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3.2. Princípios constitucionais fundamentais do processo administrativo

3.2.4. Princípio da moralidade

Os autores que se debruçaram sobre o tema ressaltam a dificuldade na conceituação da moralidade administrativa, destacando-se que, inclusive, há os que sequer aceitem a sua existência.

Alguns autores preconizam que o princípio em referência “faz parte da patologia da “principialização” que hoje se faz presente no ordenamento jurídico brasileiro da qual resulta a carência de efetividade de tantos desses ditos princípios jurídicos”. 104 Alega-se também, que por ser um conceito vago e impreciso, acaba por ser abrangido pelo princípio da legalidade.

ODETE MEDAUAR consigna que “o princípio da moralidade administrativa é de difícil expressão verbal. A doutrina busca apreendê-lo, ligando-o a termos e noções que propiciem seu entendimento e aplicação105”.

Ensinamento relevante é trazido pelo MAURICE HAURIOU, precursor do conceito da moralidade administrativa, citado pelo mestre administrativista, HELY LOPES MEIRELLES:

“a moralidade administrativa não se trata da moral comum, mas sim da moral jurídica, entendida como ‘o conjunto de

103

Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di Pietro. ob.cit. , p. 73.

104

Cf. ROCHA, Sergio André. ob. cit., p.64.

regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração’106”.

O referido autor, didaticamente, distingue a moral comum da administrativa:

“A moral comum é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve a finalidade de sua ação: o bem comum107”.

Em suma, a moralidade administrativa é aquela que exige do administrador um comportamento ético, honesto e justo. Refere-se à probidade do administrador.

Por vezes um ato pode ser legal, mas imoral. A moralidade confere legitimidade ao ato administrativo praticado.

O ordenamento jurídico pátrio prestigia a moralidade na administração, haja vista que o arcabouço normativo imputa sanções ao comportamento imoral do administrador.

Com efeito, os atos de improbidade administrativa previstos na Lei nº 8.429/92 atentam contra esse princípio.

106

Cf. MEIRELES, Hely Lopes, ob. cit., p.83

107

A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa, cuja punição pelo descumprimento, está prevista na própria Constituição (art. 37, § 4º)108.

A Constituição Federal também reza que o Presidente da República incorre em crime de responsabilidade, quando praticar ato que atente contra a probidade na administração. 109

Verifica-se ainda, que a moralidade administrativa foi incluída como objeto tutelável através da ação popular, ou seja, o cidadão foi instrumentalizado para pleitear a anulação de ato administrativo que fira a moralidade.110

Além da previsão constitucional, a Lei 9.784/99 encampou o princípio da moralidade no processo administrativo federal ao prescrever:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I - atuação conforme a lei e o Direito;

II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia

108

Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

(...) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

109

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...) V - a probidade na administração;

110

Nos termos do art. 5º da Constituição Federal a ação popular para a anulação de “ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural...”.

total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;

III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

SINÉSIO CYRINO DA COSTA FILHO aduz que o comportamento imoral do administrador não é necessariamente ilegal e explicita:

A moralidade não se confunde com a legalidade administrativa.

A norma ou a atividade pode estar perfeita do ponto de vista legal, mas moralmente imperfeita, caso não represente atitude ética e de boa-fé, não sendo útil a adoção desta norma ou atividade111”.

A imoralidade administrativa também pode ser relacionada à idéia de desvio de poder, caracterizado pela situação em que administração pública se utiliza de meios lícitos para atingir finalidade contrária ao interesse público.

Com esse entendimento a moralidade administrativa torna-se passível de controle judicial, pois se passa a entender que o desvio de poder é espécie de ilegalidade. No entanto, não se deve confundir o conceito de legalidade com moralidade, pois a própria Constituição Federal, no caput do art. 37, os arrolou como princípios autônomos. Ademais, em diversas passagens, como já exemplificado, há previsão de punição aos agentes públicos que praticarem atos com ofensa à moralidade administrativa.

111Op.cit., p.30.

A moralidade administrativa faz parte do direito, mas não está indissociável da legalidade. Sendo assim, não basta que o agente público haja nos estritos moldes da legalidade, sem que observe a moralidade na sua atuação, sob pena de ver declarada a nulidade de seus atos por ofensa ao princípio ético112.

Conclui brilhantemente acerca do princípio, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:

“(...) sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do Administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa113”.