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2 UMA ANÁLISE DOS PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO ADMINISTRATIVO E OS CERTAMES LICITATÓRIOS

2.2 OS PRINCÍPIOS INFRACONSTITUCIONAIS PREVISTOS NA LEI GERAL DE LICITAÇÕES

2.2.2 Princípio da Probidade Administrativa

O princípio da probidade administrativa se assemelha à já comentada moralidade. Contudo, tais princípios não se confundem, enquanto a moralidade possui natureza subjetiva, ligada ao conceito de moral e sua amplitude interpretativa, o princípio da probidade administrativa possui caráter objetivo sendo o primado relacionado ao cumprimento das regras estabelecidas pela Lei de Improbidade Administrativa, Lei nº 8.429/92 em seus artigos 9º, 10 e 115.

5 Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais; V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

Em tendo o agente público agido dentro de uma das categorias predefinidas pela Lei nº 8.249/92, está sendo ferido o princípio da probidade administrativa.

Nota-se, assim, que o princípio possui espectro fechado de aplicabilidade, tendo sua extensão restrita às hipóteses já definidas pela legislação em vigor.

2.2.3 Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório

O princípio da vinculação ao instrumento convocatório diz respeito à necessidade de cercear a liberdade da Administração às regras predefinidas no diploma editalício.

O conceito básico de vinculação ao instrumento convocatório é impedir que o julgador, no momento de averiguação quanto à aceitabilidade ou não de uma determinada licitante, defina com base em seus próprios critérios, qual será o resultado daquele certame.

A vinculação ao edital é, sem dúvida, ponto de máxima importância para o legislador. Tanto é que a Lei nº 8.666/93 além de prever o princípio junto aos demais, em seu artigo 3º, traz a norma do artigo 41: “Art. 41. A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.”.

Essa preocupação com o não descumprimento das normas do edital mostra-se interessante do ponto de vista da integridade do certame e total isonomia no julgamento. Todos devem seguir as normas prescritas no edital, sendo que ninguém será eliminado sem descumpri- las e ninguém poderá ser admitido sem atender a todas as regras editalícias. É o que ensina MEIRELLES (1991, p. 29):

A vinculação ao edital significa que a Administração e os licitantes ficam sempre adstritos aos termos do pedido ou do permitido no instrumento convocatório da licitação, quer quanto ao procedimento, quer quanto à documentação, as propostas, ao julgamento e ao contrato. Em outras palavras, estabelecidas as regras do certame, tornam-se obrigatórias para aquela licitação durante todo o procedimento e para todos os seus participantes, inclusive para o órgão ou entidade licitadora.

(...)

Nem se compreenderia que a Administração fixasse no edital o modo e forma de participação dos licitantes, bem como as condições para a elaboração das ofertas, e no decorrer do procedimento ou na realização do julgamento ou no contrato se afastasse do estabelecido, e admitisse documentação e propostas em desacordo com o solicitado. O edital é a lei interna da licitação, e, como tal vincula aos seus termos tanto os licitantes quanto a Administração que o expediu. É impositivo para ambas as partes e para todos os interessados na licitação.

A clareza nas lições de Meirelles mostra o porquê desse doutrinador ser considerado por muitos o maior nome na área de licitações e contratos administrativos.

Como diz o autor, nem se compreenderia que fossem fixadas normas no edital que depois a própria Administração pretendesse descumprir. Tal afirmação é de lógica patente que, atualmente, passou a ser ignorada em diversas doutrinas e mesmo na jurisprudência.

Ocorre que, em que pese a naturalidade do conceito da vinculação ao instrumento convocatório, tornou-se comum a utilização deste princípio com o objetivo de eliminar o maior número possível de licitantes.

Alguns editais, buscando o direcionamento da licitação a empresas que seriam favorecidas passaram a rechear o instrumento convocatório de regras inúteis, com o único objetivo de vê-las descumpridas por aqueles menos atentos.

Diante desse novo contexto, a doutrina e a jurisprudência foram se alterando de forma a evitar essa manipulação do processo licitatório. O ápice dessa mudança foi a implementação do Pregão e toda a mudança de cultura por ele trazida, como ensina BOSELLI (2009, p. 38):

Tem que haver uma mudança significativa de postura das pessoas envolvidas com o pregão, em especial por parte da Administração Pública. A utilização satisfatória do pregão implica evitar decisões excessivamente formalistas que acabam por reduzir o número de propostas em condições de serem aproveitadas no certame.

Atualmente, diante da necessidade de se impedir a manipulação do certame por meio de regramentos esdrúxulos, a jurisprudência é pacífica quanto ao dever de observar a finalidade da vinculação ao instrumento convocatório, como mostra o julgado do Tribunal de Contas da União:

Ressalto, preliminarmente, que o edital não constitui um fim em si mesmo. Trata-se de instrumento para a consecução das finalidades do certame licitatório, que são assegurar a contratação da proposta mais vantajosa e a igualdade de oportunidade de participação dos interessados, nos precisos termos do art. 3º, caput, da Lei 8.666/93.

Assim, a interpretação e aplicação das regras nele estabelecidas deve sempre ter por norte o atingimento das finalidades da licitação, evitando- se o apego a formalismos exagerados, irrelevantes ou desarrazoados, que não contribuem para esse desiderato. (2003)

Essa mudança na visão do princípio da vinculação ao edital não quer dizer, entretanto, que se trata de um princípio a ser desconsiderado. Pelo contrário, o conceito permanece válido e fundamental na análise e julgamento dos processos licitatórios.

A diferença traz aquilo que pode ser nominado como o formalismo moderado no julgamento dos processos licitatórios. Permanece, assim, válido o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, aplicado de forma a observar sua finalidade, evitando a desclassificação ou inabilitação por motivos desarrazoados.