se mostrou receptivo a colaborar, ressalvando porém a necessidade de se cumprir o Programa da Disciplina, exigente e algo extenso, já que, no final do Ensino Secundário, os alunos estariam sujeitos a Exames Nacionais, cujas classificações poderiam ter impacte directo no seu futuro académico.

Assegurando-lhe que partilhávamos dessa mesma consciência e preocupação, discutimos então em que turma deveria ser implementado o projecto, sendo que tínhamos à nossa disposição uma turma de cada ano de escolaridade: 10º, 11º e 12º anos.

A opção pelo 12º ano foi quase imediatamente posta de parte, pois este era um nível em que o Programa da Disciplina era particularmente longo e conducente a Exames Finais que permitiam pouca flexibilização de planificação, em particular numa situação exploratória e naturalmente imprevisível como a que estávamos a propor.

Refira-se que a preocupação com a extensão do Programa e a realização de Exames Finais não era exclusiva deste professor (e nossa, pois tínhamos a experiência de leccionar um 12º ano de Latim); o documento da Revisão Curricular já citado evidencia que:

No ensino secundário muitos professores sentem-se pressionados e condicionados pelos exames nacionais, vivendo com um dilema entre a avaliação interna e a avaliação externa […]. Em geral, a opção é conhecida. Trata-se de preparar os alunos para os exames, “medindo” as suas aprendizagens através dos instrumentos mais semelhantes a uma prova de exame: os testes. É uma opção questionável, mas compreensível se tivermos em

radicam em ideias tais como “classificar”, “medir”, “comparar” (DES, 2001:

30/31).

Embora não sejamos tão críticas em relação à actuação dos professores, a verdade é que reconhecemos – e os alunos e encarregados de educação também – que os Exames têm um peso não negligenciável no futuro dos alunos e, por isso, este factor não poderia ter sido por nós ignorado.

Face aos objectivos traçados para o projecto, a turma que melhor se adequava às nossas pretensões seria a do 11º ano, pois para além de já ter ultrapassado o período de adaptação ao Ensino Secundário e às novas disciplinas, próprio do 10º ano5, nela poderíamos encontrar alunos que, para além das Línguas Inglesa e Francesa estudadas no Ensino Básico (as únicas ofertas disponíveis na escola na época de entrada dos sujeitos em causa neste nível de ensino), estariam já a frequentar pelo segundo ano outras disciplinas de línguas, como o Latim (já não em fase de iniciação), o Espanhol ou o Alemão (as outras opções oferecidas pela escola para o nível de ensino em questão), facto que poderia contribuir para o enriquecimento dos dados a recolher.

A turma que teríamos à nossa disposição, segundo informações fornecidas pelo docente de Latim, seria constituída por oito alunas do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 16 e os 20 anos. Todas tinham estudado duas línguas estrangeiras durante a frequência do Ensino Básico, Inglês e Francês, e uma tinha iniciado no 10º ano o estudo de Alemão.

A reduzida dimensão da turma, sendo geralmente característica da disciplina em causa (uma das opções disponíveis para a área de Humanidades que tinha vindo, ela própria, a sofrer redução do número de alunos inscritos nos últimos anos), servia também os nossos propósitos de proceder a um estudo de caso, que não estava ainda definido se englobaria toda a turma ou apenas um

número de sujeitos seleccionados6 (facto que dependia do que fôssemos observando ao longo da implementação do projecto e dos dados daí decorrentes), mas que implicaria sempre, pela natureza desta abordagem, um conhecimento o mais aprofundado possível do público-alvo; facto que, face à nossa inexperiência investigativa, beneficiaria do número de alunos em causa.

Nesta fase prévia não nos foi possível recolher mais informações sobre os sujeitos, dado que ainda não tínhamos obtido consentimento dos mesmos para tal. Por isso, só no início do novo ano lectivo, após explicitação pelo professor junto da turma, e, em aula subsequente, pela investigadora, dos objectivos do projecto, de pedido de colaboração e de obtida a respectiva autorização para recolha de dados por parte dos Encarregados de Educação7, nos foi possível traçar um quadro mais completo da turma, partindo desde logo das “Fichas Biográficas” construídas pela escola e preenchidas pelos alunos (à entrada para o Ensino Secundário, nuns casos, e no início do 11º ano, noutros – devido, tanto quanto pudemos apurar, a mudanças de Director de Turma e de constituição das próprias turmas), as quais se encontravam em posse dos Directores de Turma da altura.

Com este primeiro, e breve, retrato da turma, passámos imediatamente à concepção do plano de intervenção propriamente dito que seria desenvolvido ao longo do ano lectivo, o qual passaríamos a designar global e sinteticamente por

Projecto Plurilingue (esta designação surgiu naturalmente no nosso discurso

sobre o trabalho, sem que, na época, questionássemos o seu significado ou implicações. Só mais tarde, perante a dúvida sobre se o Projecto seria “plurilingue” ou “multilingue”, reflectimos sobre esta designação, optando por mantê-la, pensamento de que damos conta no Capítulo 8.1.2).

2.4 “Que tipo de trabalho propor em terreno educativo?”:

construção do “Projecto de intervenção Plurilingue” (PP)

As “situações educativas” são situações humanas e sociais e têm, em comum com todas as outras situações humanas e sociais, a característica de ocorrerem apenas uma só vez e de não serem, portanto, integralmente “reproduzíveis”.

(Mialaret, 2001: 49)

Relativamente conscientes de que o terreno educativo é complexo e de que, por isso, o trabalho a propor teria que ser adequado a essa complexidade; alertadas para a dificuldade, temporal mas não só (cf. epígrafe), de recuperar de uma falha ocorrida, lançámo-nos, então, na empresa de construír um programa de intervenção que nos permitisse responder às questões levantadas nesta investigação, nomeadamente as que se referiam ao desempenho de aprendentes escolares portugueses em situação de contacto com dados verbais desconhecidos.

Ao entrarmos na fase de opção pelos modos e concepção dos instrumentos de intervenção no terreno, começámos por sistematizar alguns dos pressupostos que, a nosso ver, deveriam nortear essa intervenção e que tinham resultado, maioritariamente, da nossa reflexão em torno dos projectos europeus que tratavam a temática da Intercompreensão (cf. Capítulo 1.3). Assim, chegámos a esta série de premissas, que eram, simultaneamente, hipóteses a testar:

- se a Intercompreensão inclui diversificação, transferência (com base em conhecimentos prévios de origem e tipo diversos), se pode ser a capacidade de aceder ao sentido de uma LE nunca estudada e se contribuirá para o desenvolvimento da Competência Plurilingue, trabalhar estas questões em contexto escolar parece apontar para a necessidade de proporcionar aos alunos, quer o contacto com a diversidade linguístico-cultural, quer oportunidades de rentabilização e sistematização dos contactos que vão estabelecendo extra-escola; afinal, a tarefa do educador não é a de dispensar o conhecimento mas sim a de proporcionar

aos alunos oportunidades e incentivos para o construir (von Glasersfled, 1999: 20);

- isto só poderá acontecer se se deixar de conceber o espaço da aula de língua como espaço exclusivo de uma ou duas línguas (se considerarmos a LM),

atitude que contribui fortemente para a visão, em geral compartimentada e estanque, que os nossos alunos têm das línguas;

- por isso, as actividades a propor em sala de aula deveriam incluir várias línguas (mesmo que não estudadas formalmente pelos alunos ou não incluídas no currículo escolar português) e ser de diferentes tipos, incentivando deste modo os aprendentes a “fazer associações e estabelecer pontes entre línguas” e assim “dar significado a formas linguísticas desconhecidas” (Andrade, 1999: 61), pelo recurso à comparação, à transferência, à tradução, à inferência, eventualmente à etimologia;

- a reflexão (individual e conjunta) sobre as línguas e sobre as estratégias utilizadas nos processos de interacção e de compreensão verbais seria essencial no já referido processo de sistematização mas também, e sobretudo, num desejável processo de consciencialização, que vislumbrávamos como fundamental para que a CP e os repertórios disponíveis dos alunos fossem efectivamente desenvolvidos e alargados:

a abstracção reflexiva é a força motriz da aprendizagem. Enquanto construtores de significado, os humanos procuram organizar e generalizar experiências de uma forma representacional. Dar oportunidade a um período de reflexão através da escrita de um diário, da representação de forma multissimbólica e/ou da discussão das conexões entre as experiências ou estratégias pode favorecer a abstracção reflexiva (Fosnot, 1999: 52);

- as actividades deveriam ser dinamizadas pelo professor da disciplina, a fim de que tivéssemos uma visão mais realista da forma como o conhecimento destas matérias pode ser co-construído naquela que é a relação característica do processo de ensino-aprendizagem formal (professor-alunos);

- as actividades deveriam surgir integradas no Programa da Disciplina, para que pudéssemos perceber se é ou não possível a integração de uma dimensão plurilingue em aulas que se assumem geralmente como bilingues, sem que tal tenha que acontecer como um fenómeno inteiramente deslocado e excepcional, introduzido de forma forçada no trabalho usual da disciplina. De notar que, por isso, as actividades se revestiram de um carácter pontual, isto é, não foi a

planificação da disciplina que foi feita em função do projecto e de uma prática sistemática de plurilinguismo, mas o inverso: a base de trabalho foi o plano anual já concebido de acordo com o esquema habitual desta disciplina, onde se integraram, quando pertinentes, as actividades relacionadas com o projecto. Daí também que, respeitando o carácter do estudo do Latim, as actividades tenham versado a compreensão escrita (opção reforçada pela necessária delimitação do objecto de estudo e também por ser a vertente da CC em que os projectos de Intercompreensão vinham a incidir, proporcionando-nos, assim, algumas pistas de trabalho).

Clarificados estes pressupostos, havia que clarificar, ainda, os objectivos com que iríamos para o terreno. E este foi o momento em que mais claramente nos consciencializámos da nossa postura dupla de investigadora-professora e o facto de que,

there is no metatheoretical perspective, no “outside” from which to understand the activities of teaching, learning and research. They must be understood from “inside”, through social relationships which define both the mode and content of our discourse (Geelan, 1997: 25).

De facto, ao querermos trabalhar com um contexto “real” e não em situação pseudo-laboratorial (com um grupo de sujeitos escolhidos para, num ambiente mais ou menos controlado, resolverem as tarefas que pretendíamos propor), estávamos a colocar-nos a nós próprias, se não um dilema, pelo menos um elemento complexificador de toda a problemática: é que, qualquer que fosse o trabalho proposto, em que quer que consistisse a nossa “agenda” de investigação, a turma e a Disciplina intervencionadas tinham que poder colher desta experiência algo de positivo e significativo para elas; ou seja, não poderiam sentir que tudo tinha sido uma perda de tempo, um mero divertimento ou simplesmente um favor feito à investigação.

Esta é, certamente, uma questão de ética na investigação em educação, mas era também, para nós, um factor incontornável: como docentes que tínhamos sido (e que continuávamos, em essência, a ser), não podíamos conceber “utilizar” o

nosso público-alvo sem lhe dar qualquer contrapartida, sem sentir que tinha aprendido algo com a experiência – talvez fosse pretensão da nossa parte esta última consideração, mas nem por isso deixava de ser importante e orientadora da nossa acção.

Por isso, ao delinear os objectivos do PP fizemo-lo em duas vertentes: por um lado, em relação à nossa investigação e respectivos objectivos; por outro lado, em relação à turma, fundamentalmente aos aprendentes, e ao que de positivo e significativo poderiam extrair desta colaboração com a investigação.

Assim, quanto à investigação os objectivos perseguidos pelo PP seriam: 1. descrever e analisar as estratégias de acesso ao sentido dos textos, mobilizadas pelos aprendentes ao longo da realização das tarefas propostas;

2. observar e descrever os conhecimentos prévios activados pelos