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3 TIPICIDADE E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

3.3 Princípio da insignificância e tipicidade material

Zaffaroni124 diferencia tipicidade legal da tipicidade penal. A primeira

pressupõe a segunda. A tipicidade legal deve ser somada a antinormatividade – contrariedade da norma - para se alcançar a tipicidade penal.

Vale aqui repetir o clássico exemplo trazido pelo catedrático da Universidade Nacional de Buenos Aires. O oficial de justiça que ao cumprir ordem judicial formal e materialmente legítima sequestra um quadro de um colecionador estaria cometendo com sua conduta um tipo penal?

122

BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime, op. cit., p. 87.

123

REALE JR., Miguel, op. cit., p. 38.

124

Para a maior parte da doutrina o fato descrito é típico, mas não é antijurídico, pois encontra uma causa justificadora – estrito cumprimento do dever legal. Contudo, Zaffaroni considera esta conclusão inaceitável, visto que para ele a tipicidade compreende a antinormatividade. Assim, é absurdo dizer que tal serventuário tivesse cometido uma conduta contrária à norma.

Com isso surge a tipicidade conglobante, concepção original do referido mestre argentino. Pela tipicidade conglobante o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal. A norma proibitiva não pode ser considerada isoladamente, mas conglobada na ordem normativa. Por isso que na ilustração acima - o caso do oficial de justiça – não se pode falar que houve tipicidade.

Consideramos acertada tal compreensão que ao fundo apresenta uma roupagem diferenciada do que se convencionou chamar de tipicidade material. Com isso, não se põe em cheque a originalidade do autor multireferido. Ao contrário, seu esforço tem o condão de sistematizar de modo preciso o problema até então não apreciado desta maneira.

O juízo de tipicidade determina se a conduta é “antinormativa”, ou seja, se é uma conduta proibida pelo Direito. Nos casos de afetação insignificante do bem jurídico, compreendendo a finalidade geral do ordenamento jurídico, deve afastar as condutas que produzam lesão mínima. Não sendo, portanto, legítima a intervenção penal.

Acrescenta-se que mesmo admitindo o discurso da segurança jurídica e o respeito às previsões legais, insegurança maior estaríamos submetidos se não excluíssemos da apreciação do Direito Penal àquelas condutas que causam lesões mínimas para o bem jurídico. Realça que este seria o fundamento teórico que permite sustentar a atipicidade penal de uma conduta que mesmo formalmente adequada ao tipo, não trás substancial lesão ao bem jurídico tutelado.125

Comparando-se as causas de justificação – que a princípio afastam a antijuridicidade da conduta – com a atipicidade conglobante, na lição de Zaffaroni,126

verifica-se, por exemplo, num caso de legítima defesa, a permissão de repelir a agressão não quer dizer que o direito “fomenta” que os homens se matem.

125

VIRGOLINI, Julio E. S. Las lesiones levísimas: un caso de atipicidad por insignificancia. op. cit., p.121.

126

Diferentemente da atipicidade conglobante que não há uma permissão, mas sim, no seu cerne, há mandatos, ou fomentos, ou, mesmo uma indiferença – por insignificância – contextualizada na lei penal.

A concepção meramente formal do tipo não se coaduna com a tendência contemporânea de redução da intervenção penal, devido ao caráter subsidiário que o Direito Penal deve conter e pela própria ineficiência deste como mecanismo único de controle social. Para que a conduta seja típica, portanto, deve ser materialmente lesivo. O juízo de tipicidade deve incluir apenas o que for materialmente típico, afastando o que socialmente é aceito e o que seja insignificante.127

Nesta seara é que o princípio da insignificância se torna instrumento para se efetivar a interpretação restritiva, fundando a concepção material do tipo penal, mantendo a segurança jurídica do sistema.

Como afirma Macieira128 deve se admitir o conceito material de tipicidade.

Visto que o tipo penal não deve ser um mero juízo de subsunção, como acima observado, pois para ser típica a conduta deve ser não apenas formal, mas materialmente típica.

A verificação da tipicidade material para o exame do caso concreto deve ser visto como antídoto contra o crescente surgimento de tipos que por vezes levam a fragilização dos princípios constitucionais, notadamente, o princípio da individualização da pena, da proporcionalidade e do princípio da intervenção mínima, sendo “um instrumento eficaz à disposição do julgador e/ou do aplicador do direito.”129

O Direito Penal não traz um sistema exaustivo de ilicitudes, mas descontínuo, não impõe uma proteção absoluta aos bens jurídicos. Sendo a proteção fragmentária e subsidiária, demonstrando a relatividade de uma proteção extrema. Mesmo, assim, por mais que se delimite a tipificação penal aos fatos de maior relevância, poderá no caso concreto observar a não incidência de relevância do fato que justifique a aplicação do Direito Penal.130

127

MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente de tipicidade no direito

penal, op. cit., p. 52-53.

128

MACIEIRA, Ricardo Felipe R. Princípio da insignificância. Revista Brasileira de Ciências

Criminais. São Paulo: RT, ano 4, n. 15, p. 358-359, jul./set. 1996.

129

GOS, Paulo del; MORAES, Jorge Luiz dos Santos; MÜLLER, Wolmir. Princípio da insignificância. A

Sociedade, a Violência e o Direito Penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, p.114, 2000.

130

QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do direito penal: lineamentos para um direito penal mínimo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 95-97.

Até porque ao se tratar do princípio da insignificância se afasta critérios pessoais do agente, pois seu interesse se lastra no fato objetivo praticado, buscando a tipicidade ou não do fato investigado. Pois, o fato realmente insignificante guarda apenas uma aparência de tipicidade, não sendo materialmente típico.131

Ackel Filho132 classifica o princípio da insignificância em: insignificância própria e insignificância imprópria. No princípio da insignificância própria inexiste tipicidade pela não reprovabilidade do fato. Enquanto, no princípio da insignificância imprópria o fato é típico, contudo há um esvaziamento do conteúdo antijurídico, permitindo em alguns casos sua desconsideração.

Consideramos inapropriada tal classificação. Não há que se falar em esvaziamento do conteúdo antijurídico para se caracterizar determinada situação em tese típica como merecedora da aplicação do princípio da insignificância. De fato é a tipicidade que se deve ater para o reconhecimento do multirreferido princípio. Ora, se a ofensa ao bem jurídico penalmente tutelado não ocorre, ou ocorre de modo tão ínfimo, o que se afasta é a tipicidade, não interessando ao Direito Penal sua persecução por se tratar de conduta atípica.

Assim, deve clarear o tema a existência de uma tipicidade material. Esta tipicidade material guarda um aspecto de política criminal de fundamentação para a aplicação do princípio da insignificância. Sendo, portanto, possível sua aplicação nos crimes próprios contra a Administração Pública.

A própria pena - no âmbito do Direito Penal - deve ser investigada em seus limites e fins para que possamos averiguar sua necessidade para o caso concreto. Até mesmo porque a resposta não penal – a aplicação com maior eficiência e destreza de punições não criminais – poderá dar maior resposta e mais rápida aos funcionários públicos e seus assemelhados que cometam desvios funcionais.

131

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Plabos de. Direito penal: parte geral, v. 02. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 219.

132

ACKEL FILHO, Diomar. O princípio da insignificância no direito penal. Revista de Jurisprudência

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RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE PELO PRINCÍPIO