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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 288 5.1 Síntese das pesquisas

1.4 Principais definições para a pesquisa

No concernente às definições adotadas, deve-se estabelecer, em especial, duas ordens ou grupos de elementos: a primeira consistente na diferenciação entre rio, bacia hidrográfica, bacia de drenagem e aquífero; e a segunda na diferenciação entre recursos hídricos, água e saneamento básico e saneamento. Não é o momento adequado para se discutir acerca da natureza jurídica das águas, mas apenas de se considerar algumas definições importantes.

Em relação ao primeiro grupo, há uma relação histórica dessa diferenciação, em virtude da busca de definições no cenário internacional. No cenário internacional, a primeira instância objeto de desenvolvimento pelo Direito foram os rios, já nos idos do século XIX, em virtude de a principal preocupação ser a navegação (SOLA, 2015, p. 65).

Os cursos d’água são gênero do qual os rios se diferenciam por serem superficiais. Para os propósitos da pesquisa, a classificação dos cursos d’água superficiais segundo sua vazão volumétrica (córrego, riacho etc.) é irrelevante. Ademais, os cursos d’água também são uma espécie, do gênero corpos d’água ou corpos hídricos, diferenciando-se de outras modalidades pelo caráter de correnteza. Para as organizações internacionais do sistema onusiano, um rio é considerado um curso d’água importante, que drena naturalmente uma bacia (WMO; UNESCO, 2012, p. 290).

Entre outros critérios, os rios podem diferenciar-se quanto à sua localização geográfica entre rios nacionais e rios internacionais. Os rios nacionais são aqueles cujo percurso encontre- se integralmente no território de um único país. Rio internacional já designa o que atravessa ou serve de fronteira para pelo menos dois territórios de Estados distintos (SOLA, 2015, p. 65). Os próprios rios nacionais podem se subdividir pelo mesmo critério geográfico, como faz a Constituição brasileira, que diferencia os rios interestaduais dos rios estaduais, no caso de o rio banhar mais de um Estado federado (BRASIL, 1988, online).

Os rios internacionais também podem se diferenciar em termos geográficos, quanto à forma de integração entre os países. Nesse sentido, os rios internacionais podem ser considerados sucessivos, quando atravessam os territórios nacionais, dividindo-os internamente, ou limítrofes, contíguos ou de fronteira, quando estabelecem elas mesmas a divisa política entre os Estados (SOLA, 2015, p. 65). A Convenção de Viena, em 1815, já tratava de definir rios internacionais e diferenciá-los por esse critério, no artigo 108, quando afirma que as nações soberanas cujos estados sejam separados ou cortados pelo mesmo rio navegável devem disciplinar por acordo comum tudo que diga respeito à respectiva navegação (CONGRÈS DE VIENNE, 1816, p. 72)1. A Constituição de 1988, embora incluindo-os na mesma regra, distingue ambas as modalidades, utilizando termos diferentes, a saber, os que “sirvam de limites com outros países” e os que “se estendam a território estrangeiro ou dele provenham” (BRASIL, 1988, online). Vale ressaltar, nada obstante a distinção, a natureza híbrida dos grandes rios internacionais, pois a natureza nem aos limites impostos pelas definições se submete (REZEK, 2010, p. 336).

Quanto à sua constituição, é possível imaginar diversas formas de definir os rios. Dada a definição metodológica da presente pesquisa, prefere-se um conceito que possa ser suficientemente abrangente sem descaracterizar a identidade. Numa primeira perspectiva, considerar-se-ia apenas as águas que formam a corrente, das nascentes e seus tributários até o estuário; no entanto, tais elementos são insuficientes para uma compreensão minimamente complexa. Num segundo momento, deve-se incluir o leito do rio, já que o leito demarca a própria forma pela qual a água percorre o território, e envolve outras características, como a navegabilidade. Em terceiro plano, devem-se considerar os aspectos ambientais relacionados ao rio, como os terrenos marginais e a vegetação que o acompanha e os recursos vivos e não- vivos que marcam a água e seu leito; aqui releva de importância a classificação dos tipos de corpos hídricos. Em uma dimensão mais ampla de proteção ambiental, deve-se contemplar, para a integração dos rios, a atmosfera imediatamente adjacente aos elementos anteriores, que estabelece um microclima particular para o rio, e as fontes das quais fazem brotar as nascentes, como a vegetação das nascentes e as geleiras.

A definição de bacia hidrográfica se implementa no cenário internacional a partir de meados do século XX, especialmente em virtude dos trabalhos da International Law

1 “Article 108.

Les Puissances dont les États sont séparés ou traversés par une même rivière navigable, s’engagent à régler d’un commun accord tout ce qui a rapport à la navigation de cette rivière. Elles nommeront, à cet effet, des commissaires qui se réuniront au plus tard six mois après la fin du Congrès, et qui prendront pour bases de leurs travaux les principes établis dans les articles suivants.”

Association (ILA). Na Conferência de Nova Iorque, de 1958, aprovou-se uma resolução sobre os usos das águas de rios internacionais, estipulando-se, logo no primeiro princípio, que um sistema de rios e lagos numa bacia de drenagem deveria ser tratado como um todo integrado; nos comentários ao dispositivo convencional, remete-se à necessidade de se considerar a interdependência de todos os aspectos hidrológicos e demográficos de uma bacia (ILA, 1958, p. ix)2.

Aponta-se, ainda, que a denominação bacia hidrográfica e sua determinação como uma unidade de planejamento da gestão de águas teria sido definido em 1966, com a aprovação das Regras de Helsinque, pela mesma ILA (NORONHA, 2016, p. 201). Todavia, na verdade, as Regras de Helsinque estabelecem a definição de bacia de drenagem internacional, como a área geográfica que cobre dois ou mais estados, envolvendo águas superficiais e subterrâneas, desembocando num ponto final comum (YAHN FILHO, 2005, p. 2), conforme de fato estabelece o art. II3 (ILA, 1966).

Há quem diferencie a bacia hidrográfica da bacia de drenagem, sustentando-se que esta seria mais ampla que aquela, porque a bacia hidrográfica contemplaria tão-somente as águas superficiais, enquanto a bacia de drenagem incluiria as águas subterrâneas (VILLELA, 1984, p. 156). Contudo, parece se tratar, senão inadequada, de uma diferenciação irrelevante, razão pela qual os termos serão considerados indistintamente, dando-se preferência ao uso da denominação bacia hidrográfica.

Espécie do gênero águas subterrâneas, os aquíferos compõem-se de significativos reservatórios de água no subsolo, que penetra em solos porosos para a formação de cisternas naturais ao encontrar um maciço impermeável (NORONHA, 2016, p. 202). Nos termos do art. 1º, III, da Resolução nº 15, de 11 de janeiro de 2001, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), aquífero corresponde a todo “corpo hidrogeológico com capacidade de acumular e transmitir água através dos seus poros, fissuras ou espaços resultantes da dissolução e carreamento de materiais rochosos” (CNRH, 2011, online). De acordo com o art. 2 (a) da Resolução nº 63/124, da Assembleia Geral das Nações Unidas4, que aprovou o rascunho da lei

2 “Agreed Principles of International Law

1. A system of rivers and lakes in a drainage basin should be treated as an integrated whole (and not piece- meal).

Comment: Until now international law has for the most part been concerned with surface waters although there are some precedents having to do with underground waters. It may be necessary to consider the interdependence of all hydrological and demographic features of a drainage basin.”

3 “Article II

An international drainage basin is a geographical area extending over two or more States determined by the watershed limits of the system of waters, including surface and underground waters, flowing into a common terminus.”

de aquíferos transfronteiriços, aquífero é a formação geológica permeável e armazenadora de água (equífora), revestida por uma camada menos permeável, e a água contida na zona saturada de formação (UN, 2008, online).

São elementos comuns em aquíferos a presença de uma zona saturada, em que a água encontra-se acumulada, e uma zona insaturada, na qual, embora haja presença de água, ainda não foi alcançado o pleno armazenamento. Além disso, um aquífero geralmente possui zonas de recarga, onde ocorrem as infiltrações a partir da superfície, e zonas de descarga, nas quais o corpo d’água alcança o nível de profundidade do aquífero e, dessa forma é por ele alimentado. Aquíferos localizados em áreas litorâneas também realizam descargas para o mar, bem como sofrem interações salinas com a água do mar (MIDÕES; FERNANDES; COSTA, 2001, p. 15).

Em termos gerais, os aquíferos classificam-se em confinados e não confinados, dependendo de as águas estarem ou não abaixo de uma camada geológica com baixa permeabilidade. Os aquíferos geralmente fazem parte do ciclo hidrológico de uma bacia hidrográfica, sendo componente desta, e diferenciam-se dos rios por serem águas subterrâneas. Em termos de gestão, considera-se para efeitos de identificação de uma unidade de planejamento o conjunto de aquíferos integrados em unidades permo-porosas contíguas, falando-se, assim, em sistema aquífero, entendido como um conjunto de dois ou mais aquíferos hidraulicamente conectados, nos termos do art. 2 (b) da Resolução nº 63/124 da Assembleia Geral das Nações Unidas5.

Em todas essas modalidades, a designação internacional equivale a transfronteiriço, já que por este conceito se busca incluir as águas que ultrapassam as fronteiras políticas. A preferência internacional pelo uso do conceito de bacia teria sua razão pelos impactos na determinação da responsabilidade dos Estados ribeirinhos localizados à montante, em rios afluentes (NORONHA, 2016, p. 201).

Quanto ao segundo grupo de conceitos, cabe inicialmente assinalar que a noção de água é extremamente vaga, já que vários significados poderiam ser atribuídos. Para os efeitos desta pesquisa, utiliza-se água em basicamente dois sentidos, um sentido mais amplo e um mais específico. Em sentido amplo, remete-se à água no seu sentido ordinário, a substância solúvel no estado líquido, composta majoritariamente por hidrogênio e oxigênio, independentemente de suas condições físico-químicas, responsável pela manutenção da vida no planeta. Em sentido

Use of terms

For the purposes of the present articles:

(a) ‘aquifer’ means a permeable water bearing geological formation underlain by a less permeable layer and the water contained in the saturated zone of the formation;”

mais específico, remete-se à água doce, seja em condições de potabilidade ou em seu estado bruto, mas em condições de potabilidade tecnologicamente acessíveis.

A utilização da expressão recursos hídricos remete à adotada pela legislação. Inegavelmente, trata-se de uma visão econômica a respeito das águas. Pode-se definir recursos hídricos como a parcela de água potável acessível à humanidade segundo a tecnologia atualmente disponível e a custos acessíveis com seus usos (PEREIRA JÚNIOR, 2004, p. 3). Um sentido mais específico para recursos hídricos remete às próprias fontes de água bruta suscetíveis à outorga do direito de uso, potáveis ou não, doces, salobras ou até mesmo salgadas, mas ficam excluídas da definição as águas marítimas, para as quais a legislação não previu a necessidade de outorga.

Saneamento básico possui um conceito legal. De acordo com a Lei de Diretrizes Nacionais do Saneamento Básico (LNSB), instituída pela Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, saneamento básico corresponde ao conjunto de serviços e infraestruturas referentes a quatro serviços públicos integrados: abastecimento de água – que inclui os serviços de captação de água, derivação, transporte, tratamento para as condições de potabilidade e distribuição até as ligações prediais –, esgotamento sanitário – que inclui os serviços de coleta nas instalações prediais, transporte, tratamento para as condições ambientalmente seguras e disposição final –, manejo de resíduos sólidos e limpeza urbana – que inclui, além da varrição e capina das vias públicas e praças, a coleta de resíduos oriundos de fontes domésticas e outros resíduos ordinários, transporte e transbordo, tratamento, que inclui triagem, reuso, reciclagem, compostagem e incineração, e a destinação final nos aterros sanitários –, e drenagem urbana e manejo de águas pluviais urbanas – que envolve uma série de mecanismos para transporte, detenção e retenção para suportar vazões das cheias, tratamento e disposição final de águas pluviais (art. 3º, I).

Distingue-se o saneamento básico de saneamento ambiental. Com efeito, o saneamento ambiental é um conceito mais amplo, incluindo, além dos serviços acima listados e ações sanitárias e ambientais decorrentes, remetendo à noção de salubridade ambiental, controle de doenças e proteção do solo (FUNASA, 2015, p. 19).

No entanto, utiliza-se também a expressão saneamento, que conduz um sentido mais específico. As normas internacionais de direitos humanos aludem à expressão água e saneamento, atribuindo ao saneamento apenas as infraestruturas e serviços de esgotamento sanitário. Quando utilizada a expressão saneamento básico, remete-se à legislação federal, incluindo o conjunto daqueles serviços, e em especial o abastecimento de água e o esgotamento sanitário; quando utilizada a expressão água e saneamento, expressão que se utilizará com

preferência nesta tese, a remissão se faz para ao direito internacional dos direitos humanos, referenciando também abastecimento de água e esgotamento sanitário.