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CAPÍTULO 2 POLÍTICA CRIMINAL E PREVIDÊNCIA SOCIAL

2.3 Critérios político-criminais e Previdência Social

2.3.2 Critério da carência de tutela penal do bem jurídico

2.3.2.3 Princípio da ultima ratio

Trata-se de princípio que caminha ao lado do princípio da subsidiariedade, o que leva muitos a os assemelharem, porquanto também representa critério para limitar a intervenção penal aos casos estritamente necessários.

Por esse princípio viabiliza-se a regra segundo a qual mesmo havendo a previsão de tutela penal diante de exposição a perigo ou lesão a um bem jurídico socialmente relevante, deve-se verificar se no caso em concreto as outras formas de tutela não se mostram aptas a protegê-lo. Em outros termos, devem-se esgotar todos os meios de tutela extrapenal antes de se optar pela aplicação da tutela penalmente prevista.

Assim, o recurso à privação de liberdade deve ser a ultima ratio, ou seja, somente deve-se optar pela concretização da tutela penal quando esta se mostre indispensável à proteção do bem jurídico tutelado, devendo-se restringir o campo do ilícito penal ao estritamente necessário.

2.3.2.4 Princípio da proporcionalidade

Segundo o princípio da proporcionalidade, agora no seu aspecto de carência de tutela penal, deve-se observar o imperativo de que se houver um meio menos lesivo para atingir as finalidades de política criminal pretendidas do que a tutela penal, aquele deve ser utilizado, porquanto nesses casos não se configura uma carência penal tão grave que justifique a intervenção do Direito Penal para se atingir as finalidades de política criminal previstas.

Exige-se, então, uma necessária proporção entre o sacrifício de bens e os males a evitar. Representa a confrontação entre o peso do sacrifício que se impõe ao indivíduo afetado pela restrição de um determinado direito fundamental em relação aos benefícios que possam decorrer dessa imposição de restrição em prol de determinado interesse individual ou coletivo88.

Cabe recordar, ademais, que a eleição dos bens jurídicos a serem tutelados penalmente deve ter por fundamento os valores previstos, explícita ou implicitamente, na Constituição Federal. Assim, deve-se observar a hierarquia de valores constitucionais por

ocasião da previsão, abstrata e em concreto, da pena a ser imposta ao agente responsável pela prática de uma conduta criminosa.

Nos dizeres de Fernando Andrade Fernandes,

[...] nesta fase da dinâmica punitiva estatal o legislador deverá considerar o valor social do bem jurídico objeto da tutela. Dessa forma, na sua previsão abstrata da lei, a gravidade da pena altera-se conforme o valor que a Ordem Jurídica atribui ao bem jurídico protegido, levando-se em conta a hierarquia de valores que a própria Constituição estabelece89.

Desse modo, pelo princípio da proporcionalidade, agora enfocado sob o prisma da carência de tutela penal, exige-se que se eleja, dentre todos os meios disponíveis de atuação do Estado, aquele que seja menos gravoso ao indivíduo a ser afetado pela sanção penal, assim como também deve ser observada a proporcionalidade em relação ao valor do bem jurídico lesionado e a intensidade da pena a ser imposta ao agente do delito.

Alice Bianchini revela que a importância da observância dessa proporcionalidade "decorre do fato de a gravidade da intervenção penal ter sua variação atrelada ao grau de merecimento de pena/restrição da liberdade humana"90.

Como bem asseverou Paulo César Corrêa Borges,

Se de um lado a segurança é um dos objetivos da formação do Estado, isto é, trata-se de uma de suas finalidades, por outro, a dignidade da pessoa humana é um de seus fundamentos e, portanto, seu limite intransponível. A liberdade e a igualdade que são também aspectos da dignidade da pessoa humana, até por razões históricas da evolução do Estado, são direitos fundamentais que se complementam e representam uma contraposição à exacerbação do direito à segurança91.

89 FERNANDES, F. A. O processo penal como instrumento de política criminal. Coimbra: Almedina, 2001, p. 771.

90 Ibid., p. 85. Mariana Bolliger Maniglia afirma que “a primeira função do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, dessa forma, deve ser a ponderação entre o valor do bem jurídico e o estabelecimento de uma pena mínima para a sua proteção, apesar dessa função ser extremamente difícil, já que os valores dos bens se alteram conforme ocorrem as mudanças na sociedade [...] da mesma forma que a pena mínima se mostrou essencial, a pena máxima também o é [...]. O que devemos mencionar [...] é a necessidade de uma margem não muito grande entre as duas penas e de determinada proporção entre elas. Assim, o intervalo existente entre a pena mínima e a pena máxima não deve ser ,muito extenso, sob pena de se realizar uma confusão valorativa, já que as lesões a bens jurídicos diferentes estariam sendo punidas de forma semelhante se houvesse uma margem muito ampla entre as duas penas" (MANIGLIA, 2004, op. cit., p. 118). Mais adiante acrescenta que "no que tange ao segundo aspecto do princípio da proporcionalidade em sentido estrito [...] é mister atentar para o fato de que a aplicação da pena interfere diretamente nos direitos daquele que cometeu o crime. Essa interferência, ou melhor, essa lesão ao bem jurídico do agente, seja ele a liberdade ou o patrimônio, para que não se torne inconstitucional por ferir a dignidade da pessoa humana, deve ter o mesmo tamanho que a lesão que foi por ele causada a uma outra pessoa. Sendo assim, o legislador deve ponderar o valor do bem jurídico a ser protegido criminalmente e o desvalor da conduta a ele afrontosa (interesse geral) com o valor da liberdade ameaçada pela previsão legal de pena à prática da conduta (interesse individual)" (Ibid., p. 119).

Deve-se, então, verificar os custos sociais e individuais decorrentes da utilização do Direito Penal, sendo certo que o meio penal não estará avalizado se os custos não forem compensados (relação custo-benefício)92.

Por fim, há que se destacar que o princípio da proporcionalidade deve ser observado, ainda, no que toca à relação entre a intensidade da lesão ao bem jurídico do agente e a finalidade de política criminal93.

92 Railda Saraiva recorda que a Constituição Federal de 1988 deu especial relevo à dignidade da pessoa humana, à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, à eliminação dos preconceitos e de quaisquer outras formas de discriminação e à prevalência dos direitos humanos, de modo que todos esses aspectos devem ser considerados na construção do ordenamento jurídico-penal brasileiro. (SARAIVA, R. A Constituição de 1988 e

o ordenamento jurídico-penal brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 3). Jorge de Figueiredo Dias, por

sua vez, afirma que “uma vez que o direito penal utiliza, com o arsenal das suas sanções específicas, os meios mais onerosos para os direitos e as liberdades das pessoas, ele só pode intervir nos casos em que todos os outros meios de política social, em particular da política jurídica, se revelem insuficientes e inadequados. Quando assim não aconteça aquela intervenção pode e deve ser acusada de contrariedade ao princípio da proporcionalidade, sob precisa forma de violação do princípio da proibição de excesso” (DIAS, 1999, op. cit., p. 78).

93 Para Mariana Bolliger Maniglia "nesse diapasão, o princípio da proporcionalidade em seu aspecto de idoneidade, se mostra extremamente importante, tendo em vista que ele garante ao cidadão o não ferimento de seus direitos fundamentais, na medida em que nega legitimidade para as incriminações inaptas a atingirem a função de prevenção, a qual também é por ele regulada. Assim, quando há desproporção entre os danos causados aos indivíduos ou à sociedade e as vantagens obtidas pelo emprego da norma, esta se torna ilegítima"