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Princípios da Progressividade, da Generalidade e da Universalidade e o IRPF

No documento ANA PAULA SCHINCARIOL LUI (páginas 61-68)

Definido o princípio da capacidade contributiva – talvez um dos princípios de maior abrangência na proteção dos direitos dos contribuintes – passam-se a analisar três outros princípios que estão diretamente ligados ao seu conteúdo e, também por disposição constitucional, são aplicáveis quando da instituição e apuração do IRPF.

O princípio da progressividade, conforme brevemente mencionado, deve ser necessariamente observado para que se cumpra a finalidade do princípio da capacidade

48 “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: […] III – renda e proventos de qualquer natureza; […] §

2º - O imposto previsto no inciso III: I – será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei […]”

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contributiva. De fato, somente se as alíquotas aplicáveis forem progressivas, ou seja, se aumentarem à medida que se alargar a base de cálculo, é que se estará tributando de forma mais onerosa os contribuintes que apresentarem maior riqueza. Caso contrário, mantendo-se as alíquotas fixas, os diferentes contribuintes pagarão proporcionalmente o mesmo montante de imposto, afrontando o princípio da igualdade e, conseqüentemente, o princípio da capacidade contributiva.

Portanto, o legislador infraconstitucional, ao criar in abstrato o imposto, deverá utilizar-se de alíquotas (a estipulação das alíquotas, como já mencionado, para complementar o critério quantitativo da hipótese de incidência, é feita com certa liberdade pelo legislador, desde que respeitados os demais princípios constitucionais) que variem para mais conforme forem aumentando as bases de cálculo.

De fato, para se fazer valer o princípio da capacidade contributiva, necessário é que as alíquotas aplicáveis sejam, portanto, progressivas. Por outro lado, a aplicação dessas alíquotas será orientada pelo princípio da capacidade contributiva.

Assim, as alíquotas deverão aumentar, conforme aumentar a base de cálculo, até que o tributo não passe a ter efeito confiscatório e diminuir, conforme reduzir a base de cálculo, até que não se atinja o mínimo vital. Nota-se, assim, que a progressividade é inerente ao princípio da capacidade de contributiva e vice-versa.

A sistemática atual de apuração do IRPF (que será analisada adiante) prevê a aplicação três alíquotas diferentes – 0%, 15 % e 27,5%49 – à medida que a base de cálculo aumenta.

Porém, apesar de o legislador infraconstitucional ter tentado se adaptar ao texto constitucional, a aplicação de apenas três alíquotas é ainda muito pouco para abranger a diversidade dos rendimentos auferidos pelas pessoas físicas. É nesse sentido o pensamento de Roque Antonio Carrazza (2005, p. 89):

Já é uma tentativa, embora tíbia, de imprimir ao IRPF caráter pessoal, graduando-o de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Escrevemos “tíbia” porque três alíquotas é, segundo estamos convencidos, de fato muito pouco para abarcar todo o universo de rendimentos mensais que as pessoas físicas podem auferir.

A existência de somente duas alíquotas para a incidência do imposto não consegue atender à progressividade, à pessoalidade e à finalidade de fazer incidir maior carga tributária sobre os que ganham mais, o que ofende o princípio da capacidade contributiva, à medida que aqueles que têm mais se submetem à mesma alíquota a partir de um valor de rendimentos […]

Ainda para que seja efetivamente cumprido o disposto no texto constitucional com relação à progressividade, é necessário que o legislador infraconstitucional, ao criar o tributo, considere possível deduzir dos rendimentos auferidos os valores despendidos pelo contribuinte para a sua subsistência (conforme já havia sido mencionado quando da análise do princípio da capacidade contributiva e a não tributação do mínimo vital).

Por sua vez, o princípio da generalidade que também decorre diretamente do princípio da igualdade e, por conseqüência, do princípio da capacidade contributiva, impõe que todas as pessoas que realizarem o fato jurídico tributário50 devam ser tributadas pelo imposto respectivo.

Assim, em estrita observância ao princípio da igualdade, se todos são iguais perante a lei, todos devem ser tributados, ou seja, todos os contribuintes, sem distinção de nacionalidade, sexo, idade, estado civil ou profissão, que vierem a praticar o fato descrito no critério material da hipótese de incidência, serão considerados sujeitos passivos da obrigação tributária. (OLIVEIRA, 1988, p. 13 apud COSTA, 1993, p. 39). Conclui Roque Antonio Carrazza (2005, p. 62) sobre esse princípio: “Noutros falares, este critério veda discriminações e privilégios entre os contribuintes.”

Em perfeita sintonia com o disposto no princípio da generalidade, o CTN veio dispor que a capacidade tributária passiva independe51: (i) da capacidade civil das pessoas naturais; (ii) de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus

49 Para os valores recebidos até R$ 1.313,69 há a isenção do IRPF, ou aplicação da alíquota 0%. Entre R$

1.313,70 e R$ 2.625,12 a alíquota aplicável é de 15% e, acima de R$ 2.625,13 a alíquota é de 27,5% (conforme Medida Provisória n.º 340/2006).

50 Destaque-se a possibilidade de a lei instituidora do tributo atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo

crédito tributário ao sujeito passivo que não tenha relação pessoal e direta com o fato e à terceira pesssoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação tributária, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação (art. 121, II e art. 128 do CTN).

51 “Art. 126. A capacidade tributária passiva independe: I - da capacidade civil das pessoas naturais; II - de

achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios; III - de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional.”

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bens ou negócios; e (iii) de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional.

Luís Cesar Souza de Queiroz, com relação a esse princípio, diz:

Princípio Constitucional da Generalidade […] o qual exige que, ao se produzir norma complementar de produção normativa relativa ao IR ou a norma do IR, sejam determinadas ou incluídas, respectivamente, como critério pessoal do antecedente e como critério pessoal passivo do conseqüente (contribuinte) todas as pessoas que auferirem “renda e proventos de qualquer natureza”, independentemente das características pessoais (sexo, estado civil, raçã, espécie de ocupação profissional ou função exercida, origem etc). (QUEIROZ, 2003, p. 329).

Portanto, realizado o fato descrito na hipótese da regra-matriz, ainda que por pessoa civilmente incapaz (conforme será analisado no item 3.2), a obrigação tributária nascerá para essa pessoa (mesmo que outra venha a ser considerada responsável tributária), assim como para qualquer outra que vier a praticar o mesmo fato jurídico.

O outro princípio aplicável ao IRPF é o da universalidade, também decorrente do princípio da capacidade contributiva. Em razão desse princípio, o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza deverá alcançar todos os ganhos ou acréscimos de patrimônio, de quaisquer gêneros, ainda que obtidos pela pessoa física no exterior.

O jurista Ricardo Mariz de Oliveira (1998, p. 215) assim se manifestou sobre o princípio da universalidade: “O princípio da universalidade exige que se tribute todo o aumento patrimonial ocorrido no período previsto em lei, por inteiro e em conjunto, sem fracioná-lo e novamente sem distinguir as espécies de renda e proventos.”

Esse princípio impede, portanto, que apenas uma parte dos rendimentos auferidos pelo contribuinte, em determinada época, seja levada à tributação de forma isolada. Efetivamente, para fins de tributação pelo IRPF é preciso apurar o acréscimo patrimonial, em um intervalo de tempo, considerando-se todos os ganhos e todas as despesas incorridas pelo contribuinte.

De fato, se for considerado e tributado, isoladamente, um ganho auferido pelo contribuinte no início do ano, é possível que até o final do exercício esse ganho tenha sido consumido por uma despesa efetiva (com médicos e hospitais, por exemplo) e que não exista o acréscimo patrimonial – base de cálculo para o IRPF.

É por esse motivo que, conforme será analisado adiante, o IRPF retido pela fonte pagadora de forma exclusiva ou pago pelo contribuinte de forma definitiva, é entendido como um tributo inconstitucional.

Veja-se a opinião de Roque Antonio Carrazza (2005, p. 64, 41):

Inconstitucional, a nosso sentir, o sistema de fonte definitivo, em que o recolhimento do IR faz-se de uma única vez, sem a possibilidade de posteriores compensações com prejuízos, despesas necessárias, deduções legalmente autorizadas etc.[…] Em rigor, tributar a renda exclusivamente na fonte é o mesmo que tributar meros ingressos.

Não é diferente o pensamento de Luís Cesar Souza Queiroz (2003, p. 347, grifo do autor):

A tributação por meio do IR, definitiva e em separado de certas “espécies de renda e proventos”, em verdade, importa a tributação de rendimento, não de “renda e proventos de qualquer natureza”, pois são considerados somente os fatos- acréscimos, desprezando (excluindo) aqueles fatos-decréscimos que necessariamente (por força da Constituição da República) informam o conceito constitucional “renda e proventos de qualquer natureza”.

Efetivamente, a fonte pagadora, ao reter o IRPF e repassar aos cofres públicos, de forma exclusiva, está tributando, de forma isolada, um valor recebido pelo contribuinte em um determinado momento. Ou seja, é uma tributação que incide sobre uma parcela dos rendimentos obtidos pelo contribuinte sem levar em conta a existência de um efetivo acréscimo patrimonial ao final do período.

Conforme definição anterior de “rendas e proventos de qualquer natureza”, o acréscimo patrimonial deverá ser auferido dentro de um determinado intervalo de tempo – normalmente um ano – não sendo possível incidir o IRPF sobre valores auferidos em um momento único.

O procedimento correto, que atende à definição constitucional de “renda e proventos de qualquer natureza”, consiste no recolhimento antecipado do IRPF e posterior lançamento do rendimento na declaração de ajuste anual a fim de que, somado aos demais rendimentos recebidos pela pessoa física e descontados os valores antecipados e as despesas necessárias, seja apurado o efetivo acréscimo patrimonial havido durante o ano.

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Assim, levando-se em conta o princípio da universalidade, a base de cálculo do IRPF deve ser apurada depois de computados todos os valores auferidos pelo contribuinte, num determinado período de tempo, descontadas as despesas necessárias à sobrevivência.

Observando-se esse procedimento, apura-se o efetivo acréscimo patrimonial e o contribuinte que auferir maiores rendimentos deverá ser tributado de forma mais onerosa que os demais, com a aplicação da alíquota progressiva, em atenção ao princípio da capacidade contributiva.

Mary Elbe Queiroz Maia, com relação ao princípio da universalidade (2004, p. 378), entende que

A observância da universalidade exige que todos os rendimentos sejam computados. Para a correta incidência do imposto, mister se faz que o total das “rendas” ou “proventos” e das respectivas despesas seja computado no seu conjunto, no momento da ocorrência do fato gerador, para que o primado seja atendido e se possa aferir, com maior precisão, o quantum do “acréscimo patrimonial” […]

Ainda, é necessário mencionar que a alíquota utilizada para a apuração do IRPF não pode ser diferençada em razão da origem dos rendimentos. Isso porque, em razão do princípio da universalidade, sobre a soma de todos os rendimentos auferidos durante o ano, deveria ser aplicada uma única alíquota52 (conforme a faixa em que se enquadrarem os rendimentos) para o cálculo do imposto devido. Como ensina Roque Antonio Carrazza (2005, p. 64): “Noutros dizeres, o IR não pode ser seletivo em função da natureza do rendimento auferido. Neste sentido, o critério da universalidade contrapõe-se ao da seletividade.”

Assim, pode-se resumir que em razão do princípio da universalidade os valores auferidos pelo contribuinte, em um determinado período de tempo, deverão ser considerados de forma conjunta para fins de se apurar o real acréscimo patrimonial, depois de feitas as possíveis deduções, base de cálculo do IRPF.

A observância da aplicação ou não dos princípios da generalidade, progressividade e universalidade, pelo legislador infraconstitucional, será feita quando da exposição da sistemática de apuração do IRPF.

52 Existem situações, conforme será analisado, em que o IRPF será apurado mediante a aplicação da alíquota no

percentual de 15% (no ganho de capital decorrente, por exemplo, da venda de um imóvel) e no percentual de 20% (no ganho líquido decorrente de operações realizadas em bolsa de valores).

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