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O Brasil, que, poucos anos antes, abolia a escravidão e tornava-se uma república, tinha ainda sua vida cultural fortemente pautada pela Europa, especialmente pela França. Assim, recebia notícias com certa frequência daquilo que se passava no cenário cultural francês, e entre essas informações, Loïe Fuller e a Dança Serpentina são relatadas nos jornais brasileiros da época, tendo destaque O

Paiz, Correio Popular e Jornal do Commercio. Singelos em sua quantidade de páginas,

em geral contando quatro ou cinco páginas cada exemplar publicado diariamente, era um meio de comunicação acessível para apenas algo em torno de 20% da população brasileira, pois os outros 80% das pessoas não era alfabetizado (FERRARO; KREIDLOW, 2004). Cabe considerar que os meios de comunicação e diversão/entretenimento eram distintos daqueles que concebemos atualmente: a comunicação oral expandia o território de comunicação e a divulgação das programações dos teatros. Não havia internet, televisão, cinema, sequer os rádios, tornando o entretenimento da época fortemente pautado por festividades (bailes), circos, feiras, e pelos teatros de variedades, nos quais engatinhava um pré-cinema, em que imagens animadas eram vistas individualmente pelo público em

kinetoscópios19 – entre outros instrumentos decorrentes de pesquisas de diferentes

inventores e patenteadores, entre eles Thomas Edison (1847-1931) e os irmãos Lumiére20 (COSTA, F., 2012, p. 17).

Nesses anos que antecederam a vinda de Loïe Fuller ao Brasil, criou-se um cenário de expectativas ao redor de seu nome, presentificado nos registros jornalísticos sobe a coreógrafa e suas danças serpentinas. A primeira das notícias encontradas sobre a coreógrafa, se deram na então Capital Federal, Rio de Janeiro, na data de 18 de Dezembro de 1892, no Jornal do Commercio, como uma coluna de correspondência entre Paris e Rio de Janeiro, intitulada O Theatro em Pariz.

No numero das novidades actuaes de Pariz, figura uma digna de nota. Coube a sorte aos Folies-Bergères de receber em seu recinto uma belleza anglo-americana, que depois de ter feito as delicias dos norte- americanos resolveu vir fazer as dos parizienses. A artista de que se trata, Miss Loïe Fuller, denominada La serpentine américaine, de formas esculpturaes, de uma perfeição esthetica quasi absoluta, se apresenta vestida simplesmente com um maillot cor-de-rosa e envolta em finíssima gaze branca. O scenario onde ella se exhibe é convertido em uma camara obscura. Miss Fuller apresenta-se como que suspensa no ar, deixando voar as tiras da gaze branca bordada, que cobre o seu corpo, as quaes, pelos movimentos, ora cadenciosos, ora acelerados de uma valsa dansada pela artista, formão graciosíssimas dobras, mudando de cores pela combinação e contacto de luzes elétricas, que sobre ella reflectem.

Com uma rapidez que toca ao encanto, transforma-se Miss Fuller em uma mariposa e imita adoravelmente os meneios caprichosos do interessante bichinho.

Mais tarde apparece vestida de violeta, com um preciosíssimo vestuário.

Instantes depois aquella formosíssima mulher se envolve em outras gazes brancas, e a cada combinação, a cada matiz da luz electrica, que a illumina, prorrompem os espectadores em applausos delirantes. Quando esteve na América do Norte o enthusiasmo publico ia até ao delírio, quando Miss Fuller, disfarçada em bandeira yankee, tendo na parte inferior de seu vestuário as cores azul e rosa, o corpo salpicado de estrelas sobre o fundo

19 Kinetoscópios, ou cinetoscópios, segundo Ferreira (1986), eram aparelhos utilizados para

visualização de imagens fotográficas em movimento, de modo individual, isto é, diferente do que se conhece como cinema, em que imagens em movimento são projetadas para um público, os cinetoscópios eram vistos em cabines individuais.

azul. Assim patrioticamente disfarçada, saudava o público com movimentos voluptuosos e enviando beijos expressivos ao retrato de Cleveland, o novo presidente dos Estados Unidos, que apparecia então no fundo da camara obscura. É nessa ocasião executada a conhecida Marcha dos Voluntários, de Olivier Metra.

Os vestuários de Miss Fuller representão respeitabilíssimo capital: só o de mariposa, pintado por um artista de primeira ordem, custou vários milhares de dollars.

Os espectadores de Miss Fuller são dos mais curiosos que tem tido Pariz. (O THEATRO...,1892, p. 2).

Ao longo do processo de pesquisa, fez-se curiosa uma aproximação aos conteúdos que eram veiculados pelos jornais. As autorias das notas, notícias e conteúdos dos jornais nem sempre contavam com os nomes de seus escritores responsáveis – por vezes, eram usados pseudônimos. Nas manchetes vistas próximas ao que se falava sobre Loïe Fuller, nas edições em que esta era mencionada, tem-se anúncios de comércio e programas, decisões jurídicas, notícias internacionais sobre conflitos e acordos, que tardavam em um ou mais meses dos ocorridos – diferente das mensagens telegráficas, que eram curtas, e geralmente com apenas um dia de diferença. Eram noticiadas as doenças que circulavam pelas cidades na época, soluções milagrosas, apostas em cavalos. Um fator a se destacar nos jornais, e que acentua diferenças culturais entre as capitais de Rio de Janeiro e de São Paulo, é o modo como a escrita é desenvolvida nos diferentes jornais em cada uma das cidades – diferenças que podem ser observadas mais adiante, quando se fala um pouco sobre a passagem de Fuller por essas cidades, em 1904. No pequeno trecho descrito anteriormente, foram mantidas as grafias do texto obtido no jornal, de modo a auxiliar a compreensão do modo de escrita e leitura da época, o qual, pode-se observar, as palavras aparecem rebuscadas, de modo afrancesado, com letras acrescidas às palavras, e a utilização de terminação em “ão” ao invés de “am” para tempos verbais que descrevem ações passadas. Num primeiro momento, pensou-se que era parte da gramática da língua portuguesa da época, porém, na continuidade da pesquisa, percebeu-se que se tratava de um uso da língua próprio de cada jornal, a depender da cidade: em São Paulo, no Correio Paulistano, por exemplo, apareciam menos palavras afrancesadas, algumas contavam com um número reduzido de letras. Por exemplo, a palavra dança, e suas derivações, nos jornais cariocas do O Paiz e Jornal

do Commercio, são apresentadas com a letra s em vez de ç – já no jornal Correio Paulistano, de São Paulo, dança aparece escrita do mesmo modo que na atualidade. Percebe-se pelo trecho do Jornal do Commercio citado, que diz a respeito as danças serpentinas e o sucesso de Fuller em Paris, uma confirmação sobre o que fora descrito pela coreógrafa em sua biografia enquanto seu sucesso nas Folies Bergère. Em outra nota nos jornais brasileiros, sobre o sucesso de Fuller, consta que em uma tarde, “[…] mais de 1800 pessoas não puderam obter lugares” (NOVIDADES…, 1893, p. 2).

Nos anexos dessa dissertação podem ser observadas as notícias, notas e anúncios coletadas a partir da pesquisa. Algumas foram mantidas integralmente, enquanto outras, foram recortadas em torno do assunto de interesse – Loïe Fuller e/ou as danças serpentinas e suas imitadoras.

Ao longo de 1893, pode-se observar pontualmente informações de Fuller e/ou de suas danças serpentinas – reconhecidamente imitadas, conforme indicam algumas notas. Constam notas dos meses de janeiro, fevereiro, maio, junho, julho e outubro de 1893. Algumas das imitadoras apontadas nos jornais são: Emilienne de Alencar, em Paris; Dorothéa Denning, em Nova Iorque; Cyrena Emilia Angela Regina Soler, em Londres; Marbell Stuart, sem indicação do local – e que talvez seja Mabelle Stuart, conforme imitadoras das danças serpentinas indicadas por Giovanni Lista (1994, p. 28); dança serpentina a cavalo, pelo Circo do Estio em Paris, sem precisar a imitadora; talvez Hermann Filho, no Rio de Janeiro, no Theatro S. Pedro21 – a informação é

imprecisa pois o jornal O Paiz diz apenas que “[…] Consta-nos que em espectaculos subsequentes Hermann apresentará a Dansa serpentina, a qual, se for bem executada, deve levar ao S. Pedro a concurrencia que ante-hontem era diminuta.” (ARTES E…, 1893, p. 2).

Há a indicação nos jornais de que Loie Fuller e sobre as danças serpentinas eram uma monomania (CARVALHO, 24/02/1893, p. 2). Além desse indicativo apontado por Carvalho, a obsessão por Loïe Fuller fora vista, por exemplo, em uma

21 O Theatro S. Pedro de Alcântara aqui retratado refere-se ao mesmo local onde hoje se encontra o

Teatro João Caetano, do Rio de Janeiro-RJ, na Praça Tiradentes (antiga Praça da Constituição). Do século XIX até início do século XX, tal teatro servia de palco não apenas para apresentações, mas também para festejos, bailes e números circenses como os aqui descritos. A configuração aqui apresentada do Theatro S. Pedro ao final do século XIX corresponde a uma reforma feita nele em 1857. Após isto, o teatro passou por outras reformas estruturais, de denominação, e inclusive uma demolição

em 1928 com sua reinauguração em 1930. Fonte:

dita “cor Loie Fuller” em vestidos de um vernissage, sobre a visão de que “[...]a cor Loie Fuller é horrível. Uma mulher vestida dessa cor faz-me o effeito de uma caixa de lapis pastellista” (JORNAL DO…, 09/06/1893, p. 1) – mostrando que apesar do sucesso, nem tudo que reverberava de Fuller na sociedade era bem visto. Importante também destacar que uma figura chamada Dorothea Denning aparece nos jornais como inventora da Dança Elétrica (EM um dos theatros… 01/05/1893, p. 2), em que se coloca em risco ao dançar trajada de lâmpadas elétrica – não traçando à primeira vista uma relação direta com Loïe Fuller por não utilizar do nome dança serpentina; mas ao se observar que as danças serpentinas estavam em voga, sob a ótica de uma inovação que atraía uma grande quantidade de pessoas aos teatros, e falando-se da inovação de tais performances, dados os aprimoramentos tecnológicos de iluminação enfatizados nas danças serpentinas, pode-se relacionar as danças elétricas às danças serpentinas. No entanto, o efeito de ambas é distinto: as danças elétricas causavam interesse pelo dito risco de se morrer eletrocutada (ARTES…, 04/05/1893, p. 2), enquanto que nas danças serpentinas, o que causava atração eram as imagens em mutação, as cores e os efeitos provocados, como observado nas descrições da mesma aqui transcritas. Também pode-se acrescentar às danças serpentinas, o furor gerado nos jornais em torno da autenticidade de tal dança, da presença de grande público, no qual “[…] Os maiores artistas de Paris (queremos dizer, do mundo inteiro,) todos quantos vivem do subjectivismo e da cór, os Mallarmé e os Dognan Bonveret experimentam igual embevecimento perante aquelle sonho realizado e falam de Loïe Fuller como da sensação indisivel que floresceu primitivamente no ether monochromo da idealidade.” (CARTA…, 1893, p. 2).

Figura 1. Anúncio sobre a apresentação de Emilie D'Armoy.

Fonte: Hemeroteca Digital: no Jornal do Commercio (RJ) de 22/06/1894. 22

Na figura 1, pode-se ler os seguintes dizeres, em ordem: “Teatro São Pedro de Alcântara. Empresa Emílio Fernandes e Cia. Grande Companhia Equestre. Hoje, sexta-feira 22 de Junho de 1894. Grande Função, Festa da Moda, O maior sucesso de Paris: A Dança Serpentina, por Emilie D'Armoy. 1ª e única imitadora discípula de Loïe Fuller na Dança Serpentina. Sucesso dos sucessos. Única Atração. A mais alta novidade até hoje no velho mundo. A empresa tem a honra de participar ao público que esta companhia é composta dos mais distintos artistas no seu gênero. Previne- se ao público que as encomendas são só respeitadas até o meio-dia. A luz elétrica para a Dança Serpentina acha-se a cargo do primeiro eletricista Sr. Barbosa. Domingo dois espetáculos. Preços e horas de costume”.

O ano de 1894, no que se refere as danças serpentinas, Loïe Fuller e suas imitadoras, contou com notícias sobre: a imitadora Adda Thompson, que apresentou- se em Buenos Aires, Argentina, e em Montevidéu, Uruguai; a imitadora Emilie d’Armoy,

22 Cf.: Hemeroteca digital: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=178691_02&pes-

no Theatro S. Pedro de Alcântara, no Rio de Janeiro; informações de criações de Loïe Fuller em Paris, e apresentações em Londres; a artista Bob Walter, em Londres, que executara uma dança serpentina em jaulas com leões; a presença da bailarina Theresina, no teatro Variedades23 do Rio de Janeiro, que realizou a dança serpentina,

sem maiores informações; notas e anúncios sobre moda, divulgando as chamadas ‘cores Loïe Fuller’, em que eram descritas como “sombreadas” (A MODA; LOIE FULLER, 1894, p. 3); uma dançarina da dança serpentina em Madrid, Espanha, que dançava entre leões, sem dizer seu nome; a artista Eugenie Taylor, que no Theatro S. Pedro de Alcântara, no Rio de Janeiro, que realizava números de Serpentina Equestre e Serpentina Voadora – números esses que, sem muitas explicações, pontuavam que a dança serpentina era realizada nas costas de um cavalo em movimento.

Algumas das imitadoras mencionadas nos jornais em 1894 constam entre aquelas mencionadas por Giovanni Lista (1994, p. 28). Por exemplo, a mencionada Bob Walter fora filmada24 por Alice Guy Blaché (1873-1968), e consta entre as

imitadoras apontadas por Lista (1994). Talvez a Theresina mencionada em uma das notas do Jornal do Commercio (THEATROS…, 20/06/1894, p. 2), fosse a imitadora Teresina Negri (LISTA, 1994) – no entanto, a falta de informações não permite uma constatação.

Os números de dança serpentina criadas por Adda Thompson, quando esta se encontrava em Montevidéo, foram divulgados pelo Jornal do Commercio, e se chamavam “[…] Les Serpents, Les Papillons, Santiago Danse, La Camenionia e a

Gavotte incrayable que terminão por um galope com... grand écart.” (THEATROS...1894, p. 2). Próximo as notas do dia 20 de Junho de 1894, no Jornal

do Commercio, que divulgavam a presença de Theresina no Teatro Variedades, consta também que Adda Thompson viria ao Brasil (THEATROS…, 1894, p. 2) – entretanto, não foram encontradas informações referentes a tal vinda ou passagem de Thompson.

Os anúncios e chamadas nos jornais para divulgação das danças serpentinas por Emilie d’Armoy a serem realizadas no Theatro S. Pedro de Alcântara, tiveram um

23 Talvez o Teatro Variedades que consta nas notas e notícias refira-se ao Theatro Variedades

Dramáticas, do Rio de Janeiro, inaugurado em 1888, que passou a se chamar Café-Cantante Moulin Rouge a partir de 1900. Sua localização dava-se à Praça da Constituição, 3, com fundos para a

Travessa da Barreira. Disponível em:

http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/TeatroXPeriodo.asp?cod=120&cdP=19. Acesso em: jul. 2020.

24 Há um vídeo disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=ghq_EJVkmgI&t=4s. Acesso em:

processo de identificação ao longo de dias. Explica-se. A princípio, nomeavam-na apenas como bailarina Serpentina (THEATRO…, 26/05/1894, p. 8), passando então a nomeá-la como Loïe Fuller dois dias depois (THEATRO…, 28/05/1894, p .6), para divulgar que a dançarina não era Loïe Fuller (THEATROS…, 03/06/1894, p. 2) – dado que, mesmo tendo sido divulgado, não fora amplamente acatado, na medida em que ainda havia anúncios que tratavam-na como a legítima Loïe Fuller (THEATRO…, 13/06/1894, p. 8). O nome “Emilie d’Armoy” assim aparece, em anúncios e notas, a partir de 14 de Junho de 1894 (THEATRO…, 14/06/1894. p. 8). Os anúncios e notas seguintes a esta data contam com o nome Loïe Fuller de modo a qualificar o trabalho de Emilie d’Armoy – sendo Emilie d’Armoy a imitadora, discípula da original, entre outras adjetivações (THEATROS…, 15/06/1894, p. 1). A utilização do nome de Loïe Fuller, nos anúncios de Emilie d’Armoy, tem uma caracterização do mesmo enquanto uma citação qualitativa, utilizada para agregar valor ao trabalho em anúncio. Também outras imitadoras utilizaram o nome de Loïe Fuller e das danças serpentinas para agregar valores positivos aos trabalhos que realizavam. Conforme Isabelle Launay (2019) coloca:

O trabalho da citação [...] nunca é neutro. Pode ser tomado como uma simples consideração ao passado, uma polidez ou até mesmo uma encomenda. Pode vir a legitimar um trabalho, servir de referência e elevar-se a partir de uma prática normativa da citação. No entanto, por outro lado, isso também obscurece um sentido já atribuído para desenvolver um potencial crítico inesperado. Revela também a relação que o campo coreográfico tem consigo mesmo. O trabalho da citação coloca em questão não apenas a autarquia e a homogeneidade reivindicadas de uma obra, o domínio de sua coerência e de sua unidade permanente, mas também o status do autor, responsável pelo objeto no qual ele assina seu nome. (LAUNAY, 2019, p. 29).

Na edição do jornal O Paiz de 21 de Junho de 1894, aparecem, além dos anúncios corriqueiros de divulgação das danças de d’Armoy, dois escritos sobre o seus trabalhos. O primeiro deles, um comentário breve e negativo em forma de poema, na primeira página, diz:

MISS D’ARMOY

Fui vel-a e digo, por desafogo, Que francamente não gostei della: P’ra dansarina falta-lhe o fogo,

Na página seguinte da mesma edição de tal jornal, diferente de versos críticos, eram dedicadas linhas para descrever as danças de Miss d’Armoy, tais como as descrições do ano anterior sobre os trabalhos de Loïe Fuller em Paris – seguidas de uma sutil crítica à qualidade do trabalho de Emilie d’Armoy. Reproduz-se aqui:

Imaginai, leitores, uma grande borboleta, de azas longas, corpo de mulher, adejando, volteando, ora toda azul, ora toda purpura ou dentro de um nimbo prismático, indo e vindo tão subtil, tão de manso, mal pousando os pés no solo como n’uma tentativa de vôo, querendo alar-se, fugir, toda em fremitos, tremula, resplandecente; subito um jacto de luz e o spasmo languido da mulher-insecto e o esvahimento das cores luminosas, as azas fechando- se e a fuga da fantasia rapida e serena como o desapparecimento de um sonho…

Imaginai, leitores… dentro de uma ampla veste diaphana cheia de serpentes o corpo gracioso e flexivel de uma bailadeira hospede colleiando, retorcendo-se de modo a fazer-vos ver em multiplas evoluções todas as curvaturas graciosas das boas caminhando, os meneios quasi sensuaes das serpes quando se insinuam perfidas e airosas por entre as silvas com as escamas rutilas refulgindo ao sol e tereis a illusão, porque o real fantastico só o tereis, se fordes ver a segunda apparição da alméa estranha que sempre na radiação polychromica das luzes irrompeu da pesada treva do palco, para a dansa serpentina, essa imitação choreographica das contorsões nervosas dos reptis gigantes.

Imaginai a vaga arquejante-dentre a espuma plastica admiravel da dansarina e toda a ondulação dormente do mar tranquilo, meigo, como nas noite de luar; subito o rebojo da onda corpulenta, o assalto do vagalhão como nas tormentas; por fim, n’um gyro entontecedor, delirante o maelstram, gyro- gyrando, vortice vivo, entontecedor, mas lindo, feito por Miss Emilie D’Armoy que ante-hontem se estreou no S. Pedro de Alcantara, na dansa serpentina, essa visualidade choreographica que fez as delicias do parisiense quando surgiu dentre gazes para embasbacar o viveur essa mulher colleante Loie Fuller, borboleta, flor, vaga, serpente que ante-hontem, com alguma infelicidade, Miss d’Armoy procurou imitar no S. Pedro. A julgar pelos applausos muito tempo terão os fluminenses ensejo de admirar os passes originaes da bailadeira. (ARTES…, 21/06/1894, p. 2).

Ainda na edição de 21 de Junho 1894, a correspondência do jornal O Paiz, de Londres, comenta entre seus assuntos, uma relação conturbada entre a verdadeira Loïe Fuller e a orquestra de um dos teatros que se apresentava em Londres – que, ao que consta na carta, ela se apresentava em três teatros ao mesmo tempo (LONDRES, 1894, p. 2). Anthea Kraut comenta a respeito das aparições simultâneas de Loïe Fuller em diferentes teatros de uma mesma cidade:

Como a dança ocupava uma posição dita “incidental” nas produções teatrais, os performers na busca por maximizar seu ganhos, planejavam a realização de uma mesma performance em diferentes teatros numa mesma noite, pois eram danças realizadas em entreatos. […] Enquanto um repórter estava surpreso em como aquele “pequeno corpo vívido” de Fuller era capaz de tamanhas mudanças de personalidade, Fuller tinha uma explicação para como ela poderia aparecer em três teatros diferentes no mesmo dia. “Em

cada casa de espetáculos […] eu tenho a minha espera um conjunto distinto de roupas, acessórios, equipamentos, eletricistas, estereoscópios, e outros artigos fundamentais. Então essa mesma dança idêntica, sobre as mesmas condições idênticas, podem ser repetidas em cada teatro”. […] Fuller assegura ao repórter que com o planejamento correto e recursos necessários, as danças de palco são tão portáveis quanto os dançarinos que as executam.