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Principais críticas ao modelo neoliberal de livre comércio relacionadas à

CAPÍTULO V DESNACIONALIZAÇÃO E LIVRE COMÉRCIO

2. Principais críticas ao modelo neoliberal de livre comércio relacionadas à

à desnacionalização

Gorender (1998) entende que o pior defeito da política de livre comércio é o fechamento dos postos de trabalho que acompanha o fechamento de indústrias de bens e serviços pouco preparadas para a competição internacional. A liberalização comercial, por conseguinte, geraria uma divisão internacional do trabalho, com implicações no nível de participação de empresas e postos de trabalho nos países envolvidos, quer seja por extinção desses postos em determinado país e a criação de outros em outra nação. Dessa forma, cortar postos de trabalho em determinado lugar para transferi-lo para outro seria apenas uma estratégia empresarial buscando redução de custos e maximização de receitas.

Assim, por exemplo, as companhias de aviação dos Estados Unidos fazem toda a contabilidade do movimento de passageiros, diariamente, em Barbados e na Jamaica, onde os digitadores ganham muito menos e falam inglês. A Nike, grande fabricante mundial de tênis, possui, numa cidade americana, 500 funcionários encarregados de design, marketing, das operações financeiras, da organização de vendas. São funcionários de elevada qualificação, remunerados com padrão salarial elevado. Os protótipos produzidos são enviados a fábricas da Malásia, onde 15 mil assalariados, que constituem em uma das mais baratas mãos-de-obra do planeta, se encarregam da produção material do tênis NIKE.

Na mesma linha de raciocínio, Boesner (1994) argumenta que as “forças de mercado” são na realidade “forças de oligopólios”. Deixar o funcionamento de setores da economia exclusivamente por conta de “forças de mercado” seria renunciar a uma das funções principais do estado em prol da lógica do menor custo possível.

Uma das críticas ao modelo neoliberal se contrapõe ao princípio que o capitalismo não precisa mais do Estado. Coggiola e Santos têm uma linha de pensamento que o capitalismo não deixa de ser intervencionista, ao intervir para defender os interesses do livre mercado a nível interno e ao promover acordos de livre comércio internacionalmente. Coggiola afirma:

Economicamente, e contrariamente à apregoada “ideologia de mercado”, estamos diante de uma violenta reação antiliberal que concretiza a mais violenta intervenção estatal na economia de que se tem memória na história do capitalismo. Apesar de todos os acordos de livre comércio, a realidade mundial é de que um crescimento espetacular do protecionismo (de interesses), expressão da guerra comercial entre as potências capitalistas. Principalmente, porém, e especial e crescentemente desde a declaração de inconversibilidade do dólar pelo EUA, o capitalismo se sustenta graças á intervenção direta no desabamento ulterior do comércio e da indústria (COGGIOLA, 1996: 197).

Nessa mesma linha de raciocínio, Ianni entende que os Estados que implementam uma política neoliberal de livre comércio, na realidade atuam em prol de setores empresariais específicos de suas nações, contestando uma visão de estado não-intervencionista:

Ao contrário do que muitos neoliberais afirmam, os mercados continuam bastante regulados por estados (...) (...) os estados atuam muitas vezes como parceiros de interesses locais, regionais e capitalistas. (IANNI, 1995:105).

Ianni constata ainda que a perda de nítidos limites por parte das economias nacionais ocorreria porque a globalização dos mercados financeiros, a formação

de espaços globais de produção e o avanço do comércio mundial diminuem sobremaneira a capacidade dos Estados controlarem, através de políticas monetárias, fiscais e creditícias, suas economias.

As críticas aos acordos de livre comércio com relação ao setor de serviços parecem estar relacionadas, em sua maior parte, ao receito de empresas transnacionais adquiram o direito de estabelecer “presença comercial” e receber obrigatoriamente o tratamento de “empresa nacional” conforme previsto nas minutas de acordo da ALCA e do Mercosul-União Européia. Além dos serviços financeiros, considerados a base de uma economia nacional, serviços na área de saúde e de educação têm sido repetidamente apontados como de interesse de nações mais desenvolvidas pelos atores políticos e acadêmicos das nações latino americanas.

As condições de estado-investidor prevista do NAFTA, foram objeto de questionamento por parte de estudiosos Mexicanos e Canadenses. Regulamentos ambientais e sobre a saúde no Canadá, Estados Unidos e México já foram contestados com sucesso por empresas do continente, o Capítulo 11 do Acordo é utilizado como amparo legal para ações judiciais em defesa do investimento. Steven Shrybman, perito canadense em comércio legal, criticava:

As normativas do processo estado-investidor do NAFTA nada representam a não ser um afastamento radical das normas legais internas e internacionais em, pelo menos, três modos fundamentais. Primeiro, concedendo às empresas o direito de execução obrigatória direta de um tratado internacional no qual não são partes nem possuem quaisquer obrigações. Segundo, estendendo a arbitragem comercial internacional a reclamações que nada tem a ver com contratos comerciais e tudo a ver com política e lei pública. Terceiro, criando direitos legais essenciais – referentes à expropriação e ao tratamento nacional que estão bastante acima dos que estão disponíveis para os cidadãos ou as firmas locais (BARLOW, 2001).

Outras críticas refletem que, ao ampliar e aprofundar a integração, foram fortalecidos os vínculos da economia mexicana com o ciclo econômico dos Estados Unidos, gerando maior dependência do México em relação à potência

econômica. Recrudesceu o conflito de interesses entre o público e o privado, na medida em que o Estado se colocou ainda mais ao serviço das grandes empresas exportadoras. Subordinou as políticas fiscal, monetária e financeira do México às exigências dos Estados Unidos.

De fato, pode afirmar-se que o México ficou sem estas políticas ou com sua capacidade de promovê-la limitada, que são indispensáveis para impulsionar o crescimento e o desenvolvimento. O NAFTA não teve um período de preparação que permitisse reduzir as enormes desigualdades ("assimetrias", na linguagem da teoria econômica liberal) existentes entre o México por um lado e os Estados Unidos e o Canadá pelo outro. Também não se desenharam os instrumentos necessários, nem se estabeleceram os tempos mais convenientes para alcançar os seus objetivos.

Nem sequer se aproveitou cabalmente os benefícios que proporciona uma adequada zona de comércio livre de segunda geração (que envolve o livre comércio de serviços), pois os Estados Unidos levantaram barreiras não comerciais nos setores em que o México é competitivo, como a produção de aço, cimento, vidro, atum, abacate e outros.

Em termos gerais, do ponto de vista produtivo – que é o mais importante – o NAFTA contribuiu, decisivamente, para a desvinculação do setor exportador do resto da economia. Isto foi acompanhado por um grande debilitamento do mercado interno.

Não se estabeleceram "critérios de desempenho" aos capitais estrangeiros que ingressavam como IED, na economia mexicana, quer dizer: medidas regulamentares e orientadoras do investimento, como a obrigação de provimento de determinada porcentagem de fornecimentos e serviços nacionais, equilíbrios comerciais ou de divisas, transferência de tecnologia e permanência mínima, entre outros.

Um setor estratégico para impulsionar o desenvolvimento econômico – como é o setor de serviços financeiros – foi liberalizado, inclusive de forma mais

acelerada que os compromissos assumidos no NAFTA. Deste modo, o financiamento interno foi entregue, em quase 90%, às decisões e taxas de juro da banca estrangeira.

No Brasil, as principais críticas reforçam o receito de desnacionalização e desemprego. Gonçalves argumenta que no processo de abertura comercial implementado no governo Fernando Henrique Cardoso, os processos de desestatização e desnacionalização ocorreram quase que simultaneamente, na medida em que grande parte dos investidores que compraram as empresas estatais privatizadas tinha capital de origem externa:

(...) no governo FHC é que se constata, pela primeira vez na história econômica recente do país, um nítido e forte processo de desnacionalização, que vem acompanhado da perda de posição relativa, tanto das empresas estatais quanto das empresas privadas nacionais. Esse tipo de processo de desnacionalização é inusitado, pois envolve o enfraquecimento generalizado dos blocos de capitais nacionais - privado e estatal (GONÇALVES, 1999:134).

A Seção Brasileira do Foro Consultivo Econômico-Social do Mercosul divulgou manifestação empresarial brasileira que atesta pontos de preocupação com as negociações de acordos de livre comércio com a América do Norte na ALCA:

1. os setores produtivos não estão suficientemente preparados para enfrentar uma competição totalmente aberta com os Estados Unidos e Canadá, mesmo a médio prazo;

2. os diversos ajustes nas economias domésticas ainda não se consolidaram, sendo que, alguns deles – importantíssimos – sequer foram iniciados, com a reforma tributária brasileira;

3. inúmeros setores necessitam testar suas próprias potencialidades, primeiramente no Mercosul;

4. esse bloco necessita de mais tempo para harmonizar diversos mecanismos essenciais ao funcionamento de um regime de união aduaneira (LAVIOLA, 2004).

O empresário Emílio Odebrecht, presidente de um dos maiores grupos privados nacionais, externava seus receios frente às conseqüências de processos de desnacionalização no Brasil:

Entendo a desnacionalização dos sistemas produtivos dos países em desenvolvimento mais como uma questão política do que como uma questão econômica. Sua principal conseqüência de curto prazo é a mudança dos centros decisórios para pontos do planeta onde não estão em pauta nossos problemas específicos. Entretanto, o maior problema de uma ampla desnacionalização dos setores produtivos está no longo prazo.

E os grandes grupos internacionais têm raízes, têm origens e têm suas principais bases político-estratégicas onde estão seus principais acionistas e onde se concentra sua principal força político-estratégica. Como as aves migratórias, saberão voltar ao local de abrigo de seus interesses principais, de seus compromissos históricos – tão logo as condições de permanência lhes apareçam desvantajosas.

Santos reforçava esta preocupação dos empresários mesmo em processos de adaptação competitiva dentro do Mercosul:

Há segmentos empresariais insatisfeitos com certas práticas setoriais, por não ter sido reservado o tempo necessário ou o apoio à adaptação de atividades atingidas pela rápida mudança nas condições de concorrência (SANTOS, 1994:34).

Setores políticos de esquerda no Brasil, classificaram o NAFTA como um espécie de avant premier do que viria a ser a ALCA, mais tarde proposta pelos Estados Unidos, entendendo como desfavorável para os interesses nacionais e manifestaram seu desagrado. Borges também refletia esse pensamento:

(...) hoje é até um contra-senso falar em economia mexicana. Bastante emblemático desta regressão colonial é que o atual presidente do país, Vicente Fox, foi gerente da ianque Coca-Cola. E os golpes não param de se suceder. No primeiro semestre de 2001, o CITIBANK comprou, por US$ 12,5 bilhões, o segundo maior banco do país, o BANAMEX. Atualmente, 83% do sistema financeiro está em mãos de bancos estrangeiros, na

maioria dos EUA. A desnacionalização atingiu o seu cume com o "entrega" da companhia de petróleo nacional, PEMEX, que hoje serve como fiadora dos empréstimos feitos pelos EUA durante a crise de 1994 (BORGES, 2002).

As principais críticas ao acordo definiam que o México ficou mais dependente, endividado e vulnerável à volatilidade do capital internacional. Nas palavras do sociólogo brasileiro Emir Sader:

(...) ao acoplar seu destino ao dos EUA, aderindo ao NAFTA, o México ficou totalmente submetido ao destino do seu vizinho do norte. Depois da crise de 1994, o país pegou carona no ciclo expansivo da economia norte- americana, recuperou seus índices gerais a tal ponto que tem 90% do seu comércio exterior com os EUA. Seria normal, portanto, que qualquer espirro ao norte do Rio Grande trouxesse graves complicações para a margem de baixo do Rio Grande. Na segunda parte dos anos 90, o México foi apresentado como modelo por parte dos organismos financeiros internacionais - funcionando como espécie de carta de apresentação para a ALCA. Hoje, o México ameaça transformar-se em sua antítese: o novo epicentro de crise social aberta das Américas, ou seja, uma carta negativa de apresentação da ALCA. 35

No Canadá, as principais críticas referem-se à perda da identidade Canadense como estado nacional. Os cidadãos Canadenses já não se identificam como tal, consomem produtos norte americanos, vêem filmes e parecem que cada vez mais absorveram a cultura ianque. A exceção de Quebec, província franco- fônica, todas as demais províncias parecem estar perdendo algum tipo de identidade.

A associação do Canadá com os Estados Unidos também tem sido objeto de críticas contundentes de setores empresariais que parecem estar desaparecendo. Segundo Vaillancourt (2005), a vinculação da economia canadense aos Estados Unidos contribuiu para o enfraquecimento do mercado interno daquele país.

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No Chile, que adotou uma política de celebração ampla de acordos bilaterais de livre comércio, as principais críticas vêem de setores oposicionistas mais a esquerda que entendem que a forte política de liberalização comercial vem prejudicando a indústria nacional, principalmente de serviços, fomentando a desnacionalização de empresas e de postos de trabalho.

Na Argentina, o ex-presidente argentino Eduardo Duhalde, ao se despedir do cargo simbólico de presidente do Mercosul em Dezembro de 200536, afirmava que “a discussão sobre a ALCA é uma discussão estúpida", indicando que o que está sendo proposto na prática é uma "associação" e não uma "integração”. 37

Interessante observar, ainda, que a preocupação acerca de desnacionalização não é exclusiva de países em desenvolvimento, muito pelo contrário. Em Janeiro de 2005, um decreto presidencial francês dava ao governo o direito de vetar desnacionalizações de companhias francesas. O governo francês decidiu proteger 11 setores da economia contra aquisições por empresas estrangeiras (MOREIRA, 2005).