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O Princípio do Não-Confisco e o IRPF

No documento ANA PAULA SCHINCARIOL LUI (páginas 68-73)

Conforme demonstrado anteriormente, o princípio da capacidade contributiva será respeitado à medida que as alíquotas utilizadas para a apuração do quantum devido forem sendo progressivas com relação ao aumento das bases de cálculo.

Ainda, com relação ao IRPF, mencionou-se que a existência de apenas três alíquotas para apuração do imposto devido não atende ao princípio da capacidade contributiva uma vez que, a partir de um determinado valor de base de cálculo (conforme será demonstrado no item 3.10.2) o imposto a ser pago pelos contribuintes será proporcionalmente igual.

Em razão disso, afirmou-se que as alíquotas deveriam continuar crescendo, conforme fossem aumentando as bases de cálculo do IRPF, para que os contribuintes que obtivessem maior acréscimo patrimonial, em um determinado período, suportassem uma carga tributária mais elevada.

Porém, é necessário mencionar que essa progressividade de alíquotas – que faz valer o princípio da capacidade contributiva – encontra seu limite máximo quando o patrimônio do contribuinte é atingido e o imposto passa a ter efeito confiscatório.

Essa foi a conclusão de Regina Helena Costa (1993, p. 103): “A progressividade está limitada pelo princípio da capacidade contributiva, visando à não-confiscatoriedade e ao não- cerceamento de outros direitos constitucionais.”

Ainda, Estevão Horvarth (2000, p. 97) é claro ao afirmar que o princípio do não- confisco e o da capacidade contributiva podem, até mesmo, ser considerados como princípios superpostos: “Os dois princípios em epígrafe possuem estreita relação entre si. Em nosso sentir, é como se um não existisse sem o outro e vice-versa, podendo até mesmo ser considerados como superpostos.”

Efetivamente, a partir do momento em que as alíquotas para o cálculo do IRPF, estipuladas pelo legislador, passam a ser demasiadamente elevadas, de modo que o contribuinte precise se desfazer de parte de seus bens para quitar o imposto, estará havendo um confisco, proibido pelo texto constitucional.

Porém, será difícil definir a partir de qual alíquota o IRPF passará a ser confiscatório. Isso dependerá da análise da capacidade contributiva de cada contribuinte que irá variar conforme o caso concreto. Assim, muitas vezes o valor do IRPF poderá ser confiscatório para um contribuinte e para outro não (razão pela qual, conforme já mencionado, a capacidade contributiva subjetiva deverá ser sempre levada em conta, na apuração do IRPF também).

José Eduardo Soares de Melo (1997, p. 34) nos transmite:

Todavia, é difícil estipular o volume máximo da carga tributária, ou fixar um limite de intromissão patrimonial, enfim, o montante que pode ser suportado pelo contribuinte. O poder público há de se comportar pelo critério da razoabilidade, a fim de possibilitar a subsistência ou sobrevivência das pessoas físicas […].

Além da proibição expressa, contida no inciso IV do artigo 150 do texto constitucional53, que impede que o IRPF seja utilizado com efeito confiscatório, a Carta Magna também veda, indiretamente, o tributo confiscatório ao garantir o direito à propriedade.54

Assim sendo, as alíquotas aplicáveis ao IRPF devem, sim, ser progressivas, ou seja, devem aumentar à medida que a base de cálculo também aumenta, em respeito ao princípio da capacidade contributiva, porém essa progressividade deverá ser limitada pelo princípio do não-confisco.

Ensina-nos Estevão Horvarth (2000, p. 198) sobre quais alíquotas seriam confiscatórias e o que mais deve ser levado em consideração para se definir determinado tributo como confiscatório. Começa o autor fazendo a seguinte pergunta:

Uma alíquota de 40% sobre a renda líquida de uma pessoa física seria confiscatória? Evidentemente, dentre outros fatores, haverá de levar-se em consideração para tal apreciação o que é renda líquida, a magnitude de tributação sobre o patrimônio que recai sobre a pessoa, a cultura do país em que se encontre essa pessoa, o nível social, econômico e cultural de seus representantes etc. Por que, por exemplo, na Suécia, onde se tem notícia de que já se tributou por meio do imposto sobre a renda com alíquota de 80%, esta tributação não foi jamais considerada – ao que se saiba – confiscatória, enquanto que o mesmo ocorrendo em países como o Brasil, seria, fatalmente reputado como sendo? A toda evidência, isso somente pode dever-se ao fato de que naquele primeiro país, o povo percebe, desde o momento em que desperta, o que é feito com o seu dinheiro, o que não acontece infelizmente, em nosso país. De qualquer forma revela-se aí que o aspecto cultural do povo deve obrigatoriamente ser tomado em conta quando se pretenda averiguar acerca da confiscatoriedade ou não de um tributo.

53 “Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios: […] IV – utilizar tributo com efeito de confisco.”

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Efetivamente, no Brasil, além do confronto entre as entradas e saídas, num determinado espaço de tempo, para apurar-se a base tributável do IRPF e, conseqüentemente a alíquota aplicável, é necessário considerar-se que o contribuinte, muitas vezes, acaba por financiar tarefas que deveriam ser, obrigatoriamente, realizadas pelo Estado.

Ou seja, o contribuinte paga duas vezes: uma pelo serviço prestado, diretamente ao seu prestador (por exemplo ao professor, ao médico, ao segurança particular); outra ao Estado, ao recolher o imposto, para, supostamente, prestar o mesmo serviço.

Assim, em razão disso, as despesas incorridas com educação, saúde, lazer, moradia, segurança entre outras, deveriam ser deduzidas integralmente dos rendimentos tributáveis para se apurar a real base de cálculo do IRPF. Isso porque, caso contrário, não adianta aumentar as alíquotas de forma progressiva, pois, certamente, o tributo passará a ser confiscatório na medida em que se estará tributando valores que, necessariamente, foram despendidos pelo contribuinte e que não representam, para ele, um acréscimo patrimonial.

Nesse sentido, é o ensinamento de Hugo de Brito Machado (1994, p. 95):

Situação semelhante também pode ocorrer com a pessoa física. Considerando-se que as deduções e os abatimentos, admitidos pela legislação, situam-se abaixo das despesas realmente efetuadas, tem-se que o imposto termina por incidir sobre significativa parcela de renda consumida. Assim, e tendo esse imposto alíquotas elevadas, é indiscutível que ele atinge o patrimônio, em sua essência, consubstanciando, assim, um verdadeiro confisco.

Novamente, ensina-nos Estevão Horvarth (2000, p. 98): “[…] Ocorre o confisco quando se supõe existente uma riqueza que, na realidade, não existe.”

Portanto, quer seja tributando de forma excessiva o acréscimo patrimonial auferido pelo contribuinte, em razão da aplicação de alíquotas elevadas (que o levará a dispor de praticamente todo o seu ganho), quer seja tributando um acréscimo patrimonial inexistente, em razão de não se considerarem as despesas incorridas pelo contribuinte para a sua manutenção e de sua família (tributando-se, por conseqüência, o patrimônio dessa pessoa), o tributo terá efeito confiscatório.

A análise das alíquotas e das bases de cálculo do IRPF, apuradas de acordo com a sistemática a seguir analisada, demonstrará, claramente, quais são as hipóteses de confisco em razão da tributação por meio desse imposto.

3 Da Sistemática de Apuração e Recolhimento do IRPF

Delimitado o conceito constitucional de “renda e proventos de qualquer natureza” e analisados os princípios constitucionais que devem ser observados quando da instituição, apuração e cobrança do IRPF, passa-se agora a analisar a sistemática de apuração desse tributo e se essa sistemática está, ou não, de acordo com o que foi até aqui estudado.

Em linhas gerais, a sistemática de apuração do IRPF é composta por quatro modalidades: 55

a) Imposto de Renda Retido na Fonte–Antecipação: essa sistemática de apuração e recolhimento do imposto em questão está basicamente relacionada (i) aos pagamentos efetuados pela pessoa jurídica ou pessoa física, em razão do trabalho assalariado, à pessoa física, ou (ii) a outros pagamentos efetuados pela pessoa jurídica à pessoa física, não decorrentes do trabalho assalariado, mensalmente, durante o ano- calendário.

Nesses casos, a fonte pagadora (pessoa jurídica ou física) deverá efetuar o cálculo, a retenção e o recolhimento do IRPF devido pela pessoa física, aplicando-se a tabela “progressiva” mensal. Posteriormente, quando do complemento anual obrigatório (CAO), esses valores recebidos serão informados juntamente com os demais valores recebidos pela pessoa física, durante o ano, a fim de se deduzirem as despesas permitidas e se apurar a real base de cálculo (acréscimo patrimonial) do IRPF. O imposto retido e recolhido será descontado do imposto apurado na Declaração de Ajuste. Essa sistemática amolda-se, integralmente, ao mencionado conceito constitucional de “renda e proventos de qualquer natureza”.

b) Recolhimento Mensal Obrigatório – RMO (“carnê-leão”): essa sistemática de apuração e recolhimento do imposto de renda irá ocorrer quando a pessoa física receber rendimentos tributáveis de outra pessoa física ou do exterior, durante o ano- calendário.

55 As nomenclaturas referentes às modalidades da sistemática de apuração e recolhimento do IRPF são utilizadas

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Nessas situações, a própria pessoa física apura o valor do IRPF devido, aplicando a tabela “progressiva” mensal sobre o rendimento auferido e recolhe o tributo sempre no mês seguinte ao recebimento. Da mesma forma que na sistemática de Antecipação, os valores recebidos serão informados na CAO para que sejam acrescidos aos demais valores recebidos pela pessoa física, durante o ano, e deduzidas as despesas a fim de se apurar a efetiva base de cálculo do IRPF. Os valores do imposto recolhido também serão descontados do imposto apurado na CAO. De igual maneira, essa sistemática é considerada constitucional.

c) Tributação Exclusiva na Fonte ou Tributação Definitiva pelo Contribuinte: essas sistemáticas de apuração do IRPF consistem no recolhimento, de forma exclusiva, do imposto pela fonte pagadora (nos casos, por exemplo, do décimo terceiro salário, das aplicações financeiras) ou de forma definitiva pelo próprio contribuinte (nos casos, por exemplo, do ganho de capital na alienação de bens ou direitos).

Os valores recebidos nesses casos não serão acrescidos, no cálculo anual obrigatório, aos demais rendimentos auferidos durante o ano, nem tão pouco os valores dos impostos recolhidos serão abatidos do valor do imposto então apurado (em razão disso já se mencionou que essa sistemática de apuração fere o princípio da capacidade contributiva e da universalidade, podendo, portanto, ser considerada desde já inconstitucional).

d) Complemento Anual Obrigatório (CAO): essa sistemática de apuração e recolhimento nada mais é do que a Declaração Anual de Ajuste do IRPF apresentada, normalmente, entre os meses de março e abril do ano seguinte àquele em que o contribuinte auferiu os rendimentos e na qual serão somados os rendimentos recebidos de pessoa jurídica ou física (que já sofreram a retenção antecipada na fonte) e os rendimentos recebidos de pessoa física e do exterior (os quais já foram tributados pelo cálculo mensal obrigatório), aplicadas as deduções legalmente permitidas e, posteriormente, a tabela “progressiva” anual para se realizar o “ajuste” do imposto até então recolhido sobre os rendimentos auferidos (se foi recolhido imposto a menor, o contribuinte irá recolher a diferença se foi recolhido imposto a maior, o contribuinte receberá a restituição).

Nesse momento, de forma separada dos demais rendimentos, também serão informados os valores (já líquidos) recebidos durante o ano, que foram tributados de forma exclusiva ou definitiva, a fim de se justificar o acréscimo patrimonial auferido durante o ano.

As formas de apuração do IRPF–Antecipação, RMO e Retenção Exclusiva na Fonte ou Tributação Definitiva, podem coexistir, durante o ano, na apuração do imposto por um mesmo contribuinte e deverão ser informadas na CAO. Por exemplo, conforme será abordado posteriormente (itens 3.3, 3.6, 3.8 e 3.9), basta que esse contribuinte aufira rendimentos de pessoa jurídica, em razão de vínculo de emprego, que deverão ser tributados na fonte (Antecipação) e também aufira rendimentos de outra pessoa física, em razão de ser locador de um imóvel residencial, que deverão ser tributados pela sistemática do RMO. Ainda, como houve rendimentos de trabalho assalariado haverá, necessariamente, o pagamento do décimo terceiro salário sujeito à tributação Exclusiva na Fonte. Também, caso tenha ocorrido a venda de um bem imóvel, o ganho estará sujeito à tributação Definitiva.

Toda essa sistemática será detalhadamente estudada a seguir, com a análise, inclusive, da tributação definitiva na fonte e de forma exclusiva de determinados rendimentos auferidos pela pessoa física que, como já mencionado, não entram no cômputo do ajuste anual, mas, necessariamente, devem ser informados na CAO para justificar a variação patrimonial do contribuinte. Antes, porém, faz-se necessária uma breve análise da evolução histórica do IRPF no mundo e no Brasil.

No documento ANA PAULA SCHINCARIOL LUI (páginas 68-73)