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2.4 A COMPATIBILIZAÇÃO DA PADRONIZAÇÃO COM A ISONOMIA

2.4.2 A tensão entre eficiência e isonomia

Identifica-se uma tensão constante entre os princípios da eficiência e isonomia nas compras governamentais. Isto porque, ao comprar, a Administração busca “condições negociais que melhor satisfaçam o bem comum”. Em outros termos, a compra “visa à obtenção do melhor preço, do melhor produto e do melhor fornecedor”305, e se possível em um

procedimento ágil e seguro, em conformidade com o princípio da eficiência.

A Administração precisa selecionar fornecedor dentre os existentes no mercado para comprar produtos que atendam às suas necessidades. Todavia, ao contrário dos compradores privados, que possuem ampla liberdade de escolha, na compra governamental o responsável pelas compras encontra-se com a liberdade restringida pelos princípios constitucionais e legais que regem o seu atuar. Dessa forma, excetuando-se os casos em que a legislação, com amparo constitucional, autoriza a contratação direta, nos demais casos há a obrigatoriedade da licitação.

A compra governamental tem que ser realizada em atendimento ao princípio da isonomia, que envolve propiciar a ampla participação dos potenciais fornecedores do bem, em um procedimento que se garanta a igualdade aos participantes, tanto em relação ao acesso quanto ao trâmite do mesmo. A licitação apresenta-se como instrumento de acesso dos fornecedores às compras governamentais, ao mesmo tempo em que funciona como mecanismo de legitimação da escolha realizada, evitando escolhas arbitrárias, resultantes de preferências pessoais e subjetivas306.

Segundo Joel de Menezes Niebuhr:

A realização da licitação pública é obrigatória em virtude do princípio da indisponibilidade do interesse público, dado que os agentes administrativos encarregados de celebrarem contratos em nome da Administração Pública não podem fazê-lo de acordo com as suas vontades, com os seus desígnios pessoais, porém sempre norteados pelo interesse público.

[...]

Dessa forma, através da licitação pública, retira-se da esfera pessoal do agente administrativo a escolha de quem contrata com a Administração

305 NIEBUHR, Joel de Menezes. Princípio da isonomia na licitação pública. Santa Catarina: Obra Jurídica, 2000, p. 70.

Pública. Para tanto, ele deve seguir procedimento formal prescrito em lei, valendo-se de critérios antecipadamente definidos de modo impessoal e objetivo307.

Em função do princípio da isonomia, a Administração encontra-se obrigada, em todo o desenrolar do procedimento licitatório, a garantir as mesmas oportunidades para os fornecedores interessados em contratar com ela. Assim, a definição dos critérios de seleção do ato convocatório deverá se pautar em critérios objetivos, enfocando as especificações relevantes para a contratação.

Em respeito ao princípio da isonomia, a seleção de critérios que irá constar do ato convocatório impõe limites à Administração, proibindo opções que criem desigualdades injustificadas juridicamente. Marçal Justen Filho, seguindo a linha de pensamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, afirma que o ato convocatório viola o princípio da isonomia quando: a) estabelece discriminação desvinculada do objeto da licitação; b) prevê exigência desnecessária e que não envolve vantagem para a Administração; c) impõe requisitos desproporcionados com necessidades da futura contratação; d) adota discriminação ofensiva de valores constitucionais ou legais308.

A Lei 8666/93 (art. 3º, §1º, I e II) expressamente veda práticas consideradas anticompetitivas tais como a inclusão de cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo; e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato. A lei ressalva as hipóteses previstas nos §§ 5º a 12 do artigo e o contido no art. 3º da Lei n. 8.248, de 23 de outubro de 1991. Também veda a fixação de tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere à moeda, modalidade e local de pagamentos, mesmo quando envolvidos financiamentos de agências internacionais, ressalvado o disposto no parágrafo seguinte e no art. 3º da Lei n. 8.248, de 23 de outubro de 1991.

A isonomia deve ser garantida no momento da redação do ato convocatório e durante todo o transcorrer da licitação, uma vez que “inexiste processo legítimo em que não haja certeza do tratamento igualitário entre envolvidos; expressado em direito equânime à

307 Dispensa e inexigibilidade de licitação pública, p. 48-49.

exposição inicial e defesa, produção de provas, ciência recíproca dos atos processuais, recorribilidade das decisões etc.”309.

José Carlos Barbosa Moreira afirma que o princípio da igualdade entre as partes no processo se desdobra em três exigências: a) igualdade de riscos (divisão da carga probatória e direito equânime à produção de provas); b) igualdade de oportunidades (possibilidades de atuação e deveres de submissão idênticos entre as partes envolvidas) e c) igualdade de tratamento pelo órgão judicial (equilíbrio entre poder do órgão público e o direito das partes garantida através de um formalismo razoável)310.

No decorrer do procedimento licitatório, a isonomia entre os licitantes deve ser garantida pela Administração Pública em todas as fases, o que implica a obediência da vinculação ao instrumento convocatório, devendo ser aplicadas as normas da mesma forma para todos os licitantes, no julgamento objetivo da habilitação e classificação das propostas, no decurso dos prazos recursais, na garantia do direito de contrarrazoar etc.

Dessa forma, a compra governamental deve conciliar a eficiência e a isonomia, apresentando-se como resultado do sopesamento desses valores, buscando-se sempre a razoabilidade entre os dois, de forma a não existir sacrifício de um em relação ao outro e sim a realização de ambos.

Segundo Joel de Menezes Niebuhr:

A eficiência e a isonomia são dois princípios que devem dar-se as mãos para efetuar o elemento teleológico da licitação pública. Mas, não é sempre que haverá absoluta conciliação. Por vezes um precederá o outro, devido à importância de cada qual em relação ao caso fático-jurídico que se apresenta. Não se quer dizer – é bom que fique claro – que se vai abdicar de um dos princípios. Aliás, insista-se, não é desta maneira que os princípios atuam na ordem jurídica311.

Há que se destacar que a conciliação entre a eficiência e a isonomia não deve ocorrer apenas na licitação e sim na compra governamental, uma vez que existirão hipóteses de compra direta. O sopesamento dos dois valores deve conduzir sempre a uma opção considerada razoável, ou seja, a caracterização do bem que atenda de forma suficiente às necessidades administrativas a um custo razoável e que reconheça a igualdade e desigualdade

309 MOREIRA, Egon Bockman. Processo administrativo no direito brasileiro, p. 102.

310 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual. 4ª série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 68-70.

existente no mercado para permitir que apenas os fornecedores que possuam bens similares ou superiores em qualidade participem da compra.

2.4.3 A caracterização do produto em conformidade com a dimensão da isonomia nas