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Princípio da colegialidade e das decisões monocráticas proferidas nos tribunais

3. PRINCÍPIOS PROCESSUAIS RELACIONADOS AO DIREITO DE

3.2. Princípio da colegialidade e das decisões monocráticas proferidas nos tribunais

81 NERY JR., 2014, p. 68. 82 ASSIS, 2008. p. 80. 83 CHEIM JORGE, 2009, p. 216. 84 BUENO, 2010. p. 48. 85

LOPES, João Batista. Os poderes do juiz e o aprimoramento da prestação jurisdicional. Revista de

Tradicionalmente, no direito brasileiro, o juiz natural dos recursos é o órgão colegiado.86 Pelo princípio da colegialidade, os recursos devem ser julgados por órgãos colegiados dos tribunais, ou seja, pelas câmaras, turmas, seções.

O artigo 557, que trata de exceção, concede ao relator poder de negar seguimento ao recurso, quando manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante. Neste caso, o relator atua como um porta-voz do colegiado, e o prejudicado poderá requerer que o colegiado se manifeste a respeito,87 por meio do recurso de agravo (interno).

A possibilidade de serem proferidas decisões monocráticas pelo relator dos recursos não enseja inconstitucionalidade, uma vez que pode haver o controle desta decisão monocrática pelo órgão colegiado a que pertença o relator.88

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido:

É legítima, sob o ponto de vista constitucional, a atribuição conferida ao relator para arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso (RISTF, art. 21, § 1.º; Lei 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557, redação da Lei 9.756/98), desde que, mediante recurso, possam as decisões ser submetidas ao controle do Colegiado.89

O Superior Tribunal de Justiça também decidiu de maneira semelhante: “O julgamento monocrático pelo relator da causa, previsto no art. 557 do Código de Processo Civil, não ofende o princípio do duplo grau de jurisdição”.90

É da tradição constitucional brasileira o julgamento colegiado em segundo grau de jurisdição, estando implícita na estruturação constitucional do Poder Judiciário a pluralidade na composição dos tribunais locais e federais. Em qualquer caso, o relator ou o presidente (atuando isoladamente) deve ter sua atividade, que é “delegada” pelo órgão

86

MEDINA José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações autônomas de

impugnação. 2. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 58. (Processo civil moderno, v. 2) Também nesse sentido, José

Carlos Barbosa Moreira ao comentar o artigo 557 às notas 366, salienta: “Presume o legislador que o interessado, na maioria dos casos, se conformará com o pronunciamento do relator. Na verdade, não seria possível subtrair de forma definitiva a apreciação do recurso ao órgão ad quem, sem pôr em xeque a garantia do juiz natural” (2010. item 366, v. 5, p. 683). Segue o mesmo entendimento Cassio Scarpinela Bueno (2010, p. 54.

87

BARBOSA MOREIRA, 2010. item 366, p. 683.

88

MEDINA et WAMBIER, 2011. p. 58.

89

STF, Pleno, AGRMI 595/MA, Rel. Carlos Velloso, j. 17.03.1999, DJU 23.04.1999, p. 15.

90

STJ, 6.ª T., AgRg bo Ag 461.330/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 16.05.2008, DJ 02.06.2008, p. 1.

colegiado, submetida, por algum mecanismo, ao controle desse mesmo órgão, o que consiste numa condicionante para que seja compatível com a Constituição.91

Na prática, as decisões proferidas monocraticamente nos tribunais sobre pedidos de liminares podem ser impugnadas por meio de recurso ao órgão colegiado, aplicando-se o artigo 39 da Lei n.º 8.038/1990.92

Contudo, tem-se entendido que, havendo vedação legal ao recurso contra decisão proferida monocraticamente no tribunal, é admitida a impetração de mandado de segurança contra tal pronunciamento judicial.93

No entanto, pondera Walter Piva Rodrigues que existe uma improvável vontade de revisar a decisão monocrática atacada, proferida pelo relator, uma vez que há uma nítida acomodação estabelecida entre os membros componentes de Colegiados, seja pela necessidade de dar velocidade à pauta, seja por mero dever de reciprocidade.94

3.3. Princípio da unicidade (ou da singularidade, ou unicorribilidade)

O princípio da unicidade, também denominado singularidade ou unicorribilidade, significa que contra cada decisão judicial deve existir somente um recurso que lhe é correlato,ou seja, haverá a impossibilidade de simultaneamente se interpor mais de um recurso. Entretanto, pode ocorrer que uma mesma decisão judicial se componha de diversas questões, ou capítulos diversos, haja vista tratar-se de ato jurídico complexo e formalmente uno. Nesses casos, é possível que contra uma mesma decisão composta de

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TALAMINI, Eduardo. Decisões individualmente proferidas por integrantes dos tribunais: legitimidade e controle (“agravo interno”). In: WAMBIER, Tereza Alvim; NERY JR., Nelson (Coord.). Aspectos

polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT, 2005. v. 8. Salienta o autor que o poder dos relatores se

exerce ad referendum do órgão julgador (por meio de um mecanismo que, a seu ver, não tem natureza recursal).

92

Acórdão: “A decisão monocrática do relator que defere liminar em ação cautelar incidental ajuizada perante tribunal de segunda instância pode ser impugnada por recurso interno ao colegiado, ainda que ausente a previsão regimental. O art. 39 da Lei 8.038/90, que disciplina o cabimento do agravo interno contra decisão singular proferida por membro do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, deve ser aplicado, por analogia, a todos os tribunais do País, em razão do princípio da colegialidade dos tribunais precedentes” (STJ, 2.ª T., RMS 21786/MT, Rel. Castro Meira, j. 27.03.2007, DJ 12.04.2007, p. 258).

93

Acórdão: “O mandato de segurança já foi admitido pelo STJ contra decisão proferida pelo relator, nas hipóteses dos incisos II e III do artigo 527 do Código de Processo Civil.” Nesse sentido: STJ, 4.ª T., REsp 793.430/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 17.10.2006, DJ 11.10.2006, p. 375.

94

RODRIGUES, Walter Piva. O princípio da colegialidade das decisões nos tribunais. Revista Dialética de

várias questões caibam diversos recursos, ou seja, cada um contra uma parte substancial e independente da decisão, sem que haja afronta ao princípio da unicidade recursal.95

A abrangência desse princípio é fixada levando-se em conta a natureza do ato judicial, o que se faz com a observância do estabelecido nos artigos 162 e 163 do Código de Processo Civil, para depois verificar qual o recurso adequado para aquele tipo de decisão judicial. A lei processual evidencia que o critério adotado foi o do conteúdo dessa decisão, não importando a forma que o juiz tenha dado ao ato, tampouco o nome que lhe atribuiu, restando ser estabelecido o que se entende por conteúdo do ato judicial recorrível, haja vista que a maior dificuldade surge na distinção entre decisão interlocutória e sentença. Além disso, várias questões podem ser decididas num único ato judicial complexo, ou seja, um ato composto por vários dispositivos, cada qual considerado per se como uma decisão, o que ocorre, por exemplo, quando o juiz decide várias questões quando da audiência preliminar e saneamento do processo, tais como: as preliminares de carência de ação, de incompetência absoluta, de coisa julgada etc., designando audiência de conciliação, instrução e julgamento. Nesse caso, a decisão proferida seria interlocutória, uma vez que não colocou fim ao processo, mas resolveu questões incidentes no seu curso. Em exemplo diverso, se o juiz, ao decidir essas mesmas questões, em vez de rejeitar a preliminar de carência de ação e designar audiência, acolher a preliminar, estaremos diante de uma sentença, pois colocou termo ao processo, sem que tenha decidido o mérito, conforme artigo 267, IV.96

Quando houver decisões complexas compostas de capítulos distintos que possam ensejar o atendimento de requisitos de recursos diferentes, nem por isso haverá verdadeira exceção desse princípio como ocorre quando a Câmara, no julgamento da apelação, decide reformar a sentença de mérito por unanimidade quanto a uma parte da matéria impugnada, e, por simples maioria, quanto à outra parte. Nesse exemplo, o capítulo julgado por unanimidade ensejará recurso especial e/ou extraordinário, e serão cabíveis embargos

95

PINTO, 2004. p. 88. No mesmo sentido, Cassio Scarpinela Bueno: “Isto não significa dizer, contudo, que, para diferentes capítulos de uma mesma decisão, situação da qual é exemplo clássico o art. 498. Também não agride o princípio aqui tratado quando uma mesma decisão aceita sucessivamente mais de um recurso, consoante sejam os vícios por ela apresentados e a vontade de o recorrente eliminá-los, como se dá, por exemplo, com a apresentação de embargos declaratórios para esclarecer obscuridade constante de sentença e, com a sua rejeição, a interposição de apelação contra a mesma sentença, visando a sua reforma” (2010, p. 49).

96

divergentes quanto ao capítulo julgado por maioria de votos, pois cada capítulo é considerado uma decisão per se.97

Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, referindo-se aos embargos infringentes, o artigo 530 do Código de Processo Civil limita a devolução ao estabelecer que, “se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência”, ou seja, os embargos abrangerão somente os capítulos que comportem tal recurso.98 Portanto, quando uma decisão formalmente única seja dividida materialmente em vários capítulos autônomos, como é o caso do acórdão que, ao resolver duas ou mais questões, soluciona de forma unânime em relação a uma ou algumas questões, e de forma majoritária quanto às demais. Nessa situação, contra a decisão do capítulo majoritário, admitem-se embargos infringentes conforme artigo 530 do Código de Processo Civil e, quanto aos capítulos cuja decisão foi unânime, caberá recurso especial e/ou extraordinário, conforme o caso, na conformidade do artigo 498 do mesmo diploma legal.99

Assim, o princípio da unicorribilidade significa que para cada decisão somente há de se interpor um recurso, e não mais de um, se a decisão for cindível e, na realidade, substancialmente, forem duas ou mais decisões, para cada qual caberá o recurso respectivo.100

O princípio da unicorribilidade não admite a interposição de dois recursos iguais, sucessivamente, contra a mesma decisão,101 tampouco se for interposto recurso errôneo, não se admite que a parte posteriormente efetue a substituição do recurso102 interposto erroneamente pelo recurso correto.103

No entanto, poderá ocorrer a flexibilização do princípio da unicorribilidade que se justifica quando uma mesma decisão exige a interposição de mais de um recurso

97

BARBOSA MOREIRA, 2010. item 141, p. 249.

98

DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2009c. p. 107.

99

ASSIS, 2008. p. 86.

100

ARRUDA ALVIM, José Manuel. Anotações sobre a teoria geral dos recursos. In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo

com a Lei 9.756/98. São Paulo: RT, 1999. p. 56. 101

Nesse sentido: “Revela-se defeso a interposição simultânea de dois agravos regimentais contra o mesmo ato judicial ante o princípio da unicorribilidade recursal” (STJ, 4.ª T., AgRg no REsp 1080056/RS 2008/0166007-1, Min. Luis Felipe Salomão, DJe 30.08.2011).

102

Nesse sentido: “A oposição de embargos infringentes, não conhecidos, porque a decisão de primeiro grau fora confirmada pelo acórdão, e posterior interposição de recurso especial, revela a ocorrência de preclusão consumativa, bem como a ofensa ao princípio da unirrecorribilidade. 2. Saliente-se que, protocolado o recurso incorretamente, não é possível à parte, posteriormente, apresentar o recurso cabível” (STJ, 2.ª T., REsp 981591/RS, 2007/0200261-2, Rel. Humberto Martins, j. 25.03.2008, DJe 03.04.2008).

103

concomitantemente, com base em fundamentos diversos, por exemplo, quando a decisão recorrida tiver, ao mesmo tempo, “questão federal” e “questão constitucional” a ensejar a propositura simultânea de “recurso especial” e “recurso extraordinário”.104