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Princípio de incerteza

PARTE II – INDETERMINISMO

Capítulo 7: Indeterminismo Epistemológico

2. Indeterminismo epistemológico e previsibilidade

2.1. Indeterminismo e conhecimento do sistema

2.1.2. Princípio de incerteza

O primeiro aspecto do princípio de incerteza diz respeito à medida simultânea de posição e movimento (EISBERG; RESNICK, 1974/1979, p. 99). O princípio impõe restrições à precisão com que podemos especificar, simultaneamente, o valor de determinadas grandezas: uma mesma situação experimental não pode estabelecer, ao mesmo tempo, o valor exato de um componente de movimento de uma partícula, e também o valor exato de uma coordenada correspondente. O mesmo vale para a radiação. Na esteira de de Broglie, se admitirmos que o pacote de onda pode se comportar como uma partícula, então, se conhecermos, por exemplo, a “posição” de um pacote de onda com razoável precisão, não poderemos especificar, com igual precisão, a sua quantidade de movimento determinada pelo

seu comprimento de onda6. Até aqui, nada de novo. Não obstante, o princípio de incerteza assinala que essa impossibilidade não é provisória, isto é, não depende do aperfeiçoamento dos aparatos de medida para determinar com melhor precisão a simultaneidade da posição e velocidade de uma partícula. A questão é que o próprio processo de medição contribui para essa impossibilidade.

Consideremos a medição de uma partícula como o elétron. Para tanto, empregaremos um microscópio para “ver” o elétron. Para ver o elétron, contudo, é preciso iluminá-lo. Já neste momento, mesmo antes do cálculo, surge o princípio de incerteza. Só o ato de observar o elétron o perturba, fazendo-o recuar de maneira indeterminada7. Agora, se não iluminarmos o elétron, não seremos capazes de detectá-lo. “Portanto, o princípio de incerteza diz respeito ao processo de medida em si, e expressa o fato que existe sempre uma interação não determinável entre o observador e o que é observado; não podemos fazer nada para evitar a interação ou para corrigir seus efeitos” (EISBERG; RESNICK, 1974/1979, p. 100). Devido a essa interação inescapável entre o observador e o que é observado, e a inevitável perturbação provocada por essa interação, as condições de mensuração passaram a ser incorporadas no próprio fenômeno descrito pela teoria quântica:

Nossa descrição usual dos fenômenos físicos se baseia por inteiro na idéia de que os fenômenos podem ser observados sem perturbá-los de forma apreciável... agora, o postulado quântico implica que toda observação dos fenômenos atômicos leva junto uma interação com o aparato de observação que não pode ser desprezada. Por conseguinte não se pode considerar como realidade independente, no sentido físico ordinário, nem os fenômenos nem os agentes de observação (BOHR, citado por FREIRE JÚNIOR, 1999, p. 23).

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Diferente de uma partícula, uma onda não tem posição. Entretanto, se combinarmos ondas de freqüências bastante diferentes, o resultado é o que se chama de pacote de ondas. Trata-se de uma perturbação que se desloca, e quando comparada a uma onda pura, o pacote parece ser razoavelmente localizado assumindo uma “posição” como se fosse uma partícula. Agora, aqueles pacotes de onda que são o resultado de combinações de ondas de freqüências bastante diferentes são mais “localizados” do que aqueles que combinam ondas de freqüências mais semelhantes. Não obstante, não podemos especificar com precisão o comprimento de onda desses pacotes bem localizados, já que sua freqüência não é bem definida em decorrência da “mistura” de ondas de diferentes freqüências. Assim, para pacotes bem localizados não podemos especificar com precisão seu comprimento de onda. Por outro lado, para aqueles pacotes que são compostos por ondas de freqüências similares, é possível determinar, com razoável precisão, o seu comprimento de onda e, no espírito de de Broglie, o seu movimento, embora não possamos determinar, igualmente, sua “posição”. Como se vê, o princípio de incerteza aplica-se tanto a matéria quanto à radiação (SILVER, 1998/2003, p. 573).

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Em termos mais específicos, poderíamos dizer o seguinte: para determinar a posição de um elétron é preciso que ele interaja com algum instrumento de medida. Lançamos sobre ele uma radiação. Quanto menor o comprimento de onda (freqüência maior), mais precisão teremos para especificar a posição do elétron. Porém, quanto menor for o comprimento de onda, maior será a energia cedida pela radiação (na forma de onda ou fóton) e o elétron sofre um recuo, quanto maior for essa energia. Esse recuo alterará a velocidade do elétron promovendo uma alteração no sistema de modo a impossibilitar previsões precisas.

O segundo aspecto do princípio de indeterminação mostra a impossibilidade de se fazer predições precisas sobre o futuro de um sistema. Ora, se não podemos especificar a posição e a velocidade de uma dada partícula simultaneamente, não podemos especificar as condições iniciais do movimento de forma precisa. Por essa razão, só poderemos calcular a probabilidade de encontrar um elétron em certo lugar em um instante posterior. Com efeito, o princípio de incerteza mostra que os sistemas quânticos só podem ser expressos em termos de probabilidades. Eisberg e Resnick (1974/1979) resumem o quadro:

Na mecânica clássica, se soubermos exatamente a posição e o momento de cada partícula de um sistema isolado num dado instante, podemos prever o comportamento exato das partículas do sistema em qualquer instante posterior. Na mecânica quântica, entretanto, o princípio de incerteza mostra que isso é impossível para sistemas que envolvam pequenas distâncias e momentos, pois é impossível saber, com a precisão necessária, as posições e os momentos instantâneos das partículas. Em conseqüência, poderemos apenas fazer previsões sobre o comportamento provável dessas partículas (p. 113).

Tendo em vista essas características, podemos dizer que o princípio de incerteza apresenta estreitas relações com o princípio de complementaridade. Na verdade, para Bohr, a impossibilidade de descrições simultâneas em termos de espaço-tempo e momento é expressa nas relações de indeterminação, que evidenciam a restrição à precisão da medida das condições iniciais, e a conseqüente impossibilidade de predições precisas do comportamento do sistema. Desse modo, o princípio de indeterminação pode ser entendido como uma conseqüência do princípio de complementaridade, representando um limite à aplicabilidade de grandezas físicas no domínio quântico (FREIRE JÚNIOR, 1999).

2.2. Princípios de complementaridade e incerteza e suas relações com o