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3.3 Princípios, orientações e procedimento na mediação de conflitos

3.3.1 Princípios e Orientações na Mediação de Conflitos

A mediação de conflitos constitui atividade complexa que congrega não apenas uma série de saberes e técnicas, mas também a sensibilidade e a percepção do mediador e das partes. As práticas de mediação, embora frequentemente diversas em seu conteúdo e forma, são, contudo, orientadas por um conjunto axiológico comum, informado pelos denominados "princípios" da mediação.

A informalidade é uma das características mais marcantes da mediação. Enquanto princípio, indica que a mediação deve ocorrer por meio de um procedimento simplificado, desburocratizado e amigável ao usuário. É informal porque também dispensa ritos protocolares, a hierarquia e a linguagem formal ou técnica. Nesse sentido, a mediação contrasta profundamente com a jurisdição, que possui uma formalidade que é, por vezes, intimidadora às partes. Santos observa que é justamente a informalidade um dos motivos pelos quais as práticas de mediação possuem um alcance diferenciado, com melhores resultados qualitativos153.

Justifica-se a abordagem informal pelo princípio da autonomia, que se estende tanto ao exercício decisório quanto às definições procedimentais. Conforme propõe Warat, autonomia indicaria "uma possibilidade de escapar do mundo das palavras e dos mitos que nos exilam do real"154. Tratar-se-ia, portanto, de um exercício de

potencial transformador, que permitiria às partes acessarem suas reais necessidades, assumirem responsabilidade pelos seus atos e decisões. Mais além, a autonomia indica o caráter pedagógico da mediação, pois significa a possibilidade de aprender e compreender diferentes maneiras de encontrar um equilíbrio/harmonia entre a autonomia própria com a autonomia do outro.

Observa-se que a mediação é também orientada pela centralidade das partes. Diferentemente da jurisdição, que tende a centrar-se em procedimentos investigatórios, atos, normas e fatos, a mediação não se preocupa em estabelecer

153 SANTOS, Boaventura de Sousa. O direito dos oprimidos. Perdizes: Cortez, 2014. p.142.

154 WARAT, Luís Alberto. Surfando na Pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux,

uma "versão da realidade"155, mas sim em buscar a satisfação dos verdadeiros

interesses e necessidades das partes. Centralidade das partes significa também acessibilidade e participação, pois permite o envolvimento direto com o procedimento e com a tomada de decisões.

Outra importante característica é a voluntariedade. Participar de uma sessão de mediação representa um envolvimento físico e psicológico ao qual as partes precisam estar predispostas. A vontade das partes é fundamental tanto para o adequado fluxo das trocas durante o procedimento quanto para a construção do acordo. Não há sentido pensar, por exemplo, na possibilidade de um acordo adjudicado contra a vontade das partes em mediação. Sem a expressão da vontade das partes, portanto, não pode haver mediação - e tampouco jurisconstrução.

Marcante na mediação é a ideia da confidencialidade. No procedimento de mediação pretende-se proteger os interesses e sentimentos das partes que são expostos no curso dos trabalhos. De forma oposta à jurisdição, cuja regra é a publicidade de todos os atos, a mediação se estabelece em ambiente privado e sigiloso. Tal sigilo não é, contudo, absoluto, relativizando-se conforme as próprias partes dispuserem ou diante de casos em que haja relevante interesse público.

A oralidade pode ser também considerada como elemento basilar das práticas de mediação, embora atualmente identifiquem-se inúmeras propostas para a realização de mediação em plataformas digitais ou por meio de aplicativos. Conforme observam Morais e Spengler, a oralidade é um princípio que se relaciona com a informalidade, "no qual as pessoas têm a oportunidade de debater os problemas que lhes envolvem, visando a encontrar a melhor solução para eles"156. Também para

Santos a oralidade se apresenta como um dos diferenciais das práticas de mediação:

Quando as pessoas se expressam oralmente, as suas palavras nunca estão totalmente divorciadas de quem fala. As palavras escritas, pelo contrário, criam um hiato entre o autor e a sua expressão, entre uma afirmação pessoal de vontade e um fetiche impessoal com vida própria.157

155 BOULLE, Laurence; NESIC, Miryana. Mediation: principles, process, practice. Londres: Butterworths,

2001. p. 38.

156 SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação de conflitos: da teoria à prática. 2. ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2017. p. 133.

Para o autor, a oralidade significa a possibilidade do estabelecimento de uma comunicação direta, sem lacunas ou interferências. Para Warat158, a oralidade da mediação, por meio da narrativa, permitiria recuperar o sentido de nossos atos, isto é, apenas por meio do diálogo conseguiríamos restabelecer significados e vínculos afetivos profundos. Pretende, nesse sentido, afirmar a oralidade como uma ferramenta decisiva para o potencial transformador e emancipatório das práticas de mediação.

Além destes princípios que designam as práticas de mediação, têm especial relevância algumas orientações que dizem respeito à atuação dos mediadores e que, em alguns casos, geram algumas controvérsias. Uma destas orientações seria o dever de imparcialidade/neutralidade do mediador. Trata-se da orientação que indica como fundamental para o resultado efetivo da mediação que o mediador conduza o procedimento de forma a manter-se equidistante em relação as partes159. Tal

orientação apresenta alguns problemas, sendo o primeiro deles a diferenciação entre os termos "imparcialidade" e "neutralidade". A respeito do tema, Boulle e Nesic realizam a seguinte distinção:

Neutrality relates to the mediator's background and his or her relationship with the parties and the dispute. It involves matters such as: the extent of prior contact between the mediator and the parties, prior knowledge about the specific dispute; the degree of the mediator interest in the substantive outcome or in the way the mediation is conducted, and the extent of mediator expertise in the subject-matter of the dispute. Impartiality, by contrast, referes to an even- handedness, objectivity and fairness towards the parties during the mediation process. It relates to such matters as time allocation, facilitation of the communication process, and avoidance of any display of favouritism or bias or adversarial conduct in word or action.160

Assim, embora desejável, a neutralidade dificilmente será verificada na prática, pois envolve critérios que se relacionam com a própria identidade do mediador. A imparcialidade do mediador, contudo, deverá estar sempre presente, pois considera- se que "must be regarded as a core requirement in mediation, in the sense that its

158 WARAT, Luís Alberto. Surfando na Pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação

Boiteux, 2004. v. 3, p. 197.

159 MORAIS, Jose Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativas

à jurisdição! 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 163.

160 BOULLE, Laurence; NESIC, Miryana. Mediation: principles, process, practice. Londres: Butterworths,

absence would fundamentally undermine the nature of the process". Portanto, é

possível afirmar que a imparcialidade do mediador é uma das características essenciais da mediação, sem a qual o procedimento perderia sua razão de ser.

Outra importante orientação diz respeito ao âmbito e amplitude de intervenção do mediador no conflito. Existem duas principais abordagens à questão: a primeira seria a da mínima intervenção, que restringe o mediador ao papel de facilitador; a segunda, que seria uma abordagem diretiva, que permite ao mediador também atuar como avaliador. Para Boulle e Nesic as abordagens caracterizam-se da seguinte forma:

On one hand is the 'minimalist intervention' approach which restricts the mediator to a faciliatitive role, in terms of bringing the parties together, providing strecutre and control, and assiting them to communicate and negotiate constructively. Mediators do not, in this view, intervene on the substance or merits of the dispute. The minimalist intervention approach is regardes as appropriate for competent parties with aproximately equal bargaining power who are involved in a dispute the outcome of which will affect only themselves. On the other hand, the 'directive intervention' approach allows mediators to intervene more directly and actively, for exemple, by encouraging the parties to compromise, by suggesting options for the parties' consideration, by advising them on the consequences of not settling, by being confrontationist when they reach impasses, and by otherwise influencing the actual content of the decision-making. This approach is regarded as appropriate, for example, in environmental disputes, where unrepresented parties might be affected by the outcome, or in family disputes where the children's interestes need to be kept to the forefront.161

Tais abordagens relacionam-se com a opção em relação ao modelo teórico- prescritivo de mediação que será adotado, cada modelo propondo uma resposta em termos "ideais" para a amplitude correta de intervenção do mediador. No entanto, é preciso observar que a intervenção do mediador pode relacionar-se também com as necessidades práticas do caso, as quais somente o mediador e as partes têm acesso. Nesse sentido, Riskin salienta que a maioria dos mediadores facilita e avalia em um mesmo procedimento162, propondo como resposta ao debate a ideia da relação

facilitativo/avaliativo como polaridades em um mesmo contínuo em que o mediador

161 BOULLE, Laurence; NESIC, Miryana. Mediation: principles, process, practice. Londres: Butterworths,

2001. p. 21.

162 RISKIN, Leonard. Decisionmaking in mediation: the new old grid and the new new grid system. Notre

poderá transitar, conforme as demandas específicas do caso163. Contudo, observa-se

que as diferentes abordagens quanto qual a orientação mais adequada dependerá, na prática, de três fatores: do modelo teórico-prescritivo que é seguido pelo mediador, de sua formação e das peculiaridades do caso.