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2 PRINCÍPIOS QUE FUNDAMENTAM O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

2.2 Princípio da intervenção mínima

O princípio da intervenção mínima ou da necessidade indica que o Direito Penal só deve atuar para tutelar determinados bens jurídicos. A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 é indicada como origem deste princípio, ao afirmar em seu art. 8° que “A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias”. Mesmo consagrado o princípio da intervenção mínima como instrumento que visa reduzir a utilização do Direito Penal é crescente a partir do século XIX o surgimento de normas incriminadoras.50

48

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed., rev. e aum. São Paulo: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 17-18.

49

PALAZZO, Francesco, op. cit. p. 43-49.

50

Numa observação histórica o princípio da intervenção mínima foi uma reação da burguesia contra o modelo penal medieval mantido pelo Estado Absolutista. Há duas características relacionadas ao princípio da intervenção mínima: a da fragmentariedade e o da subsidiariedade.51 Esta pressupõe a primeira, sendo visto o Direito Penal como solução extrema que só deve ser ministrado quando nenhum outro remédio repressivo funcione.

Ganhou corpo, contudo, o princípio da intervenção mínima a partir do século passado, com o advento da criminologia crítica. Destacando como fator importante para a sociologia criminal moderna, questionando o caráter ressocializador da pena e a consequente “lógica da punição”.52

Mesmo que não presente textualmente na legislação, o referido princípio tem um condão de política criminal, dotado de positividade para a sustentação de um Estado Democrático de Direito.53 Apresenta-se como verdadeiro “princípio de ordem política”,54

visando reduzir a excessiva abrangência do Direito Penal, possibilitando que os crimes mais graves sejam de fato apurados e punidos.

Zaffaroni e Pierangeli55 ao falarem sobre descriminalização, despenalização, diversificação e intervenção mínima, destacam quanto ao último que é uma tendência político-criminal contemporânea. Visa reduzir ao mínimo a solução punitiva criminal das relações sociais, pois acreditam que os efeitos são contraproducentes, agravam mais do que solucionam os conflitos.

O princípio da intervenção mínima56 – ou princípio da ultima ratio – delimita o poder incriminador do Estado. Orienta que só se deve incriminar condutas que não encontre controle por outros meios, surgindo o Direito Penal como único que possa tutelar determinado bem jurídico. Caso contrário, o apelo à criminalização traz um desequilíbrio nas relações. Toda vez que medidas de cunho civil ou administrativas possam solucionar o conflito, deve o Direito Penal ser afastado.

51

BATISTA, Nilo, op. cit., p. 84-89.

52

SANTOS, Lycurgo de Castro. Princípio da intervenção mínima do direito penal e crimes de menor potencial ofensivo. Justiça e Democracia. São Paulo: RT, n. 1, 1996, p. 198-200.

53

MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente de tipicidade no direito

penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 57.

54

TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Novas tendências do direito penal. Cartilha Jurídica. Brasília: TRF – 1ª Região, n. 38, p. 11, jun./1996.

55

PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 340-341.

56

BITENCOURT, Cezar Roberto; PRADO, Luiz Régis. Princípios fundamentais do direito penal.

Evidente que muito longe da observância deste princípio passa o legislador brasileiro, sendo interessante transcrever uma precisa observação de Luisi:57

O Código Penal de 1940, - cuja parte especial está ainda em vigor, - foi acrescido por uma série vultuosa de leis que prevêem novos tipos penais, em sua maioria totalmente desnecessários e em desacordo com reais injunções, e outros elaborados de modo a comprometer a seriedade da nossa legislação penal, chegando em alguns casos a conotações paradoxais e hilariantes.

O princípio da intervenção mínima é também denominado de “princípio da absoluta necessidade de intervenção”.58

Com ele a intervenção penal do Estado somente estaria justificada quando necessária para a manutenção da organização política em um sistema democrático. O que extrapolar essa necessidade é tida como autoritária e uma grave lesão aos princípios democráticos de um Estado e de suas bases de sustentação.

Destes outros princípios derivam: a consideração do controle do Direito Penal desde suas consequências, o seu caráter de extrema ratio e subsidiariedade, o princípio do caráter fragmentário, o princípio da proporcionalidade, o princípio do ne bis in idem e, por fim, o princípio da alternatividade.

É interessante destacar que nesta esteira da “consideração do controle do Direito Penal desde suas consequências” Bustos Ramírez e Malarée vão buscar em Hassemer esta percepção.

Hassemer59 leciona que o Direito Penal – e o sistema que lhe constitui – deve se orientar a partir das consequências de sua constituição e seu exercício. É chamado de princípio da orientação das consequências no Direito Penal. Como dito acima, acreditamos se tratar de uma derivação imprescindível do princípio da intervenção mínima. A orientação das consequências das decisões jurídicas tem sido uma característica dos ordenamentos modernos, inclusive do Direito Penal.

Há uma percepção de que a legislação e a jurisprudência estão interessadas nas consequências fáticas de sua atuação e que legitimam suas ações pela produção dos resultados desejados e na rejeição das consequências não desejadas. Significa que o legislador, a justiça e a administração penitenciária não estão preocupados só com o

57

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais, op. cit., p. 44.

58

BUSTOS RAMÍREZ, Juan; HORMAZÁBAL MALARÉE, Hernán. Lecciones de derecho penal: parte general. Madrid: Editorial Trotta, 2006, p. 94.

59

caráter retributivo e de expiação do condenado, mas o de melhorar o autor e conter a delinquência em seu conjunto.

De fato estamos diante de um instrumento que resguarda o prestígio do Direito Penal, pois concentra as normas incriminadoras aos casos de maior relevância de contraposição as ofensas aos bens jurídicos fundamentais. Combate a exaustão e insegurança que conduz a “inflação legislativa” punitiva.60

Mir Puig61numa análise de política criminal indaga se o princípio da intervenção mínima poderia ser aplicado num Estado social intervencionista – é desta forma que o professor espanhol classifica os Estados com presença maior na regulação do mercado e fomentador das questões de bem-estar social, o que tem sido a realidade de Estados como o Brasil, parte dos países latinos e europeus. Visto que o instituto encontrou guarita no estado liberal e “neoliberal”. Responde que sim. Desde que o Estado não confunda a defesa da coletividade com a utilização excessiva do Direito Penal como instrumento de equilíbrio, maximizando-o, criando uma “inflação penal”.

Este princípio impõe que o Direito Penal só socorrerá situações em que seja necessária maior resposta para a manutenção da autoridade estatal, afastando e reprimindo condutas que tragam instabilidade à ordem social. É neste diapasão que encontra o princípio da insignificância fundamentação também no princípio da intervenção mínima.