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4. TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS:

4.1. Princípios e conceitos teóricos

A percepção do mundo pelo indivíduo é feita embasando-se em dois esquemas estruturais: por um lado, há a estrutura social referente aos agentes sociais e às instituições; por outro, há a estrutura dos sistemas simbólicos existentes, resultantes de disputas anteriores (BOURDIEU, 2004). Assim, ao mesmo tempo em que a apreensão da realidade contribui para a produção simbólica do mundo, ela é influenciada pelo sistema preexistente. São as representações, elaboradas continuamente pelos sujeitos sociais, que mediam esse processo de percepção da realidade. Aqui, entram em jogo os interesses dos sujeitos sociais, que procuram impor sua visão de mundo. A realidade pode ser percebida e então

representada de diversas maneiras, pois os objetos, entre eles os espaços físicos, sempre contêm uma face passível de ser interpretada e que:

[...] enquanto objectos [sic] históricos, estão sujeitos a variação no tempo, estando a sua significação, na medida em que se acha ligada ao porvir, em suspenso ela própria, em termo de dilação, expectante e, deste modo, relativamente indeterminada. Esta parte do jogo, da incerteza, é o que dá fundamento à pluralidade das visões do mundo, ela própria ligada à pluralidade dos pontos de vista (BOURDIEU, 20004, p. 140).

São as representações sociais que expressam as diversas visões de mundo dos indivíduos. Elas apresentam um caráter construtivo, criativo e autônomo, pois possibilitam a interpretação da realidade, estando intimamente ligadas às formas de expressão e produção do espaço pelo sujeito (JODELET apud BARBOSA, 2000). A representação social do patrimônio edificado se traduz nas percepções diferenciadas, resultantes da experiência das pesoas relativa a objetos históricos e estéticos do ambiente urbano.

A teoria das representações sociais, ligada à área de Psicologia Social, foi desenvolvida inicialmente por Moscovici em sua obra “Representação Social da Psicanálise”, em 1961. Entende-se representação social como “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET, 1984 apud SÁ, 2004, p. 32). As representações sociais são um conhecimento prático, que possibilita a compreensão do mundo e a comunicação dentro do grupo social, sendo elaboradas pelos sujeitos sobre objetos socialmente valorizados.

A investigação centrada nas representações sociais fundamenta-se no fato de que, consciente ou inconscientemente, elas são utilizadas nos momentos decisórios em relação à cidade e que, por meio delas, são expressos os valores da sociedade, pois as representações sociais justificam e racionalizam comportamentos anteriores e guiam atitudes comportamentais (WAGNER, 2003).

As representações, ao mesmo tempo em que são particulares a cada indivíduo, estão diluídas na sociedade, na mídia, na literatura, na arte e nas diversas formas de expressão. Elas encontram-se, portanto, relacionadas com o espaço público, onde são fomentadas, desenvolvem-se e são expressas. Por meio delas, os atores sociais dão sentido ao mundo, o re-significam, criam símbolos e estabelecem sua identidade (JOVCHELOVITCH, 2003). A ligação entre representações sociais e

imaginário é bastante forte, uma vez que aquelas são construídas a partir de memórias, fantasias e percepções individuais e do grupo. Nesse processo, o indivíduo re-elabora o mundo em que vive, articulando sua percepção da realidade, o que, por sua vez, balizará suas condutas (MOSCOVICI, 2005).

As representações sociais têm uma dimensão individual, resultante da avaliação particular do sujeito, e outra dimensão coletiva, resultante dos pontos comuns no grupo social. Assim, cada representação é composta por uma série de elementos gerais, bem como apresenta uma esfera particular aos indivíduos e sub- grupos sociais, integrantes da sociedade. Cada sub-grupo apresenta um conhecimento que lhe é pertinente, podendo ser considerada uma sub- representação. A junção das diversas sub-representações fornece a representação social global, formada pela representação coletiva e por facetas que não são comuns a todos, porém são relevantes para certos sub-grupos sociais (WAGNER, 2003). A orientação política e cultural existente, o papel funcional do indivíduo e dos sub-grupos no corpo social e o acesso aos meios de comunicação são fatores que interferem na constituição das representações sociais. Assim, certos elementos e imagens vão se repetir em diversos grupos e outros símbolos serão referidos por indivíduos e grupos específicos, o que faz com que a teoria das representações sociais permita uma abordagem bastante enriquecedora, fundamentada na articulação entre o sistema cognitivo individual e as estruturas simbólicas coletivas.

Há um movimento contínuo entre o processo de formulação das representações e a realidade. Por um lado, é por meio das ações do indivíduo e suas relações com os outros que as representações são estruturadas, permitindo uma mediação entre o sujeito e o mundo que ele, ao mesmo tempo em que descobre, também ajuda a construir. Por outro viés, as representações sociais possibilitam a criação de símbolos dentro da rede de significados vigente (JOVCHELOVITCH, 2003).

O processo de elaboração das representações sociais envolve os mecanismos da objetivação e da ancoragem. Ancoragem é o processo de tornar o não-familiar, familiar; possibilita que o objeto da representação seja integrado ao sistema de pensamento já existente, classificado e denominado. Já a objetivação, consiste na associação de uma figura ao objeto representado; é a transformação da idéia em uma forma tangível, como, por exemplo, a associação de Deus à figura de um pai. O ato de representar faz com que os objetos sejam re-elaborados e

inseridos no contexto do indivíduo. Assim, na estrutura de cada representação social, há duas dimensões indissociáveis, a figurativa e a simbólica: em toda figura há um sentido e para todo sentido há uma figura correspondente (MOSCOVICI, 1976 apud SÁ, 2004).

Os processos de objetivação e ancoragem ocorrem simultaneamente: para classificar algo desconhecido em um sistema preexistente, é necessário atribuir ao objeto uma figura, possibilitando assim que a ele seja associado um sentido, tornando-o conhecido, próximo, compreensível, ao ser considerado dentro de uma rede de conhecimento, que por sua vez, engloba representações sobre outros objetos.

As representações sociais apresentam três características básicas: elas são a referência de alguém em relação a alguma coisa; ligam-se ao imaginário e a sua construção; e os elementos estruturantes da representação provêm de uma essência comum ao grupo social. Elas permitem a compreensão do mundo, com a integração de um novo elemento ao sistema de significados já existentes e pautando os comportamentos e condutas relacionadas a essa rede simbólica por meio da interpretação desse novo objeto, viabilizando o desenvolvimento psíquico e a vida em sociedade (FREIRE, 1997).

Enquanto permitem ao ser humano associar novos objetos ao sistema cultural existente, as representações funcionam como forma de atribuição de valores e de interpretação da realidade. São, portanto, uma das fontes de informação que o sujeito social utiliza para determinar suas ações, seja de apropriação ou de distanciamento.

As representações sociais podem ser entendidas como um processo em que é preciso considerar, além dos mecanismos de elaboração (ancoragem e objetivação) e da sua estrutura (identificando os elementos centrais e periféricos), o tempo de seu surgimento, elaboração e divulgação (SPINK, 2004).

O contexto em que são fomentadas e expressas as representações sociais pode ser compreendido a partir de uma perspectiva temporal: há o tempo mais curto, da interação, em que são expressas as representações sociais; existe o tempo médio, em que ocorre o processo de socialização, com a inserção do sujeito no grupo e no sistema de representações sociais; e há ainda o tempo mais longo, em que é construída a memória social (SPINK, 2003). As representações, compreendidas como produtos sociais, têm sempre que ser remetidas às condições

sociais que as fomentaram, pois o estudo da atribuição ou não dos valores patrimoniais a determinado espaço leva em conta não só os valores do tempo atual como os sentidos dados ao lugar no passado.

Procurando abordar os diversos momentos desse processo, nesta pesquisa, foram realizadas entrevistas que permitiram a apreensão das representações sociais expressas pelos sujeitos sociais (tempo curto), a análise da situação atual do patrimônio cultural edificado de Mossoró (tempo médio), a pesquisa dos antecedentes históricos de Mossoró (tempo longo) e a exposição da criação, do desenvolvimento e do conceito contemporâneo de patrimônio (tempos curto, médio e longo).

A seleção dos instrumentos, dos procedimentos e das técnicas a serem adotados em uma pesquisa de investigação das representações sociais depende de qual dimensão do fenômeno será estudada (WAGNER, 2003). No caso em tela, visando ao objetivo de identificar a representação social do patrimônio edificado em Mossoró, estabeleceu-se uma premissa para determinar de que modo o estudo seria realizado: delinear a representação social predominante, porém sem desconsiderar a diversidade de representações existentes.

4.2. GRUPO PESQUISADO, INSTRUMENTO E PROCEDIMENTOS