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3 TIPICIDADE E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

3.2 Tipicidade e antijuridicidade

Quanto à relação entre tipicidade e antijuridicidade há três posições fundamentais, nas lições de Zaffaroni.114

A primeira, conhecida como teoria do tipo avalorado ou neutro ou acromático. Afirma que a tipicidade nada indica em relação à antijuridicidade. Teoria que não merece acolhida, pois desconhece que o tipo é uma norma que compõe o ordenamento, não podendo se abstrair disto.

A segunda, diz que a tipicidade é um indício ou presunção juris tantum da antijuridicidade. É a teoria da ratio-cognoscendi, defendida por Max Ernst Mayer, por ela a tipicidade se comporta em relação à antijuridicidade como a fumaça em relação ao fogo. Sendo esta, acreditamos, a que traduz com maior precisão a relação entre estes dois elementos do delito.

Welzel115 ao falar sobre a tipicidade como indício da antijuridicidade, demonstra com clareza que a tipicidade e a antijuridicidade são elementos distintos que se comunicam e se interligam, afirmando que as causas que justificam não excluem a tipicidade de uma conduta, afastando apenas a antijuridicidade. Assim, tipicidade e antijuridicidade não são coisas idênticas.

A terceira, defende que a tipicidade é a ratio essendi da antijuridicidade. Esta teoria da ratio essendi nos trás duas perspectivas. Ser a tipicidade compreendida como juízo de antijuridicidade, havendo causas de justificação se elimina a tipicidade, sendo conhecida como teoria dos elementos negativos do tipo. Ou, a tipicidade implica a própria antijuridicidade, podendo ser esta excluída havendo causa de justificação.

A tipicidade116deve ser vista em suas duas funções: função de indício de antijuridicidade e função garantista. Neste último, relaciona-se com o princípio da legalidade, sendo o seu próprio cumprimento. A obrigação de se adequar a conduta a um tipo penal, para que aquela seja alcançada pelo Direito Penal, garante que o restante das condutas não pode ser incriminado.

Um dos planos de análise do tipo penal é o valorativo (os outros dois planos são: da linguagem e da realidade). O plano valorativo “tem bastante relevância porque,

114

ZAFFARONI, Eugenio Rául. Manual de derecho penal, op. cit., p. 381-382.

115

WELZEL, Hans, op. cit., p. 96.

116

se a conduta, à primeira vista típica, não violar o bem jurídico, tem sua tipicidade excluída pelo princípio da insignificância”.

Como visto acima há uma divergência na doutrina quanto à natureza jurídica da antijuridicidade. Para uns é a antijuridicidade a essência do crime - o crime em si (Luna, Antolisei e Batagline) - para outros é elemento do crime (Beling, Welzel, Maurach, Mezger, Bettiol, Petrocelli, Aníbal Bruno, Nelson Hungria).

Faz-se necessário um esforço inicial quanto ao conceito de antijuridicidade e sua relação com a tipicidade. Para que possamos conceituar antijuridicidade é preciso anteriormente, à luz do que traz a doutrina, refletirmos quanto ao conceito de crime. Sendo este o momento inicial da Teoria Jurídica do Delito. Numa diferenciação preliminar entre o conceito criminológico e o conceito jurídico, pode-se dizer que o primeiro busca explicar o crime como fato fenomênico - o ser, enquanto o conceito jurídico investiga o crime a partir da norma - dever ser.

Assim, numa conceituação jurídica de crime,117 o primeiro elemento que o compõe se funda no princípio nullum crimen nulla poena sine lege, ou seja, princípio da legalidade. Exige-se que a conduta tida por criminosa esteja prevista na lei como tal e que haja adequação entre o comportamento do agente e a previsão legal, estamos diante da tipicidade. Inicialmente toda ação típica é antijurídica, só não sendo se houver uma causa justificadora, excludente da antijuridicidade (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito).

O segundo elemento do crime, portanto, é a antijuridicidade que é o juízo de valor negativo, qualificando o fato como contrário ao direito. Estes dois primeiros elementos recaem sobre a conduta. O terceiro elemento, a culpabilidade, recai sobre o autor, a reprovação pessoal. Sendo este o conceito tripartido de delito que surgiu na doutrina dogmática alemã.

Por sua vez, Everardo da Cunha Luna,118 que inicialmente utilizava a expressão “injuricidade” ao invés de antijuridicidade, critica os positivistas por quererem dar uma definição sociológica ao crime, destacando, contudo, que “os positivistas mais lúcidos”, cita o italiano Grispigni, “estudam a ciência jurídica como deve ser estudada, e, de tal modo o fazem que de Grispigni, já se disse ser um estranho caso de tecnicismo jurídico dentro do velho tronco do positivismo italiano”.

117

BRANDÃO, Cláudio. Teoria jurídica do crime, op. cit., p. 5-12.

118

Criticando também Beling, Luna afirma que a injuricidade não é elemento, nem tampouco requisito do crime, mas sua essência, ou seja, “a injuricidade está para o crime assim como a vida está para o ser humano.” Além da função de adequação entre a conduta e o tipo penal, a tipicidade tem também a função de servir de introdução à parte especial do Código Penal. Assim, “todos os tipos são, portanto, objetivos e subjetivos ao mesmo tempo”.

Aponta Luna119 a existência de uma injuricidade ao mesmo tempo material e

formal, valendo trazer a colação a sua lição:

Os dois conceitos existem, portanto, mas são inseparáveis, não se compreendendo injuricidade material sem injuricidade formal, e vice-versa. Por isso, devem-se rechaçar duas teorias, uma antiga e outra moderna, as quais, admitindo os conceitos aludidos, considera-os independentes. Referimo-nos a teorias de Liszt, de Maurach e Welzel.

Na segunda metade do século XIX, a partir dos estudos de Liszt que se inicia a sistematização científica da antijuridicidade. Visto, pelo mestre alemão, como elemento objetivo do crime. Aponta como função da antijuridicidade a revelação das causas de justificação. Atualmente entende-se a antijuridicidade como a contrariedade entre conduta e o direito. Paradoxalmente, pode-se afirmar que este instituto não visa apontar o anti-jurídico, mas ao contrário, reafirma o direito, indica o conforme o direito.

Neste contexto pode ser verificada a função da antijuridicidade: “é revelar quais ações típicas são autorizadas pelo Direito, sendo valoradas pelo Estado como ações jurídicas. Somente serão antijurídicas, portanto, as ações típicas não acobertadas pelas causas de justificação.”120

Jiménez de Asúa121 se posiciona contrário à teoria dual apresentada por Liszt que defende a existência de uma antijuridicidade material e formal. Afirmando se tratar de uma volta à dualidade entre direito natural e direito positivo. Defende a posição de Mayer que vê a ordem jurídica como um conjunto de normas de cultura. Diz que Liszt confunde antijuridicidade formal como tipicidade, enquanto que a antijuridicidade material é a própria antijuridicidade.

119

Ibid., p. 47-48.

120

BRANDÃO, Cláudio. Introdução ao direito penal: análise do sistema penal à luz do princípio da legalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.130.

121

É a antijuridicidade comum aos vários ramos do direito que ao se ver violado reage impondo uma das três formas de coação estatal, como afirma Liszt: a execução coativa ou forçada, o restabelecimento das coisas ao estado anterior e, pelo que interessa ao Direito Penal, a imposição da pena como castigo a desobediência. Sendo este último a tarefa de proteger os bens mais dignos e caros à sociedade.

Trazemos a colação a definição de Brandão122 quanto à antijuricidade:

Pode-se definir a antijuridicidade como a relação de contrariedade do fato do homem com o comando que dispõe a norma do direito. Essa relação de contrariedade não existe somente no âmbito do direito penal, mas em todos os ramos do direito apresentam contradição do fato com a norma, podendo falar-se em antijuridicidade penal, administrativa, civil etc.

É predominante na doutrina que para ser uma ação qualificada como criminoso não se faz necessário apenas sua adequação a conduta paradigmática, mas deve combinar sua condição de antijurídica e culpável.123

Podemos afirmar que como elemento que compõe o crime, juntamente com a tipicidade e a culpabilidade – a primeira recaindo sobre a conduta e a última sobre o agente -, é a antijuridicidade a reafirmação do Direito que ao ser violado por conduta do agente, não encontrando justificativa para esta, reage, reafirmando-se, impondo reprimenda, na seara do Direito Penal, a pena.