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Parte II – Projetos Desenvolvidos

1. Interações de Fármacos com Contracetivos Orais – Projeto de Formação da

1.5. Principais interações

Tendo em conta os mecanismos supramencionados, através dos quais estes fármacos são metabolizados, e a elevada variabilidade de substância ativas presentes nos CO, será de prever que fármacos que interfiram com a absorção, conjugação, enzimas metabolizadoras ou em qualquer outro aspeto que em última instância modifique as concentrações e a clearance dos estrogénios e progestagénios, possam potenciar ou reduzir o seu efeito contracetivo.

As interferências a nível enzimático, quer por inibição quer por indução da CYP450, manifestam-se mais com os estrogénios, face aos progestagénios.50,51

Atendendo à elevada variabilidade entre indivíduos, no que toca aos fenómenos de metabolização de fármacos, torna-se algo difícil de prever exatamente de que forma se farão sentir estas interações. Neste sentido, para além do conhecimento científico a nível de interações, é importante atuar, em contexto de atendimento, no sentido de alertar o utente, sem alarmar ou desencorajar a terapêutica farmacológica.

Para apresentar à equipa, selecionei as interações que, após pesquisa, se revelaram mais importantes no âmbito da farmácia comunitária e em que o farmacêutico pudesse mais facilmente ter uma intervenção de relevo.

1.5.1. Interferência com o efeito contracetivo 1.5.1.1. Alterações a nível da absorção

A ocorrência de vómitos ou diarreia são situação que podem comprometer a ação dos CO, por interferirem com a absorção e motilidade no trato gastrointestinal, podendo ou não ser secundários à utilização de fármacos.52 Se ocorrerem vómitos até três horas após a

toma ou diarreia por um período não superior a 24 horas, a toma pode ser repetida. No entanto, por precaução, nos ciclos em que ocorra alguma destas situações, deve ser utilizado um método contracetivo adicional, preferencialmente de barreira.52

O carvão ativado é adsorvente e capaz de reduzir a absorção de substâncias, sendo por isso utilizado no tratamento de intoxicações.53 Está também presente em suplementos alimentares de venda livre, pelo que, para assegurar que não há redução do efeito contracetivo, o farmacêutico deve aconselhar que a toma de suplementos que contenham carvão ativado seja espaçada três horas após ou até 12 horas antes da toma do CO.54

1.5.1.2. Interferências a nível da metabolização 1.5.1.2.1. Indutores enzimáticos

O mecanismo pelo qual ocorrem interações entre contracetivos e fármacos com capacidade de indução enzimática é partilhado pelas várias classes de fármacos a que estes indutores possam pertencer. Os indutores enzimáticos têm a capacidade de aumentar a expressão da CYP450, aumentando, consequentemente, a metabolização dos CO e diminuindo as concentrações sanguíneas atingidas, que se refletem num efeito contracetivo ineficaz. Alguns indutores estão associados à indução de isoformas específicas da CYP450, o que explica possíveis diferenças que possam causar a nível de concentrações sanguíneas e clearance.

Várias classes de fármacos possuem estas caraterísticas e podem ser alvo de interação com CO, com é o caso dos antibióticos, dos antiepiléticos e de plantas de utilização medicinal.

Dentro da classe dos antibióticos, apenas os fármacos derivados da rifampicina têm interação comprovada com CO por indução da CYP450, os restantes não provocam qualquer alteração na AUC do EE ou dos progestagénios.49, 50, 52, 55 A utilização concomitante é desaconselhada, pelo que o farmacêutico deve aconselhar a utilização de um método contracetivo alternativo.52

Os antiepiléticos possuem um mecanismo de interação adicional com CO, uma vez que competem entre si pela glicoproteína P, o transportador responsável pelo transporte destes fármacos do lúmen intestinal para a circulação hepática.51 São alvo de interação a carbamazepina, a fenitoína, o fenobarbital, a oxcarbazepina e o topiramato, em doses superiores a 200 mg por dia. 50, 51, 52, 56, 57 A lamotrigina tem um efeito curioso, na medida em que não influencia os níveis sanguíneos nem o metabolismo dos estrogénios, tendo influência apenas sobre os progestagénios.51, 52, 57 Com o felbamato acontece algo semelhante, com maior redução dos níveis de progestagénios face aos estrogénios.50, 57 A OMS desaconselha a utilização de antiepiléticos com CO, que resulta em doses subterapêuticas de ambas as classes. Por isso, deve ser

aconselhado outro método contracetivo às mulheres que façam terapêutica anticonvulsivante com algum dos fármacos listados.51, 52

O hipericão de são joão é uma planta de utilização medicinal, utilizada por autorrecreação em infusões pelas suas propriedades antidepressivas. É um forte indutor da CYP3A4, vai induzir o metabolismo dos contracetivos e diminuir a sua eficácia. 50, 52, 58, 59 O farmacêutico deve aconselhar às utentes que utilizem CO a cessação da utilização de hipericão de são joão ou a utilização de um método contracetivo alternativo.52

1.5.1.2.2. Inibidores enzimáticos

Os antifúngicos azóis, como o fluconazol, têm capacidade inibidora da CYP450.50, 60 O fluconazol é um potente inibidor da isoforma CYP2C9, refletindo-se a toma concomitante destes com CO não num aumento de eficácia contracetiva, mas sim numa possível exacerbação dos efeitos adversos dos CO.52, 60 A utilização deve ser feita com precaução e o farmacêutico deve alertar a utente para esta possibilidade, reforçando a adesão à terapêutica e encorajando a vigilância de sintomas, especialmente no início, alteração de esquema ou cessação de tratamento.60

1.5.2. Interferência com o efeito farmacológico 1.5.2.1. Fármacos com eficácia diminuída

Os esteroides contracetivos aumentam fatores de coagulação, como o fibrinogénio, a protrombina e os fatores VII e VIII, de forma proporcional à dose administrada.61, 62 Desta forma, anticoagulantes antagonistas da vitamina K, como a varfarina, terão a sua eficácia diminuída se administrados concomitantemente com CO, vendo aumentado o risco de tromboembolismo.61, 62, 63 O problema desta interação reside no facto de a varfarina ser já, por si só, um fármaco cujo tratamento requer ajustes periódicos na dosagem e grande controlo e de os CO produzirem efeitos algo imprevisíveis na atividade coagulante.62 Como tal, a utilização de CO como método contracetivo em utentes que realizem terapia com varfarina deve ser evitada.62 O farmacêutico deve referenciar o utente para o médico, para que este possa avaliar cuidadosamente a situação e ponderar a alteração do anticoagulante ou aconselhar um método contracetivo alternativo. 62, 63

1.5.2.2. Fármacos com efeito potenciado

Os CO têm interação demonstrada com a prednisona e prednisolona por aumento da transcortina, proteína responsável pelo transporte de corticosteroides no sangue, induzida pelos estrogénios.64, 65, 66 Este aumento traduz-se numa diminuição do metabolismo e clearance dos corticosteroides, podendo exacerbar-se os efeitos adversos associados à toma de corticosteroides, sendo necessárias doses menores para se atingir o efeito terapêutico desejado.64, 65, 67 Neste sentido, a utilização deve ser feita com precaução, acompanhada de uma monitorização regular para eventuais ajustes de dose,

e a utente deve ser alertada para vigilância de possíveis efeitos adversos, com especial atenção à introdução da terapêutica.64, 65, 67

Alguns imunossupressores interagem com CO por inibição competitiva a nível do metabolismo pela CYP450 3A4, via da qual os esteroides contracetivos são também substratos.68, 69 A toma simultânea de ciclosporina com CO constitui um risco aumentado de nefro, neuro e hepatoxicidade, mediadas pela ciclosporina.52, 68, 69 Neste sentido, se a utente estiver disposta, deve interromper a CO e optar por um método de contraceção não hormonal; caso tal não se verifique, deve ser monitorizada com regularidade, em termos de níveis indicadores de função hepática e renal, e estar alerta para sintomas que possam indicar ocorrência de efeitos adversos, os quais deve comunicar de imediato ao médico.68

Os esteroides contracetivos são substrato de metabolização de algumas enzimas que participam da via das metilxantinas, via pela qual são metabolizados broncodilatadores como a aminofilina.70 Por competição entre as duas classes para as enzimas microssomais hepáticas desta via metabólica, a clearance da teofilina vai estar diminuída,52, 70, 71, 72 pelo que é aconselhada precaução na sua combinação, monitorização regular para ajuste de dose e vigilância ativa de sintomas que possam constituir efeitos adversos.72

Por interferência com efeito de primeira passagem, os CO aumentam concentrações sanguíneas dos bloqueadores beta e estudos demonstram que esta interação possui relevância clínica no caso de fármacos como o propranolol e metoprolol.73, 74, 75 Este aumento pode ocasionar descontrolo do ritmo cardíaco e dos níveis de pressão arterial, pelo que estes valores devem ser monitorizados com mais frequência em utentes que façam toma concomitante de CO com estes fármacos, procedendo aos ajustes de dose necessários. O farmacêutico deve alertar a utente para esta situação e encorajar vigilância de sintomas.73, 74, 75

A selegilina, um inibidor seletivo da MAO-B, têm também interação demonstrada com CO.52, 76 A toma concomitante resulta num aumento da biodisponibilidade da selegilina, por inibição competitiva da CYP450 3A4 pelos CO. Este aumento das concentrações resulta numa redução da seletividade do fármaco para a MAO-B, potenciando o risco de toxicidade e ocorrência de efeitos adversos.52, 76 A utilização simultânea é desaconselhada, mas caso a utente pretenda prosseguir com a toma de ambos, deve haver monitorização das concentrações e ajustes da dose, a utente ser alertada para a vigilância de sintomas que possam indicar toxicidade e, por precaução, aconselhada a restringir alimentos ricos em tiramina da dieta, como queijos, bebidas alcoólicas, pães e outros produtos alvo de fermentação.52, 76

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