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2.4 A COMPATIBILIZAÇÃO DA PADRONIZAÇÃO COM A ISONOMIA

2.4.1 Princípio da Isonomia

O princípio da isonomia encontra-se expresso no art. 5º, caput, da Constituição Federal: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”296. É um princípio que tem como destinatário o Estado no desenvolvimento das suas funções. Apresenta duas dimensões: a igualdade na aplicação do direito e a igualdade quanto à criação do direito. A igualdade na aplicação do direito significa que “as leis devem ser executadas sem olhar as pessoas”. Por outr lado “ser igual perante a lei não significa apenas aplicação

295 JUSTEN FILHO, Marçal. Catálogo eletrônico de padronização. In JUSTEN FILHO, Marçal; PEREIRA, César A. Guimarães (Coord.). O Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC): comentários à lei 12.462 e ao Decreto n. 7.581. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 357-360, p. 359.

296 BRASIL. Constituição da República. Disponível em

igual da lei. A lei ela própria deve tratar por igual todos os cidadãos”. O princípio dirige-se ao legislador, “vinculando-o a criação de um direito igual para todos os cidadãos”297.

A criação de direito igual envolve a adoção do princípio da universalidade ou justiça social, apresentando-se como um “postulado de racionalidade prática” (previstas para todos os indivíduos com as mesmas características, iguais situações ou resultados jurídicos). Exige a igualdade material através da lei, devendo tratar “igual o que é igual e desigualmente o que é desigual”. Pressupõe a igualdade justa que implica: a) a insuficiência do arbítrio como fundamento adequado de valoração e de comparação; b) a imprescindibilidade da análise da natureza, do peso, dos fundamentos ou motivos justificadores de soluções diferenciadas e c) a insuficiência da consideração do princípio da igualdade como um direito de natureza apenas defensiva ou negativa298.

Segundo José Afonso da Silva, “o conceito de igualdade provocou posições extremadas”. Há os nominalistas que sustentam que a “desigualdade é característica do universo”, e que, portanto, os “homens nascem e perduram desiguais”, fazendo com que a igualdade seja “apenas um nome, sem significação no mundo real”. No sentido oposto, os idealistas pregam um “igualitarismo absoluto entre as pessoas, afirmando uma “igual liberdade natural ligada à hipótese do estado de natureza, em que reinava uma igualdade absoluta”. Os realistas reconhecem que os “homens são desiguais sob múltiplos aspectos, mas também os descreve como “criaturas iguais”, em essência como seres humanos”299.

Reconhece-se que os homens são desiguais, mas essas desigualdades são fenomênicas: naturais, físicas, morais, políticas, sociais, etc.”300. Tais desigualdades, segundo Cármen Lúcia Antunes Rocha, são “saudáveis, como são doentes aquelas sociais e econômicas, que não deixam alternativas de caminhos singulares a cada ser humano único”. Para a autora, “o que se quer é a igualdade jurídica que embase a realização de todas as desigualdades humanas e as faça suprimento ético de valores poéticos que o homem possa desenvolver”301.

297 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional, p. 426.

298 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional, p. 426-430.

299Curso de direito constitucional positivo, p. 212.

300 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 213.

301 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990, p. 118.

O princípio tem por finalidade buscar a igualdade entre cidadãos sob todos os aspectos. Conforme José Joaquim Gomes Canotilho, o princípio da igualdade também é um princípio do Estado social e “independentemente do problema da distinção entre igualdade factica e igualdade jurídica e dos problemas econômicos e políticos ligados à primeira [...] o princípio da igualdade sob o ponto de vista jurídico-constitucional, assume relevo enquanto princípio de igualdade de oportunidades (Equality of opportunity) e de condições reais de vida”. A igualdade “conexiona-se, por um lado, com uma política de justiça social e com a concretização das imposições constitucionais tendentes à efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais”. Por outro lado, “é inerente à própria ideia de igual dignidade social” que funciona como “fundamento antropológico-axiológico contra discriminações, objectivas ou subjectivas, mas também como princípio jurídico-constitucional impositivo de compensação de desigualdade de oportunidade” e como “princípio sancionador da violação da igualdade por comportamentos omissivos”302.

No mesmo sentido Carlos Roberto Siqueira Castro:

a tendência do constitucionalismo contemporâneo é no sentido de não mais limitar-se à enunciação de um postulado formal e abstrato de isonomia jurídica, mas sim de fixar, em sede constitucional, medidas concretas e objetivas tendentes à aproximação social, política e econômica entre os jurisdicionados do Estado, ou, então, de exigir, mediante coordenadas e indicativos precisos, que o legislador adote tais medidas303.

Para Flávia Piovesan, “a implementação do direito à igualdade é tarefa fundamental a qualquer projeto democrático, já que em última análise a democracia significa a igualdade no exercício dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais”. “A busca democrática requer fundamentalmente o exercício em igualdade de condições dos direitos humanos elementares”. “Impõe tanto o desafio de eliminar toda e qualquer forma de discriminação como o desafio de promover a igualdade”. Há necessidade de se desenvolver, de forma conjugada, “estratégias repressivas e promocionais”. As primeiras proíbem práticas discriminatórias e violadoras do direito a igualdade, enquanto as segundas envolvem medidas que visem à exclusão das desigualdades304.

302 Direito constitucional, p. 430-431.

303 CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição aberta e os direitos fundamentais: ensaio sobre o constitucionalismo pós-moderno e comunitário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 388.

304 PIOVESAN, Flávia. Ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos. Cadernos de Pesquisa. Campinas, v. 35, n. 124, p. 43-55, jan./abr. 2005, p. 52-54. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/v35n124/a0435124.pdf > Acesso em: 17 jan. 2012.