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Manovich trabalha termos e conceitos da ciência da computação. Para o autor eles são decisivos para a compreensão das novas mídias. Ele estabelece cinco princípios-chave: representação numérica, modularidade, automação, variabilidade e transcodificação.

Antes de prosseguir com a tese, é preciso entender como esses cinco princípios dizem respeito à natureza das novas mídias:

a) Representação numérica

Para Manovich, todos os elementos das novas mídias são, em última análise, parte de um código digital. Ou seja, são uma representação numérica baseada em 0s e 1s. Por exemplo, quando uma fotografia é digitalizada, todos os seus elementos são convertidos em uma representação binária. Esses “números”, combinados entre si, formam a versão digital da foto.

Então, quando essa mesma foto é exibida em uma tela de computador (ou mesmo de qualquer dispositivo móvel) surge um elemento formado por pixels. O importante é que

191 cada um desses pixels mostrados é o resultado de uma sequência de cálculos feitos pelo computador.

Isso é fácil de ser comporovado. Basta utilizar um programa de edição para alterar essa imagem na tela. É possível mudar a luz, o brilho, tirar a cor, acrescentar um filtro de nitidez. Enfim, cada uma dessas ações basicamente introduz cálculos sobre a posição e as qualidades de cada pixel.

“(...) uma fotografia digital oferece aos seus usuários, muitas possibilidades que seu antecessor não possuía. Por exemplo, uma fotografia digital pode ser rapidamente modificada em inúmeras maneiras, e igualmente combinada com outras imagens. Pode instantaneamente circular pelo mundo e ser compartilhada com outras pessoas, inserida em um documento de texto ou na planta baixa de um projeto em 3D. Além disso, podemos automaticamente (ou seja, executando os algoritmos apropriados). melhorar o contraste, aumentar a nitidez, e até mesmo em algumas situações remover borrões” (MANOVICH, 2008, Pág. 37-38).

A mídia, portanto, se torna manipulável. Mais ainda: a mídia se torna programável.

b) Modularidade

Uma segunda característica das novas mídias é o fato de elas serem compostas de partes relativamente separadas, ou separáveis, entre si. Seus componentes podem ser reorganizados em um número aparentemente infinito de combinações. Para cada elemento existe um código binário que a identifica, uma espécie de DNA do componente (MARTINO, 2013).

Mas esse mesmo DNA permite uma série de recombinações. Esses “códigos iniciais” são combinados em códigos ainda maiores. Essa característica permite as novas mídias terem uma capacidade combinatória de elementos relativamente alta. Graças a essa capacidade é possível, por exemplo, inserir um vídeo em uma apresentação de powerpoint.

Cada elemento, de certa forma, representa um "módulo" no documento. Ou seja, mantém suas próprias características, mas permite ser editado isoladamente. Devido a essa característica, os programas de edição de áudio são capazes de corrigir a trilha da voz do cantor de uma banda de rock sem mexer na euqlização dos demais instrumentos. Esse mesmo raciocínio se aplica aos programas de edição de imagens. Eles baseiam-se no conceito de camada (layer). Cada uma delas pode ser editada em separado.

192 c) Automação

Os dois princípios anteriores – se combinados – produzem um resultado interessante. Tarefas podem ser executadas automaticamente pela máquina. Ela “aprende” com as informações oferecidas pelo usuário.

O exemplo citado por Manovich são os games. Muitos deles possuem uma estrutura modular permite que, a cada nova partida, o jogador faça escolhas completamente diferentes. O computador, por sua vez, fará os cálculos a partir da movimentação do jogador e decidirá, a partir disso, qual módulo usar (MARTINO, 2013).

Justamente essa automação das novas mídias permite a capacidade de antecipar os desejos do indivíduo. De certa maneira, é possível para as novas mídias compreender a rotina de determinado usuário. A partir daí é possível prever – com uma boa margem de acerto - algumas de suas ações futuras. Esse raciocínio é base de assistentes pessoais como o Google Now ou a Siri da Apple.

O Google Now, por exemplo, usa todas as informações para entender qual a melhor das rotas de trânsito para que a pessoa chegue o mais rápido possível em casa, após sair do trabalho. O interessante é que nada disso é feito com a intervenção do usuário. O software sabe em qual o horário a pessoa sai do emprego e manda um aviso com as condições de tráfego.

A automação é também a base para a personalização dos conteúdos. Sem ela, não existiria as ações do algoritmo do Facebook no sentido de selecionar o melhor conteúdo para cada pessoa em sua linha do tempo. Dentro de uma ampla gama de possibilidades (o número de meus amigos), o algoritmo procura selecionar qual ou quais assuntos teriam maior interesse.

É difícil não apostar que a personalização se tornará cada vez mais frequente.

d) Variabilidade

Uma das características das novas mídias é a possibilidade de mudança constante e imediata. A primeira página de um jornal impresso, por exemplo, é uma cápsula. Ela concentra o que de mais relevante – na opinião dos jornalistas – aconteceu durante um período de tempo. Se, ao longo do dia, uma celebridade morrer, isso só será notícia na edição do dia seguinte.

193 Mas na capa de um portal de notícias acontece extamente o contrário. Aqui a velocidade é a regra. Existe um verdadeiro fetiche por velocidade. A atualização é constante de acordo com critérios de importância estabelecidos por cada site.

Essa, aliás, é talvez a maior diferença da Wikipedia para as outras enciclopédias. Sim, a Wikipédia possui erros e lacunas de informação. Porém, a capacidade de correção é muito mais rápida do que em uma enciclopédia escrita papel. Seriam precisos vários anos até que surgisse uma nova edição impressa com a correção do equívoco.

Para Manovich, a variabilidade, qualidade fundamental das novas mídias. Em outras palavras significa que nada está fixo e acabado. É trabalhar com o conceito de beta. É montar o avião em pleno voo. Tudo está potencialmente aberto a mudanças, às vezes, por qualquer pessoa.

Não só isso. Para Manovich, as novas mídias possuem a capacidade de criar "infinitas versões de si mesma", a partir, é claro, de alguns pontos principais.

A variabilidade diz respeito a possibilidade de criar reproduções mais ou menos semelhantes de um mesmo objeto, com alterações em pequenos detalhes. As várias versões de um texto ou de tratamento de uma imagem, por exemplo, se tornam objetos independentes e, de alguma maneira, autônomos.

É fácil exemplificar. Veja-se o caso dos aplicativos de lanterna. Existem inúmeras versões tanto para IOS como para Android. Para cada software pago há – maioria das vezes – uma versão de software livre (Adobe Photoshop e Gimp, por exemplo).

A personalização das interações nas novas mídias provoca para Manovich um interessante efeito colateral. A noção de “permanência” é substituída pela de “fluxo”.

Em uma sociedade pós-industrial, os produtos de massa tendem a ser substituídos pelo produto “personalizado”. Essa opção pode ser um risco na Internet como aponta Pariser (2012).

e) Transcodificação

Esse é um conceito, de certa forma, paradoxal. Em um mundo no qual o computador se espalha por todos os cantos da sociedade, gerando uma “computadorização da mídia”, como organizar essa mesma informação de forma a ser compreendida pelos usuários.

Manovich aponta que a linguagem da cultura humana é traduzida e organizada de acordo com a linguagem da máquina. Mas nem sempre isso é garantia de bons resultados.

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“Por exemplo, “lado cultural” é represetnado pelos elementos reconhecíveis pelos seres humanos: imagens, letras, sons, figuras, interfaces baseadas em objetos reais. Vale notar que a "lixeira" do computador é parecida com uma lixeira física. Todavia, essas informações são armazenadas e trabalhadas a partir da lógica matemática do processador, que representa o “lado do computador”. Cada objeto visível ou audível gerado por computador segue uma detalhada linha de instruções com informações a respeito de duas características como seu tipo, tamanho, uso e assim por diante” (MARTINO, 2013).

Então a transcodificação surge quando, usando o lado cultural, se dá um ordem ao computador. Por exemplo, “abrir um arquivo”. Para que isso aconteça, o usuário vai interagir com a interface gráfica apropriada. Ou seja, uma interface que utilize objetos e elementos do cotidiano.

Mas no “lado do computador” cada comando é traduzido em uma sequência de instruções lógicas. O problema é justamente quando uma delas, por algum motivo, não funciona. Nesse momento, a ordem dada pelo usuário não será cumprida. Em essência o computador falha. O detalhe é que nem sempre consegue é possível ver o que acontece. Muitas vezes, a camada do computador não é visível no lado cultural. Por isso a frustação em não entender o que o código do erro 8000FFFF40 significa no sistema operacional Windows.

Sobre a transcodificação, Manovich detalha outra consequência muito importante. Ambas dimensões (lado cultural e lado do computador) trabalham ao mesmo tempo. Portanto, é possível – e esperado – que existam influências recíprocas. Kerckhove (2009) é ainda mais radical. Para ele, cada mídia, com suas características específicas, afeta diretamente a psicologia humana. As mídias moldam a maneira como nos relacionamos com os outros e com a realidade em geral.

Para Manovich, a lógica das operações de software e do computador, sua organização de dados em listas, instruções, ordens e outros elementos tende a influenciar em alguma medida as produções culturais das novas mídias (MARTINO, 2013).

Portanto, enquanto hoje o conteúdo dessas novas mídias podem muitas vezes ter uma aparência semelhante a dos seus antecessores, não devemos nos deixar enganar por esta semelhança. A novidade não reside no conteúdo, mas em ferramentas de softwares, usados para criar, editar, visualizar, distribuir e compartilhar este conteúdo. Portanto, ao

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Trata-se de um problema comum no Windows Vista. Significa que existem valores de registro no Windows que estão impedindo alguma atualização de ser baixada e instalada.

195 invés de olharmos somente para a parte de fora do software, baseados em práticas culturais, precisamos considerar olhar para o software em si – uma vez que é ele que permite que as pessoas trabalhem com a mídia, de maneira, sem precedentes na história (MANOVICH, 2008, p. 55).

Por exemplo, um aplicativo “to-do-list” segue a lógica de um algoritmo. Os aplicativos nessa linha seguem as características lógico-matemáticas de organização das informações. Ou seja, cumpro uma tarefa e depois passo para a tarefa seguinte.

Essa influência mútua entre os códigos culturais e os códigos do computador ultrapassa as barreiras de qualquer tela. A influência é muito maior e muito mais decisiva. Até mesmo a cultura humana é afetada. Por exemplo, a incorporação de expressões decorrentes do jargão dos computadores como "programar", "deletar", "baixar", seria um exemplo apenas superficial dessa influência (MARTINO, 2012).

Manovich é um dos autores centrais desta tese, pois afirma a importância do estudo dos softwares. Como já foi dito anteriormente, o núcleo do software é o algoritmo. Portanto, seu estudo se torna relevante e atual quando se trata de entender o consumo de notícias em sites de redes sociais. Essa estrutura detalhada por Manovich é capaz de criar todo um novo campo de estudo, os Softwares Studies.