CAPÍTULO 2 | O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória
1. Um documento de referência para o sistema educativo: características e reflexões
1.2. Princípios, Visão e Valores
São 8 os princípios identificados no documento Perfil dos Alunos com o intuito de orientar,
justificar e dar sentido a todas as “ações relacionadas com a execução e a gestão do currículo
na escola, em todas as áreas disciplinares”61:
1. Base humanista: habilitar os jovens com saberes e valores com vista à construção de uma sociedade mais justa e focada na “pessoa, na dignidade humana e na ação
sobre o mundo enquanto bem comum a preservar”62;
2. Saber: desenvolver uma cultura científica, assente num conhecimento sólido, que permita “compreender, tomar decisões e intervir sobre as realidades naturais e
sociais no mundo”63;
3. Aprendizagem: desenvolver a capacidade de aprender e de obter formação ao longo da vida;
60 Perfil dos Alunos, Área de competência do Relacionamento Interpessoal, 25. 61 Ibidem, 9.
62 Ibidem, 13. 63 Ibidem, 13.
4. Inclusão: integrar todos os alunos na escolaridade obrigatória, não obstante a sua diversidade socioeconómica, cultural, cognitiva e motivacional, garantindo assim
um acesso e participação efetivos em todos os contextos educativos, como forma de
promover a equidade e a democracia;
5. Coerência e flexibilidade: gerir de forma flexível o currículo, fomentando o trabalho conjunto de professores e educadores, de forma a explorar diferentes temas e a
contextualizar a realidade no centro das aprendizagens;
6. Adaptabilidade e ousadia: preparar para o imprevisto e o novo, mobilizando competências, atualizando o conhecimento e adaptando-se a novos contextos e
estruturas;
7. Sustentabilidade: estimular a consciência de sustentabilidade, estabelecendo para o efeito relações duradouras e seguras “entre os sistemas social, económico e
tecnológico e o Sistema Terra”, através da inovação política, ética e científica64 e
8. Estabilidade: criar estabilidade e persistir, de forma que o sistema se adeque e produza efeitos, fazendo desse modo face à evolução de qualquer área do saber.
A visão do Perfil dos Alunos pretende destacar o que o aluno, à saída da escolaridade
obrigatória, deve ter adquirido em termos de qualificação individual e cidadania democrática,
nomeadamente65:
a) aplicar múltiplas literacias para “analisar e questionar criticamente a realidade, avaliar e selecionar a informação, formular hipóteses e tomar decisões
fundamentadas no seu dia a dia”;
b) ser “livre, autónomo, responsável e consciente de si próprio e do mundo que o rodeia”;
c) ser capaz de lidar com a mudança e a incerteza num mundo em transformação;
64 Cf. Perfil dos Alunos, 14. 65 Ibidem, 15.
d) reconhecer a importância da oferta conjunta das Artes, Humanidades, Ciência e Tecnologia para a sustentabilidade social, cultural, económica e ambiental de
Portugal e do mundo;
e) pensar de forma crítica, autónoma e criativa, com capacidade de comunicação e com competência para o trabalho colaborativo;
f) continuar a aprendizagem ao longo da vida, como fator decisivo do desenvolvimento pessoal e da intervenção social;
g) conhecer e respeitar os princípios, direitos, garantias e liberdades da sociedade democrática;
h) valorizar o respeito pela dignidade humana, pelo exercício da cidadania plena, pela solidariedade para com os outros, pela diversidade cultural e pelo debate
democrático e
i) rejeitar todas as formas de discriminação e de exclusão social.
Pretende-se desta forma generalizar uma cultura de escola norteada pela assimilação e prática
de um conjunto de princípios éticos, definindo-se para tal cinco “orientações segundo as quais
determinadas crenças, comportamentos e ações são definidos como adequados e desejáveis”.
Tais atitudes e comportamentos deverão estabelecer entre si uma “relação construída entre a
realidade, a personalidade e os fatores de contexto”66.
O Perfil dos Alunos destaca, pois, como valores a encorajar e a “pautar a cultura de escola”67:
1. Responsabilidade e integridade - respeitar-se a si e aos outros; saber agir eticamente, ponderando as ações próprias e alheias em função do bem comum;
2. Excelência e integridade - aspirar ao rigor e superação; ser perseverante perante as dificuldades; ter sensibilidade e ser solidário para com os outros;
66 Cf. Perfil dos Alunos, 9. 67 Ibidem, 17.
3. Curiosidade, reflexão e inovação - querer aprender mais, desenvolver o pensamento reflexivo, procurar novas soluções e aplicações;
4. Cidadania e participação - demonstrar respeito pela diversidade humana e cultural e agir de acordo com os princípios dos direitos humanos; negociar a solução de conflitos
em prol da solidariedade e da sustentabilidade ecológica; ser interventivo e
empreendedor e
5. Liberdade - manifestar a autonomia pessoal centrada nos direitos humanos, na democracia, na cidadania, na equidade, no respeito mútuo, na livre escolha e no bem
comum68.
A proposta de valores para o espaço escolar orienta o trabalho educativo e marca a direção em
que é preciso progredir, contribuindo igualmente para o desenvolvimento dos alunos enquanto
seres humanos.
Se analisarmos os valores escolhidos no Perfil dos Alunos deparamos com uma organização
associativa em patamares. Neles estabelece-se, à primeira vista, uma correspondência interna,
como “responsabilidade e integridade”, “curiosidade, reflexão e inovação”, “excelência e
exigência” que, combinados, serão propiciadores do sucesso individual, atuando também como
ideais a favor do “bem comum”. Os valores da “cidadania e participação” abrangem de forma
generalizada o “respeito pela diversidade humana e cultural”, estando o agir pautado pelos
princípios dos direitos humanos e mencionando-se a capacidade de “ser interventivo e
empreendedor” no contexto da “solidariedade e da sustentabilidade ecológica.”69
Numa escola que se pretende de todos e para todos, não fazer expressa referência e valorizar os
valores do diálogo, da tolerância, da empatia e da paz, não contribui para um desenvolvimento
pleno do aluno enquanto ser relacional, capaz de comunicar, compreender e expressar as suas
68 Cf. Perfil dos Alunos, 17. 69 Ibidem, 17.
emoções com empatia e afetividade. As referências a “ter sensibilidade e ser solidário para com
os outros”, no horizonte dos valores da “excelência e da exigência”, ou o “demonstrar respeito
pela diversidade” no campo da “cidadania e participação”, não explicitam com evidência esta
necessidade imperativa de promover uma cultura de paz e tolerância na escola, partindo de uma
base que é educar para a diferença, aprender a viver na diferença e promover a união na
diferença.70
Segundo Vera Werneck, professora do Curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Católica de Petrópolis, num mundo em constante mudança em que há uma valorização do
“novo”, assiste-se na educação a uma emergência de valores como a inovação, criatividade,
iniciativa e empreendedorismo, em contraposição aos valores da obediência, humildade e
espírito de sacrifício.71 Se no passado “a autoridade, o conformismo, a obediência, tinham a
aprovação de todos, o mundo actual pede autonomia, iniciativa, criatividade, realização pessoal,
competência, expressão emocional, autenticidade, espírito crítico e empatia.”72