• Nenhum resultado encontrado

2.2 Princípios do direito à segurança e saúde no trabalho

2.2.6 Princípio da retenção do risco na fonte

Para se compreender o princípio da retenção do risco na fonte,17 mister analisar as diferentes etapas existentes na concepção causal dos acidentes do trabalho.

17

A concepção do princípio da retenção do risco na fonte foi idealizada pelo doutrinador Sebastião Geraldo de Oliveira, em seu livro “Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador”.

A análise causal dos acidentes vivenciou três etapas distintas: concepção fatalista, visão monocausal e multicausal (AMORIM JUNIOR, 2013, p. 155).

A concepção fatalista entende a causa do acidente do trabalho como uma intervenção divina, ou seja, acontece um acidente do trabalho porque uma força maior já havia predestinado aquele acontecimento, e de uma forma ou de outra o infortúnio aconteceria. Essa concepção amortecia o medo dos trabalhadores e facilitava a aceitação dos riscos laborais, acobertando as condições precárias de segurança e saúde a que o empregador submetia seus empregados.

Já a visão monocausal compreende que o acidente do trabalho é resultado de um acontecimento único, de uma determinada situação que apresenta um risco potencial e gera a concretização do acidente do trabalho. Nessa visão não há análise dos eventos que desencadeiam o infortúnio, pois se acredita que a causa está relacionada a único evento que já apresentava um potencial de agravo.

Por fim, a visão multicausal parte de uma análise investigativa dos acidentes do trabalho baseada na compreensão da cadeia de eventos que ocasionam o infortúnio. Dessa forma, supera-se o entendimento de causa única dos acidentes do trabalho, pois na visão multicausal vários são os fatores e eventos que podem gerar a ocorrência de acidentes do trabalho.

Após a investigação e análise das causas dos acidentes do trabalho, é imprescindível seguir com os próximos passos, promovendo ações que objetivam estratégias eficazes de controle e prevenção.

Infelizmente, no cenário brasileiro atual, ainda impera a visão monocausal, limitando as possibilidades de prevenção pela falta de conhecimento e investigação efetiva de todos os eventos que foram produtos do resultado acidente do trabalho.

Cléber Amorim Júnior esclarece esse cenário vivenciado pelo Brasil nas investigações dos acidentes do trabalho:

Desta forma, torna-se imperativo superar as concepções monocausais que limitam o aprendizado das organizações com suas falhas e que tendem a culpar os trabalhadores (as próprias vítimas) pelos acidentes. Ainda mais quando se considera que esse tipo de análise monocausal e limitada é empregada frequentemente no Brasil, encontrando-se ainda presente em diversas concepções oficiais sobre acidentes de trabalho, como nas normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e na Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em que há um campo específico para o preenchimento do objeto causador do acidente. (AMORIM JUNIOR, 2013, p. 166).

Assim, mister se faz a superação dessa realidade ainda imperante na sociedade brasileira, para garantir um avanço no estabelecimento de medidas preventivas, vez que através da análise dos riscos laborais desde sua origem até o final da cadeia produtiva é possível compreender de forma efetiva as condições de trabalho e estabelecer medidas de prevenção eficazes que preservem a vida, saúde e integridade física do trabalhador.

Assim, a efetivação do princípio da retenção do risco na fonte é fundamento para a formação de medidas preventivas.

Cumpre salientar que as medidas preventivas devem ser prioritárias sobre as medidas de proteção do trabalhador, uma vez que aquelas são capazes de reter o risco ocupacional na sua raiz, enquanto estas funcionam apenas como métodos de proteção dos trabalhadores para minimizar os efeitos nocivos dos riscos laborais, sem tratá-los na sua fonte, na sua origem.

Vários são os instrumentos normativos que fundamentam o princípio da retenção do risco na fonte. Convenções sobre saúde e segurança da OIT ratificadas pelo Brasil reforçam esse conceito, e em pequenos passos, a legislação ordinária no Brasil também já tem adotado esse preceito.

A Convenção n. 148 da OIT que trata sobre o meio ambiente de trabalho, apresenta as medidas preventivas como prioritárias, conforme redação dos arts. 9 e 10:

Artigo 9: Na medida do possível, deverá ser eliminado todo risco devido à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no lugar de trabalho:

a) mediante medidas técnicas aplicadas às novas instalações ou aos novos procedimentos no momento de seu desenho ou de sua instalação, ou mediante medidas técnicas aportadas às instalações ou operações existentes, ou quando isto não for possível,

b) mediante medidas complementares de organização do trabalho.

Artigo 10: Quando as medidas adotadas em virtude do artigo 9 não reduzirem a contaminação do ar, o ruído e as vibrações no lugar de trabalho aos limites especificados em virtude do artigo 8, o empregador deverá proporcionar e conservar em bom estado o equipamento de proteção pessoal apropriado. O empregador não deverá obrigar nenhum trabalhador a trabalhar sem o equipamento de proteção pessoal proporcionado em virtude do presente artigo. (OIT, 1977)

A Convenção n. 167 da OIT, que trata sobre a segurança e saúde na construção, também contempla tal preceito:

Artigo 30: 1. Quando não for possível garantir por outros meios a proteção adequada contra riscos de acidentes ou danos para a saúde, inclusive aqueles derivados da exposição a condições adversas, o empregador

deverá proporcionar e manter, sem custo para os trabalhadores, roupas e equipamentos de proteção pessoal adequados aos tipos de trabalho e riscos, em conformidade com a legislação nacional. (OIT, 1988)

Outro exemplo é a Lei n. 12.619/12, que dispõe sobre o exercício da profissão do motorista. O governo brasileiro, ao publicá-la, demonstrou o efetivo combate das causas dos acidentes do trabalho que envolvem os motoristas profissionais, na medida que combateu o risco na sua fonte, estabelecendo melhores jornadas de trabalho aos referidos profissionais (AMORIM JUNIOR, 2013, p. 175).

Conforme pontuado no tópico sobre o princípio do não improviso, a efetivação do princípio da retenção do risco na fonte irá garantir a adoção de ações planejadas, na medida em que orienta as organizações a buscarem uma investigação multicausal dos eventos que ocasionaram acidentes do trabalho, garantindo o estabelecimento de medidas preventivas plenas e eficazes.

Um exemplo emblemático da retenção do risco na fonte é o Programa de Redução de Acidentes Elétricos na Indústria da Construção (PRAE), desenvolvido no Estado da Paraíba, conforme noticiado por Amorim Junior (2013, p. 173):

Um exemplo emblemático da retenção do risco na fonte é a obrigatoriedade da elaboração do projeto das instalações elétricas provisórias para os canteiros de obra, sem o qual não é realizada a ligação de energia da obra pela concessionária de serviços elétricos no Estado da Paraíba. Esta medida foi adotada em virtude de um programa elaborado e executado pelo Comitê Permanente Regional – CPR na Paraíba e intitulado Programa de Redução de Acidentes Elétricos na Indústria da Construção, o PRAE. Após seis anos da adoção da referida medida, o número de morte por choque elétricos nos canteiros de obras em João Pessoa (PB) foi reduzido de modo vertiginoso.

Ações como essas devem ser divulgadas e propagadas em todo Brasil, a fim de estimular e orientar medidas protetivas eficazes de segurança e saúde no trabalho. O Brasil está carente de ações como essas e os trabalhadores dependem de uma mudança em nosso cenário de forma emergencial.