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4 UMA REATIVAÇÃO: SOBRE OS PROCESSOS DE PESQUISA ARTÍSTICA EM

4.4 Vídeo “SERPENTIN@ – sobre danças serpentinas: um processo de criação de

A fim de se compartilhar alguns dos processos e resultados artísticos obtidos por meio desta pesquisa, e buscando-se adaptações das danças aqui criadas para uma linguagem audiovisual enquanto uma continuidade de pesquisa, criou-se o vídeo experimental denominado “SERPENTIN@ - sobre danças serpentinas: um processo de criação de uma criação em processo”. Tal vídeo foi criado a partir de um aplicativo/software denominado Animotica. Utilizou-se trechos de diferentes arquivos em vídeo reunidos ao longo dos processos de pesquisa corporal – dialógicos aos processos desta pesquisa a respeito de histórias, citações e reativações. Tais vídeos de arquivo eram criados inicialmente com propósitos de registro e de autodirecionamento da criação em dança.

Em “Serpentin@”, esses vídeos de arquivo foram rearranjados de modo experimental a partir dos recursos do programa Animotica. Tal experimentação em audiovisual possibilitou uma reorganização de formas e a obtenção de perspectivas a partir dos recursos do aplicativo, que não são possiveis enquanto um trabalho cênico. Tentou-se obter no vídeo algumas das sensações e percepções do roteiro coreográfico estabelecido anteriormente, como por exemplo as formas coreográficas, os sons que compõem o silêncio de uma ação, ou mesmo a qualidade do desenvolvimento em camadas, como um acúmulo de experiências. A capacidade de transformar o chamado Figurino 05 – CHROMA-KEY em vídeo revelou-se uma potência, pelo qual se fez possível representar uma quase literalidade de camadas de experiência e transformação do trabalho. Um dos propósitos de criação deste Figurino 05 foi atingido na medida que a cor verde limão possibilitou uma interação específica e delineada do figurino com os efeitos especiais do programa utilizado para a edição de vídeo Animotica – de modo que ele fosse substituido por outras imagens. Apesar da possibilidade de se delinear o figurino verde limão por meio da edição, tal qual uma tela de chroma-key utilizada para efeitos especiais, alguns fatores como a iluminação disforme e o movimento intenso do figurino, acabaram por fazer vazar algumas das imagens que eram sobrepostas – o que gerou também um efeito de interesse estético para o compartilhamento experimental, como memórias corporais que deformam o que seria um dado de arquivo de memória. Portanto, as imagens ilustram uma memória difusa que mistura diferentes situações e datas, criando uma lógica própria. Outros efeitos adotados no vídeo são os de espelhamento de imagem e de duplicação de figuras. Os efeitos de espelhamento são efeitos próprios do programa Animótica, e que mimetizam um espelho, cujos pontos de convergência e reflexão são determinados por quem edita o vídeo. A partir dos espelhamentos, pela escolha dos pontos de convergência, foi possível criar deformações do tecido que abarcaram perspectivas que desafiavam a força da gravidade, ou mesmo que aprofundavam as deturpações de entendimentos da morfologia de um corpo humano – tal perspectiva de deturpação morfológica se faz presente já a partir do uso do figurino volumoso, ou seja, o espelhamento tanto reflete essa deturpação quanto expande suas potências. Assim foram criados outros sentidos às formas coreográficas, por exemplo, gerando a imagem de uma quase-alface, ou de um ser aquático indefinido e inventado.

Em continuidade as lógicas de deturpação de imagem, a duplicação de figuras contempla a possibilidade de uma mesma pessoa, ser clonada, replicada por ela

mesma, habitar o mesmo espaço, dialogar com uma imagem passada. Duplicadas as personagens, duplicadas as danças, foi possível ser coreógrafo de si (ou da imagem de si) e realizar um trabalho coreográfico em dança com apenas uma pessoa – mesmo que algum dos gestos gravados sejam de uma dança não coreográfica em um sentido estrito. Dentre os significados agregados a esse tipo de imagem, entende-se que para a realização de uma dança, quando ela é feita cênicamente ou gravada, são evocadas experiências anteriores que compõem a imagem vista. Daí também a representação visual do vídeo metaforizar camadas das pesquisas corporais, das formas coreográficas, do roteiro e dos figurinos.

A pesquisa artística em torno das danças serpentinas aqui apresentada reflete uma condensação das experimentações a partir dos figurinos criados e explorados, que culminaram em determinadas formas e roteiros coreográficos. Entende-se que cada apresentação e visualização de uma das danças criadas estabeleceu significados distintos em diferentes públicos. Observou-se uma finitude de possibilidades que as relações entre dança e figurino geraram ao longo desse processo, como um resultado das delimitações dos elementos constitutivos dessas danças. Esses elementos se referem tanto aos procedimentos e nomenclaturas a que se chegou, quanto a contextos cujas influências foram pouco desenvolvidas ou desconsiderados nessa dissertação.

Ao se trabalhar a dança por meio da linguagem do audiovisual, mesmo enquanto um lugar de experimentação não especializada, modificam-se os significados e sentidos de uma dança. Apesar das metáforas abordadas para se pensar as relações audiovisual-dança nesta pesquisa, observa-se que o audiovisual não se transformou em dança, e sequer a dança se tornou audiovisual: no entanto, esse meio, esse entre o audiovisual e a dança, tornou-se um lugar de encontro e choque de perspectivas e possibilidades, ampliando entendimentos sobre ambos.

Algumas das qualidades observadas nos trabalhos de Loïe Fuller que guiaram os processos de criação aqui apresentados foram os de uma polissemia, de uma sugestionabilidade imagética e sensorial. Entendeu-se o figurino como parte da constituição visual e perceptiva de uma dança, e que em maior ou menor grau, também partilha de uma responsabilidade sobre os caminhos que uma dança desenvolve – importância essa que nem sempre os trabalhos em dança cênica consideram enquanto uma das partes do processo de criação.

Reconhece-se uma dificuldade de se apresentar o processo desta pesquisa artística como um todo coeso. O processo criativo se deu de modo caótico, assim como caótica foi a transcrição desse processo: a escolha de palavras é seletiva. Elencou-se alguns pontos que se tornavam relevantes à escrita, em detrimento de elementos que não foram nomeados nessa dissertação. A seletividade, entretanto, e a restrição na forma de palavras, auxiliaram na construção coreográfica: a escrita e o processo criativo foram processos dialógicos na medida em que se influenciaram por expandir ideias e ações de modo congruente. Entende-se, contudo, que a estrutura criativa não se encerrou com as escolhas finais, mas se abriu e se possibilita uma atualização/aprimoramente do trabalho a cada apresentação, a cada troca/intercâmbio com diferentes públicos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a reunião de dados, a realização de experimentos práticos em dança, aos desenhos de trajetórias e relevos dessa pesquisa e a escrita dessa dissertação, por fim: o que resta? O que reverbera?

Sobre a relação com a história da dança cênica ocidental, algumas das questões que ecoam referem-se à escuta, uma escuta temporal e espacial, que possibilita um reconhecimento, um desvelar algo, desvelar a si – o que se faz, o que se é.

Urge-se uma revisão, uma reconsideração, uma ampliação de figuras e perspectivas sobre as histórias (das danças), principalmente dos momentos que compõem as modulações do presente e o lançam em futuros. Mudanças essas que estão sendo feitas, mas cujos passos são (e devem ser) cautelosos. Antes de se urrar uma mudança, há de se ouvir o que há. É preciso observação e escuta para que se compreenda o que e como se deve (ou não) modificar-se nas/das estruturas. Urge uma responsabilidade sobre as existências, sobre as manutenções das existências, a partir de dados, informações, estudos, diálogos e intercâmbios de saberes. Isso se relaciona em grande medida ao que Rochelle (2017b) coloca sobre uma seleção de materiais históricos, que fazem ou não parte de um arquivo (cujo responsável pelo cuidado e seleção é um arconte), e que auxiliam, de modo caleidoscópico, historiadores a historiografarem, a traçarem panoramas e acontecimentos. Assim, as disposições historiográficas são atravessadas, em maior ou menor grau, pelas subjetividades acumuladas e/ou localizadas do historiador e do arconte.

Uma das necessidades de se abordar Loïe Fuller e as danças serpentinas nessa pesquisa foi por se notar que, em algumas bibliografias sobre história da dança cênica ocidental, Loïe Fuller era invisibilizada ou diminuída. Entende-se essa invisibilidade na medida em que a artista era mencionada com poucas informações, como em Bourcier (2001), e mesmo em Sucena (1988). Esse dado pode ser justificado, nas devidas proporções, dentre inúmeras suposições: pelo interesse dos autores sobre o trabalho de Fuller; ou pelas dificuldades de acesso a arquivos que falavam sobre a coreógrafa no período que foram desenvolvidos os livros; ou pelas demandas as quais tais autores estavam respondendo ao traçarem compilados gerais sobre história da dança – nos quais não há espaço para muitos detalhes, senão, por