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PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NAS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS E

A ideia da proporcionalidade desenvolve-se, na Alemanha, por volta do século XIX, inicialmente voltado ao Direito Administrativo, sobretudo no âmbito das normas sobre o poder de polícia e seus limites, sendo que aquela só alcança a esfera constitucional quando atingiu o reconhecimento doutrinário e jurisprudencial com a vigência a Lei Fundamental da Alemanha em 1949 (Bahia, 2006, p. 76).

Por tal razão, Bonavides (apud BAHIA, 2006, p.76) declara que a proporcionalidade tem aplicação clássica e tradicional no campo do Direito Administrativo, mas a grande novidade vem sendo a sua aplicação no campo do Direito Constitucional, conforme se verifica:

Trata-se daquilo que há de mais novo, abrangente e relevante em toda a teoria do constitucionalismo contemporâneo; princípio cuja vocação move, sobretudo, no sentido de compatibilizar a consideração das realidades não captadas pelo formalismo jurídico, ou por este marginalizadas, com as necessidades atualizadoras de um direito constitucional projetado sobre a vida concreta e dotada da mais larga esfera possível de incidência – fora, portanto, das regiões teóricas puramente formais e abstratas.

O princípio da proporcionalidade, também denominado de princípio da razoabilidade, foi consagrado na Emenda Constitucional n° 45.

Sobre supracitado princípio, declara Barroso (2009, p.304-305):

Trata-se de um valioso instrumento de proteção dos direitos fundamentais e do interesse público, por permitir o controle da discricionaridade dos atos do Poder Público e por funcionar como a medida com que uma norma deve ser interpretada

no caso concreto para melhor realização do fim constitucional nela embutido ou decorrente do sistema.

Continua:

O princípio pode operar, também, no sentido de permitir que o juiz gradue o peso da norma, em determinada incidência, de modo a não permitir que ela produza um resultado indesejado pelo sistema, fazendo assim a justiça do caso concreto (BARROSO, 2009, p.305).

Procurando-se nos dicionaristas brasileiros as acepções do termo RAZOABILIDADE, vê-se que Bueno (1996, p. 553) admite cinco significados, sendo eles: ―a) conformidade razão, racionável; b) moderado, comedido – como um preço razoável; d) justo, legítimo – uma queixa razoável; e e) ponderado, sensato‖.

Moreira declara (2002, p.65):

Razão é a capacidade de coordenação hierárquica de todos os conhecimentos, em vista de princípios ou de valores. Decorrente dos princípios da finalidade, da legalidade e do devido processo legal substantivo, a razoabilidade ou proporcionalidade exige do agente público que, ao realizar atos discricionários, utilize prudência, sensatez e bom senso, evitando condutas absurdas, bizarras e incoerentes. Assim, o administrador tem apenas liberdade para escolher entre opções razoáveis. Atos absurdos são absolutamente nulos.

Derani (apud BAHIA, 2006, p. 76)expõe que ―a proporcionalidade é um princípio orientador, que não apresenta conteúdo próprio e que serve como instrumento na busca do justo, aplicando-se nas ações concretas, quando se deve optar pela prevalência de alguns princípios em detrimento de outros‖.

Conclui Silva (2000, p. 24):

[...] se entende, no entanto, que a regra da proporcionalidade decorre logicamente do fato de os direitos fundamentais, em sua maioria, serem princípios, e não regras, não há como tentar afastar a aplicação da regra da proporcionalidade [...] uma regra de interpretação e aplicação do direito [...], empregada especialmente nos, em que um ato estatal, destinado a promover a realização de um direito fundamental ou de um interesse coletivo implica a restrição do outro ou de outros direitos fundamentais. O objetivo da aplicação da regra da proporcionalidade, como o próprio nome indica é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais. È, para usar uma expressão consagrada, uma restrição às restrições.

A regra da proporcionalidade apresenta, então, como função hermenêutica, a tarefa de hierarquizar, em situações concretas de conflito, todos os demais princípios a serem aplicados, fornecendo assim, a unidade e consistência desejadas (BAHIA, 2006, p. 78).

Por todo exposto, conclui-se que a relevância da proporcionalidade está em dar destaque ao problema, sem desprezar a importância normativa da Constituição partir do

levantamento de diversos argumentos presentes no caso concreto que irão contribuir para a fundamentação adequada para cada caso.

No atual Estado Democrático de Direito, torna-se perceptível o posicionamento dos julgadores quando existe um conflito entre direitos fundamentais, no que tange a proteção à fauna versus direito a manifestações culturais, no sentido de optar pela vedação da prática pungente aos animais ao invés de persistir numa cultura regrada à crueldade.

São exemplos as decisões prolatadas pelo STF nos casos de farra do boi e nas rinhas de galo:

EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 7.380/98, do Estado do Rio Grande do Norte. Atividades esportivas com aves das raças combatentes. ‘Rinhas’ ou ‘Brigas de galo’. Regulamentação. Inadmissibilidade. Meio Ambiente. Animais. Submissão a tratamento cruel. Ofensa ao art. 225, § 1º, VII, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei estadual que autorize e regulamente, sob título de práticas ou atividades esportivas com aves de raças ditas combatentes, as chamadas ‘rinhas’ ou ‘brigas de galo’ (grifo nosso) (BRASIL, STF).

Acerca da Farra do Boi apresenta-se:

COSTUME - MANIFESTAÇÃO CULTURAL - ESTÍMULO - RAZOABILIDADE - PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ‗farra do boi‘(BRASIL, STF).

Mediante julgados expostos, é possível concluir que o discurso constitucional apresenta o direito de todo o ser humano expressar livremente a sua cultura e suas tradições. Todavia, existe o limite imposto pela necessidade de intervenção do Estado quando a liberdade extrapolar o sentido constitucional da proteção de outros valores, neste caso a proteção à fauna, com fulcro no art. 225, caput e parágrafo 1° da Lei Magna, com base no princípio da proporcionalidade.

4 COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A identificação e o equacionamento das colisões de normas constitucionais são relativamente recentes no Direito contemporâneo.

Para Barroso (2009, p.329):

A complexidade e o pluralismo das sociedades modernas levaram ao abrigo da Constituição valores, interesses e direitos variados, que eventualmente entram em choque entre normas infraconstitucionais não são próprios para esse tipo de situação, uma vez que tais antinomias não se colocam quer no plano da validade, quer no da vigência das proposições normativas. O entrechoque de normas constitucionais é de três tipos: a) colisão entre princípios constitucionais; b) colisão entre direitos fundamentais; c) colisão entre direitos fundamentais e outros valores e interesses constitucionais.

Ressalta-se que neste trabalho irá ser foco de estudo apenas o conflito entre direitos fundamentais.

Neste sentindo, continua Barroso (2009, p. 329): ―[...] direitos que convivem em harmonia no seu relato abstrato podem produzir antinomias no seu exercício concreto‖.

O discurso constitucional apresenta o direito de todo o ser humano expressar livremente a sua cultura e suas tradições. Todavia, há o limite imposto pela necessidade de intervenção do Estado quando a liberdade extrapolar o sentido constitucional da proteção de outros valores. Tanto a utilização de animais em espetáculos circenses, quanto a farra do boi, as rinhas ou brigas de galo, os rodeios ou vaquejadas, entendidas como manifestações culturais abrigadas pelo artigo 225, caput e parágrafo 1º da CF/88, confrontam-se com a proibição de tratamento cruel contra os animais (artigo 225, parágrafo 1º, VII, da CF/88).

No presente trabalho irá ser exposta a realidade da vida dos animais silvestres e exóticos utilizados em circos com o intuito de expor as condições a que estes seres são submetidos, sem olvidar da crueldade propositalmente ocultada pelos donos de grandes circos que, para mascarar seu lucro, utilizam a justificativa de ser o circo essencial à mantença da cultura brasileira.

Tal percepção torna-se evidente mediante as inúmeras leis já existentes, tanto na esfera municipal, quanto estadual, que coíbem ou ao menos disciplinam sobre a utilização de animais em espetáculos circenses, bem como os projetos de cunho federal que tramitam junto à Câmara dos Deputados no mesmo sentindo, qual seja extirpar/abolir o uso de animais em circo.