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Princípios do Registro de Imóveis

20.12 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO E DA FÉ PÚBLICA

O princípio da presunção e da fé pública informa os efeitos do registro e na realidade consiste na junção de dois princípios. Segundo Afrânio de Carvalho, em sua obra Registro de imóveis (p. 167), “estes dois princípios têm cada qual seu significado próprio, mas foram amalgamados durante certo tempo no nosso país por uma corrente da doutrina que pretendeu dar ao primeiro, previsto na lei, a eficácia do segundo, omitido nela”.

O princípio da presunção consiste na eficácia atribuída pelo sistema aos direitos inscritos no registro de imóveis. O princípio da  presunção busca a segurança jurídica por meio da estabilidade dos direitos inscritos.

Assim, como já analisamos no capítulo que trata sobre os sistemas registrais, cada sistema atribui uma eficácia distinta aos seus registros, tendo o Brasil adotado a presunção relativa de veracidade, o que significa dizer que com a inscrição ocorre uma inversão do ônus da prova em relação a estes direitos, ou seja, os direitos inscritos são considerados válidos e eficazes, a não ser que se prove o contrário.

Esta presunção está prevista no § 2º do art. 1.245 do Código Civil, que assim dispõe: “Enquanto não se promover, por meio de ação  própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel”.

O mesmo preceito se repete em outras palavras no art. 252 da Lei n. 6.015/73, que dispõe: “O registro, enquanto não cancelado,  produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”.

A inscrição gera a presunção do direito; e o cancelamento, a presunção da inexistência do direito. Alguns autores chamam estas duas situações de presunção em sentido positivo e presunção em sentido negativo.

Se a presunção é vista pelo ângulo do registro, podemos dizer que a fé pública é vista pelo ângulo do registrador. Assim, a fé pública se refere às declarações feitas pelo registrador no tangente aos direitos inscritos, as quais são tidas como verdadeiras.

Assim, a fé pública visa transmitir à sociedade confiança sobre a verdade dos assentos feitos pelo registrador e sobre as informações  por este fornecidas. Quando falamos na verdade em relação aos assentos, não estamos tratando da análise do direito e sua possível invalidação, mas, sim, sob o ponto de vista do trabalho realizado pelo registrador. Ou seja, existe fé pública de que o registrador viu o título e realizou o assento de acordo com o s elementos nele constantes.

A fé pública é reconhecida aos notários e registradores dentro do exercício de suas funções na Lei n. 8.935/94 em seu art. 3º, que dispõe: “Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro”.

Desta forma, os direitos inscritíveis em nosso sistema gozam de uma presunção relativa de veracidade pelo fato de se encontrarem insertos no fólio real, e o oficial da serventia imobiliária goza de fé pública em relação aos atos que pratica no exercício das funções. 20.13 PRINCÍPIO DA CO NCENTRAÇÃO

O princípio da concentração está implícito na Lei n. 6.015/73 em virtude da instituição da matrícula. A ideia da matrícula foi concebida como sendo o cadastro do imóvel no qual devem se concentrar todos os direitos reais e atos a eles relativos que digam respeito ao imóvel cadastrado. Deste modo, pelo próprio conceito da matrícula, verifica-se a expressão do princípio da concentração.

Assim, segundo o princípio da concentração, todos os direitos reais incidentes sobre determinado imóvel devem estar reunidos na matrícula dele, não existindo possibilidade de outros direitos virem a afetá-los caso nela não se encontrem inscritos.

O princípio da concentração é um ideal que vem sendo buscado pela nossa doutrina, recebendo cada vez mais adeptos dentro da nossa urisprudência e sendo refletido cada vez mais em disposições legais que o assegurem, todavia não é ainda absoluto.

Como exemplo de nossa evolução jurisprudencial, consagrando a necessidade da inscrição e por consequência reforçando a concentração em nosso sistema, encontramos o registro da penhora.

Em relação a ela, verificamos que, malgrado o art. 169 da Lei n. 6.015/73, que dispõe que todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e serão efetuados no cartório da situação do imóvel, acrescido ao fato de que a penhora é um dos atos previstos no referido artigo, se analisarmos julgados antigos do STJ, encontraremos inúmeras decisões no sentido da desnecessidade do registro da penhora frente a sua publicidade processual.

Frente a isto, encontramos a Lei n. 8.953, de 13-12-1994, que foi a primeira lei que estabeleceu a necessidade de registro da  penhora como requisito de validade ou eficácia contra terceiros, sendo tal linha mantida por todas as legislações subsequentes que alteraram o tema no Código de Processo Civil.

Estas alterações legislativas desencadearam a Súmula 375 do STJ, de 18-3-2009, que reafirmou a necessidade do registro da  penhora, para que esta atinja os requisitos da publicidade imobiliária, ao afirmar que: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente”.

Devemos ressaltar, no que se refere à penhora, que a sua inscrição não constitui o direito, mas, sim, dá publicidade dele perante terceiros, sendo este um tipo de inscrição de publicidade declarativa, e não meramente enunciativa como defendido por alguns, pois a  publicidade registral produz efeitos concretos, de forma que, como podemos o bservar em vários julgados, bem como no texto da súmula, o registro serve para a decretação da fraude à execução, e não para que se leve o bem à praça. Neste sentido: “a ausência de registro da  penhora não interfere com a validade e a eficácia desse ato, podendo a execução prosseguir normalmente em direção à execução do  bem” (STJ, 2ª Seção, CComp 2.879-0-0, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo – cf.Código de Processo Civil comentado, de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria A. Nery, Revista dos Tribunais, 10. ed., p. 1042).

Outro exemplo que podemos citar da nossa evolução legislativa, no que se refere à reafirmação da necessidade da inscrição dos atos de competência do registro de imóveis, ora para sua constituição, ora para sua validade perante terceiros, aproximando-nos, assim, do  preconizado pelo princípio da concentração, diz respeito aos compromissos de venda e compra.

 No que se refere a estes, encontramos a Súmula n. 239 do STJ, de 28-6-2000, que preconiza: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.

Malgrado este entendimento, surgiu o Código Civil de 2002 (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002), que trouxe em seu art. 1.417 a seguinte disposição: “Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento  público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis , adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel” (grifo nosso).

Assim, se já não estivesse claro pelo art. 1.225, VII, do Código Civil, que elencou o direito do promitente comprador no rol dos direitos reais, reafirmou o citado art. 1.417 a condição de direito real dos referidos compromissos, ressaltando ainda a necessidade do registro dele para a constituição do direi to real.

Continua ainda o Código Civil em seu art. 1.418 dispondo que: “O promitente comprador, titular de direito real , pode exigir do  promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel” (grifo nosso).

Observa-se, então, pelo citado art. 1.418, que somente o titular do direito real, ou seja, o titular de compromisso de compra e venda no qual não se pactuou arrependimento e que foi registrado no registro de imóveis, tem direito a recorrer à utilização da adjudicação compulsória do imóvel, caso o promitente vendedor por qualquer motivo não outorgue a escritura definitiva depois de cumpridas as condições do contrato.

Este entendimento ainda não foi consolidado pelos nossos tribunais, de forma que podemos encontrar várias decisões ainda citando a referida súmula, mesmo hoje ela sendo frontalmente contrária à lei.

O processo de amadurecimento legislativo frente a nossa jurisprudência, todavia, por vezes é um processo lento, tanto que no caso das penhoras observa-se que entre a primeira lei específica, reconhecendo a necessidade do registro dela para validá-la perante terceiros, e a edição da súmula que consagrou seu reconhecimento, passaram-se nada menos do que 15 anos. Isto sem contar a regra geral do art. 169 da lei de registros públicos, que já previa sua inscrição e obrigatoriedade desde a alteração trazida pela Lei n. 6.216/75.

Apesar destes avanços aqui colacionados, encontramos também na legislação um lembrete claro de que o princípio da concentração ainda não é absoluto. Da mesma forma dá-se na Lei n. 7.433/85, que regulamenta a lavratura de escrituras públicas, e em seu decreto regulamentador (Decreto n. 93.240/86), que determinam a apresentação de certidões de feitos ajuizados em nome do alienante ou instituidor do direito real, consagrando a publicidade processual e deixando claro que ela pode vir a afetar o direito real, mesmo se não inscrita na matrícula do imóvel. Se este não fosse o intuito do legislador, não haveria por que ele exigir as referidas certidões, uma vez que já teria exigido a certidão negativa de ônus expedida pelo registro de imóveis.

É certo que os dispositivos legais supracitados são de uma outra época, em que não existia, por exemplo, a possibilidade de se realizar a chamada averbação premonitória, e que a tendência legislativa se dava no sentido da concentração. Todavia, não poderíamos deixar de trazê-los como exceção ao princípio ora em análise.

Mais recentemente, o governo federal editou a Medida Provisória n. 656, de 7 de outubro de 2014, convertida na Lei n. 13.097, de 19 de janeiro de 2015, a qual trouxe para a legislação pátria grandes avanços na efetiva adoção do princípio da concentração.

Por essa norma, em seus arts. 54 a 58, os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em quenão tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:

I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;

II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença,  procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil;

III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e

IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir se  proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 do Código de Processo Civil.

É extremamente interessante o parágrafo único do art. 54, que prevê que não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.

Observa-se, então, em relação ao princípio da concentração, que estamos caminhando para atingir a sua plenitude, na qual não deverão mais ser aceitas exceções baseadas na publicidade natural do ato, publicidade administrativa (como no tombamento) ou na  publicidade processual dele, o que garantirá uma enorme segurança jurídica às partes, que não precisarão mais se preocupar com a  possibilidade de serem surpreendidas com a oposição de direitos que não se encontravam na matrícula.

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