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3 AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

3.1 Princípios do Direito Administrativo

3.1.3 Princípio da impessoalidade

O Princípio da Impessoalidade está escrito no artigo 37, caput, da Constituição Federal, e não é mais do que o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Segundo este princípio, o agente público deve agir conforme a vontade da Administração e não por sua vontade ou convicção. Ou seja, quando um agente age conforme sua vontade e não pela vontade da Administração, o ato poderá ser nulo ou anulável.

Podemos citar como exemplo quando o agente público retarda um procedimento disciplinar ou o acelera, seja por amizade ou mesmo inimizade, este ato estará sujeito a uma arguição de nulidade. Neste princípio, verificamos que a administração deve tratar os administrados sem qualquer tipo de discriminação, seja ela benéfica ou detrimentosas, tampouco são tolerados os favoritismos ou perseguições, seja pessoais, políticas ou ideológicas, que possam influenciar na atuação administrativa.

O Princípio da Impessoalidade está consagrado em alguns dispositivos da Constituição Federal. O art. 5º, caput, dispõe que “todos são iguais perante a lei” (BRASIL, 1988), e no art. 37, em seu caput, e no inciso II, todos da Constituição Federal, diz:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; [...]. (BRASIL, 1988).

Verificamos que, o art. 37, caput, traz de forma explícita o princípio da impessoalidade, e, em seu inciso II, traz uma aplicação concreta deste Princípio da Impessoalidade, exigindo, assim, conforme dispositivo, o concurso público para o ingresso de cargo, função ou emprego público, onde é dado a todos a oportunidade de acesso em plena igualdade. Encontramos também, no art. 37, XXI, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que, para a Administração Pública contratar, dependerá de licitação pública, para assegurar uma igualdade entre os concorrentes.

3.1.4 Princípio da Eficiência

O Princípio da Eficiência foi introduzido na Constituição Federal através da Emenda Constitucional nº 19/98. Assim, a Administração Pública deve primar em ser eficiente, devendo buscar o bom desempenho das funções administrativas, visando o resultado almejado e buscando o constituinte derivado. A Administração Pública precisa ter critérios de aferição de desempenho.

Como refere Mello (2015), este princípio é parte de um princípio maior, o da “boa administração”, o que significa dizer, como indica Guido Falzone (apud MELLO, 2015, p. 126), “em desenvolver a atividade administrativa do modo mais congruente, mais oportuno e mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de utilizá-los, concebíveis como os mais idôneos para tanto”. Este princípio da eficiência está relacionado com o Direito Disciplinar no sentido de seguir corretamente um processo. Esta eficiência decorre da não ocorrência de vícios ou irregularidades formais, podendo citar os prazos a serem seguidos ou o rito a ser observado na legislação, desta forma, tomando a decisão correta no caso concreto, seja punindo ou mesmo absolvendo o acusado. Assim, observamos que os procedimentos disciplinares têm um conjunto de atos e prazos prescritos ainda que de forma reduzida, mas, ainda assim, devem ser obedecidos, evitando-se erro no procedimento, anulando-se, assim, todo o ato administrativo. Verificamos que este princípio está relacionado com os procedimentos estabelecidos na norma em vigor, devendo ser observado quanto à forma e aos prazos.

Através deste princípio, o constituinte derivado buscou determinar a procura do administrador pelos resultados, com eficiência, e também a elaboração de formas de controle

dos resultados obtidos. Desta forma, buscou o atendimento as necessidades de controle da Administração Pública.

3.1.5 Princípio da Autotutela

Existem vários atos que podem ser praticados e revistos pela Administração Pública que detêm esta prerrogativa, dentre eles, os atos disciplinares. Assim, uma sanção disciplinar que contenha vícios poderá ser revista pela autoridade que exerceu o ato disciplinar, ou mesmo, outra autoridade em decorrência das instâncias administrativas. Uma punição indevida também poderá ser recorrida e revisada dentro da instância administrativa sem a interferência do Judiciário, como indica a Súmula nº 346, do Supremo Tribunal Federal: “A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.” (STF, Sessão Plenária de 13/12/1963).

Existem alguns casos em que a Administração Pública não pode revisar os seus atos disciplinares, como no caso do in malam partem, quando da interposição de recursos, os fatos já prescritos, as sanções já cumpridas ou quando julgado o mérito pelo Poder Judiciário, considerando-se a coisa julgada material. Desta forma, os atos administrativos podem ser anulados ou revogados. O primeiro ato pelo próprio ato e o segundo através da apreciação judiciária, como indicado pela Súmula 473, do Supremo Tribunal Federal, que assim diz:

A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial (STF, Sessão Plenária de 03/12/1969).

Também, por força desta posição de supremacia do interesse público, e, em consequência de quem o representa na esfera administrativa, reconhecemos à Administração a possibilidade de revogar os próprios atos inconvenientes ou inoportunos, conquanto dentro de certos limites, assim como o dever de anular ou convalidar os atos inválidos que haja praticado. É o Princípio da Autotutela dos atos administrativos.

3.1.6 Princípio da Especialidade

Segundo este princípio, o rito procedimental disciplinar está estabelecido no Regulamento Disciplinar bem como suas fases. Assim, o Regulamento Disciplinar traz consigo

os procedimentos disciplinares, como instauração, atos de defesa, julgamento e decisão. Ao que se refere àqueles atos processuais, que, quando não indicados no próprio regulamento, poderá se socorrer ao sistema processual penal militar, que, mesmo não sendo específicos no que tange ao direito disciplinar, de maneira supletiva, tornando-se viável a busca de produção de provas e o exercício da defesa do acusado.

3.1.7 Princípio da Continuidade

Por este princípio se delineia que as atividades públicas têm que ter a sua continuidade, ou seja, elas não podem parar, visando as necessidades públicas. No caso do procedimento disciplinar, qualquer autoridade que estiver a frente de um PAD, por qualquer motivo tiver que se afastar, outra autoridade também competente assumirá o procedimento, dando o andamento sem suspendê-lo. A lei determina a competência do agente público, tendo o dever da autoridade competente de dar prosseguimento aos atos disciplinares, mesmo que este assumir temporariamente as funções de outra autoridade. Não agindo assim, poderá incorrer em um ilícito a ser analisado pela administração.

Devido ao princípio da obrigatoriedade do desempenho da atividade pública, a Administração se submete a obrigação de dar continuidade no desempenho de sua ação. No que se refere ao Princípio da Continuidade, Mello (2015, p. 84) diz que:

O princípio da continuidade do serviço público é um subprincípio, ou, se se quiser, princípio derivado, que decorre da obrigatoriedade do desempenho da atividade administrativa. Esta última, na conformidade do que se vem expondo, é, por sua vez, oriunda do princípio fundamental da "indisponibilidade, para a Administração, dos interesses públicos", noção que bem se aclara ao se ter presente o significado fundamental já exposto da "relação de Administração". Com efeito, uma vez que a Administração é curadora de determinados interesses que a lei define como públicos e considerando que a defesa, e prosseguimento deles, é, para ela, obrigatória, verdadeiro dever, a continuidade da atividade administrativa é princípio que se impõe e prevalece em quaisquer circunstâncias.

Verificamos, então, que o Princípio da Continuidade é a impossibilidade da interrupção de seus serviços ou atividades, e o direito dos administrados de que estes não sejam interrompidos. Mesmo em uma concessão de serviço público a um particular, se, por qualquer motivo não puder mais dar conta do serviço, a Administração Pública deverá e terá a obrigação de assumi-lo e dar continuidade.

3.1.8 Princípio Hierárquico

Este princípio é aplicado no que tange, principalmente, à revisão dos atos disciplinares, quais sejam: de retificação, anulação, atenuação ou agravação da sanção imposta. Também é aplicado no curso do procedimento, quando uma autoridade funcionalmente superior avoca para si o processo, realizando a instrução e o julgamento do procedimento disciplinar. Vemos, então, neste princípio, que quanto maior o grau hierárquico do agente público, este pode reformular, avocar para si os atos administrativos de seus subordinados.

Temos no poder hierárquico o subordinado, que deve obediência ao superior hierárquico, mas temos também o poder da Administração Pública de escalonamento de órgãos e das funções dentro de uma mesma entidade, o hierárquico, o que vem a gerar uma relação de subordinação de caráter interno. Contamos com o poder disciplinar, que tem a Administração Pública para apuração de infrações administrativas e aplicação das penalidades, no âmbito administrativo aos seus agentes públicos. A estes, cabe destacar que existem dois tipos: o primeiro, que está sujeito à hierarquia, e o segundo, o agente público, que não está sujeito a hierarquia, mas está sujeito ao regime jurídico administrativo e que manifestam a sua vontade.

A exemplo, tendo um superior hierárquico que aplica uma penalidade de advertência ao subordinado, está se aplicando o poder hierárquico e disciplinar. Em outra situação em que a união contrata com uma concessionária para prestar um devido serviço público, e essa concessionária, por algum motivo, não consegue cumprir o contrato celebrado, será aplicado pela União uma penalidade. Neste caso, haverá um poder disciplinar sem que haja um poder hierárquico, pois ele não está sujeito à hierarquia, mas à disciplina administrativa. Por isso, pode haver poder disciplinar sem que, necessariamente, haja hierarquia.

3.2 A falta disciplinar

Antes de mais nada, se faz necessária fazer a devida diferenciação entre o crime militar e a transgressão militar. Quando a conduta praticada pelo militar for considerada como crime militar, esta conduta vai estar estampada no Decreto Lei nº 1.001/69, Código Penal Militar, com sua tipicidade, não cabendo a apuração de infração disciplinar através deste Decreto Lei. Já a conduta que enseja uma transgressão disciplinar vai estar descrita no regulamento disciplinar da corporação, podendo, ainda, essa conduta ser considerada crime, que será respondido na

esfera criminal e civil. Assim, a falta disciplinar por si só não enseja crime, mas, se ato praticado for considerado crime, irá responder também na esfera criminal e não só na esfera administrativa.

Geralmente, o crime militar enseja também em uma conduta de transgressão disciplinar, devendo responder, neste caso, nas duas esferas, tanto administrativa como a penal, de modo que, quando uma conduta estiver estampada no Regulamento Disciplinar e essa conduta não se espelhar na esfera penal militar, deve ser apreciada exclusivamente na esfera administrativa militar. Isso está de forma bem clara no Código Penal Militar, Decreto-Lei nº 1.001/69, em seu artigo 19: “Art. 19. Este Código não compreende as infrações dos regulamentos disciplinares” (BRASIL, 1969). Já o § 2º, do artigo 7º, do Decreto nº 43.245/04, estabelece que: “§ 1° - A responsabilidade criminal e civil não elide a incidência de transgressão disciplinar e, conseqüentemente, da aplicação de sanção disciplinar, caso a conduta não seja devidamente justificada” (RIO GRANDE DO SUL, 2004). Deste modo, verificamos que, dependendo da situação em que o ato ilícito for considerado crime militar, irá o agente infrator responder também na esfera administrativa, e, se for o caso, na esfera civil. Mas, se for uma infração administrativa e não considerado crime militar, o agente responderá apenas na esfera administrativa em regulamento próprio.

Tanto o Direito Penal Comum como o Direito Penal Militar tem uma grande importância na proteção de bens jurídicos, como a vida, a integridade física, liberdade individual, sexual, da disciplina e do serviço militar. Esses ramos especializados do Direito protegem esses bens, e a Administração Militar cuida do funcionamento das Instituições Militares, de forma regular. Para tanto, não é possível que o Direito Penal Militar se ocupe de questões internas da caserna que poderão ser resolvidos no âmbito do Direito Administrativo Disciplinar.

O Direito Administrativo Disciplinar, que regula as relações jurídicas entre o Estado e os servidores militares, principalmente no que se refere à hierarquia e à disciplina, que são os pilares das instituições militares, cuida da disciplina militar, que é a rígida pela observância das leis, dos regulamentos, das normas e disposições emanadas de autoridades competentes. Há que se dizer que a aplicação do Direito Penal Militar não afasta, necessariamente, o Direito Administrativo Disciplinar Militar, que, em regra, quase todo o ilícito penal militar é também uma transgressão disciplinar. Ao contrário, nem toda transgressão disciplinar é um ilícito penal. Nesse caso que se apresenta a regra do artigo 19, do Decreto-Lei nº 1.001/69, já citado.

De forma mais simples, uma transgressão disciplinar é toda conduta que não se configure crime prescrito nas leis penais, e que estejam qualificadas nos regulamentos disciplinar, mas não de forma restrita, porque é abrangido por outras leis e regulamentos, assim como, por regras e ordens de serviço baixadas por autoridades competentes.

É necessário distinguir a transgressão militar do crime militar pelo grau de ofensa à disciplina, hierarquia e ao serviço militar. Enquanto o primeiro é qualquer ação ou omissão que vá contra o dever militar, o segundo, sendo próprio ou impróprio, é fato típico e antijurídico. Assim, o crime militar exige estrita tipicidade, porém a transgressão militar pode ser, inclusive, atípica, desde que contrarie à disciplina, hierarquia ou ao serviço militar.

Conclui-se que a relação de infrações disciplinares pertence a categoria de condutas que prejudicam a vida no aquartelamento e trazem prejuízos a hierarquia militar. Com isso, estas condutas, via de regra, não necessitam de uma sanção penal, pois não configuram crime, bastando uma sanção administrativa.

O Decreto nº 43.245/04 traz, em seu artigo 7º, uma definição genérica de transgressão disciplinar:

Art. 7° - Transgressão disciplinar é qualquer violação dos princípios da ética, dos deveres ou das obrigações policiais-militares, na sua manifestação elementar e simples, bem como qualquer omissão ou ação contrária a preceitos legais ou regulamentares. (RIO GRANDE DO SUL, 2004).

Com esta definição, verificamos que a transgressão se constitui de toda violação aos princípios da ética, dos deveres ou das obrigações policiais militares. Ainda, se caracteriza a transgressão, além das violações, as ações tanto positivas (ações propriamente ditas) ou negativas (omissões), contrárias aos preceitos legais ou regulamentos vigentes.Ainda, no artigo 7º, temos o parágrafo 2º, que adota uma tipicidade não estrita da transgressão disciplinar, não limitando o rol de transgressões que são taxativamente previstas no Anexo I deste regulamento disciplinar.

[...].

§ 2° - São transgressões disciplinares:

I - todas as ações ou omissões contrárias à disciplina policial-militar especificadas no Anexo I, deste Regulamento;

II - todas as ações ou omissões ou atos não especificados na relação de transgressões do Anexo citado que afetem a honra pessoal, o pundonor militar, o decoro da classe

ou o sentimento do dever e outras prescrições contidas no Estatuto dos Servidores Militares Estaduais, Leis e Regulamentos, bem como aquelas praticadas contra regras e ordens de serviço emanadas de autoridade competente. (RIO GRANDE DO SUL, 2004).

Temos, no parágrafo 2º, do artigo 7º, Decreto nº 43.245/04, uma tipicidade ampliada para buscar, de forma mais abrangente, a responsabilização disciplinar, não só das condutas lesivas tipificadas no Estatuto dos Militares estaduais, mas também aquelas estabelecidas por outras leis e regulamentos, regras e ordens de serviço. Comtempla-se, neste dispositivo, uma norma disciplinar em branco, que são as condutas de transgressão que não estão todas qualificadas no regulamento disciplinar, devido à sua complexidade, delimitando-se parcialmente a transgressão, produzindo norma incompleta, onde se busca complemento em outra regra jurídica visando à proteção dos bens jurídicos.

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