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CAPÍTULO 4 – VALORAÇÃO AMBIENTAL

4.4 Abordagem pelas Experiências de Escolha Discreta

4.4.4 Principais Limitações

Paralelamente ao desenvolvimento de técnicas que permitem valorar bens de não mercado, têm surgido controvérsias sobre os métodos de valoração e mais amplamente sobre a aplicação da teoria económica neoclássica, no que diz respeito à credibilidade da informação fornecida, num contexto de complexidade.

Nos domínios, por exemplo, da economia comportamental, da ecologia, ou da psicologia argumenta-se a favor da necessidade de uma análise interdisciplinar de questões complexas, onde se inserem as questões ambientais. A economia comportamental, que tem sido desenvolvida em consonância com a área da psicologia, tenta evidenciar ainda que o comportamento humano pode desviar-se do modelo de escolha racional (Robinson e Hammitt, 2011). A economia comportamental tem desafiado (inicialmente Kahneman, Tversky e Thaler, em finais dos anos 70 e inícios dos anos 8022) a economia neoclássica, cujos princípios assentam na teoria da utilidade

esperada.

No âmbito das limitações e críticas apontadas aos métodos de valoração, nomeadamente, às experiências de escolha, é referida a complexidade de escolha que poderá influenciar o comportamento do inquirido e desta forma as estimativas das

22 Kahneman e Tversky (1979) desenvolveram a teoria da perspetiva, prospect theory, como sendo uma

teoria de escolha alternativa à teoria da utilidade esperada (formulada inicialmente por von Neumann e Morgenstern, em meados dos anos 40 Robinson e Hammitt, 2011)), onde o valor é atribuído a ganhos e perdas e não a resultados finais de riqueza ou bem-estar.

92 medidas de bem-estar. De acordo com Hanley et al. (2001), a desvantagem principal das abordagens de modelação de escolhas assenta na dificuldade cognitiva associada a escolhas múltiplas complexas entre alternativas com vários atributos e níveis. Existe um limite para a informação que os respondentes podem tratar durante a decisão, demasiada informação provoca, provavelmente, dificuldades de assimilação. Na mesma linha de pensamento, Atkinson e Mourato (2008) referem a dificuldade cognitiva como possível causa de efeitos de fadiga e do uso de heurísticas ou regras simplificadoras para facilitar a tarefa de escolha. À medida que a complexidade de escolha aumenta, o recurso a heurísticas pode ser crescente com o objetivo de reduzir a carga cognitiva (Watson et al., 2004). Consequentemente, e no entender de Atkinson e Mourato (2008), a variância dos valores estimados pode aumentar, podem ocorrer erros aleatórios nas escolhas e respostas inconsistentes ou irracionais. Estas heurísticas conduzem a soluções suficientemente boas, embora não necessariamente ótimas, ou seja, a escolha baseia-se num princípio de satisfação e não de maximização da utilidade (Hanley et al.,2001). No entender de Robinson e Hammitt (2011), os indivíduos podem ter uma capacidade limitada para processar a informação e, portanto nem sempre resolvem os problemas otimamente. O tema da racionalidade limitada tem subjacente a ideia de que os indivíduos podem tomar decisões de acordo com regras simplificadoras (heurísticas) (Simon, 1990). As heurísticas associadas à dificuldade de escolha, por norma, incluem ordens lexicográficas23 (Hanley et al.,2001), que no caso de experiências de escolha,

resultam em ordens lexicográficas dos atributos. Nas experiências de escolha, uma heurística provável de ser identificada é a tendência de se ignorar um ou mais atributos (Hole et al., 2013). Verificada esta tendência, estamos perante o impedimento de realizar trade-offs entre todos os atributos e perante a aplicação de ordem lexicográfica. Segundo Payne et al. (1999), os indivíduos baseiam-se em heurísticas não compensatórias de decisão para minimizar a carga cognitiva de tarefas exigentes. Watson et al. (2004), ao investigar a hipótese de decisão compensatória pela análise de trade-offs entre atributos nas escolhas, concluíram que mais de metade dos inquiridos escolheu de acordo com o melhor nível de um dado atributo, exibindo preferências não

23 Modelos com preferências lexicográficas indicam o procedimento utilizado para ordenar as palavras no

dicionário. As ações são classificadas, numa primeira etapa, de acordo com um primeiro critério, de seguida, se ocorrerem ações equivalentes serão ordenadas pelo segundo critério e assim sucessivamente. A avaliação de critérios não é considerada em simultâneo, logo este processo não é compensatório (Munda, 2008).

93 compensatórias. De acordo com os autores, as características socioeconómicas e a dificuldade de escolha inerente à tarefa tiveram influência. Nesta linha de pensamento, Marre et al. (2015) e Scarpa et al. (2009) sugerem incluir questões suplementares para captar o uso de heurísticas, nomeadamente, para examinar se os indivíduos consideraram todos os atributos.

O conceito de compensação refere-se à presença de trade-offs, sendo o estabelecimento de trade-offs um requisito da escolha racional, na perspetiva da economia neoclássica. Nesta perspetiva as decisões são vistas como trade-offs, o que requer a comensurabilidade de todos os valores e para facilitar a sua análise tende a

utilizar-se uma medida monetária comum24. Munda (2016) considera que esta medida é

útil e desejável, mas coloca certos desafios e limitações. Para o autor, os métodos de valoração monetária ao determinarem trade-offs encontram obstáculos não só técnicos como éticos. Certos bens e serviços escapam à valoração monetária, logo, segundo o mesmo, estes métodos oferecem apenas uma perspetiva do problema, ou seja, funcionam como uma análise parcial num contexto de decisão social.

Enquadrado nas experiências de escolha e numa dimensão ética, surge uma objeção (subjacente a modelos de medição da utilidade) que decorre dos respondentes recusarem estabelecer trade-offs. Hanley et al. (2001) retratam esta limitação como protestos éticos que condicionam a resposta dos inquiridos. Por vezes, em estudos de valoração ambiental, os respondentes manifestam uma não disposição a pagar para prevenir a degradação ambiental, como forma de protesto. O protesto ético pode ser sensível à quantidade e à forma de pagamento requerido. Esta questão insere-se no desafio: Será que todos os bens têm preço? Paavola e Bromley (2002) apontam o procedimento de avaliar monetariamente o ambiente como uma das principais críticas, no campo da política ambiental. Contudo, a abordagem pelas experiências de escolha pode atenuar a incidência destes protestos, na medida em que não aborda uma eliciação direta (Hanley et al., 2001) e como referem Adamowicz et al. (1998) baseia-se em trade-offs entre atributos, não exclusivamente apoiados por compensação monetária.

Um outro desafio inerente aos métodos de valoração é a eventualidade das preferências dependerem do contexto, ou seja, serem construídas ao longo do processo de decisão (preferências endógenas). O modelo do comportamento humano racional

24 Os bens exibem comensurabilidade monetária se for possível medi-los através de uma escala cardinal

94 (enquadrado na teoria neoclássica) tem como pressuposto a maximização da utilidade baseada em preferências exógenas. Este pressuposto tem sido questionado por autores como Gowdy (2004), Bowles (1998) e Hiedanpää e Bromley (2002), que admitem a construção de preferências ao longo do processo de decisão, o contexto social onde ocorre a escolha individual tende a influenciar a mesma. Para Marre (2014) questões sobre a formação de preferências não invalidam necessariamente o uso de métodos de preferências expressas.

Quanto ao viés hipotético, uma vez que nas experiências de escolha os indivíduos expressam as suas preferências num mercado construído, pode também existir o problema deste viés, referido anteriormente como limitação da valoração contingente. No entanto Hanley et al. (2001) referem que, sendo as experiências de escolha uma generalização da valoração contingente de escolhas discretas, existe alguma razão para supor uma melhoria. Convém alertar os respondentes de potenciais problemas inerentes à não consideração de cenários reais. Dado que em experiências de escolha o questionário é o instrumento para eliciação de preferências, deve ser precavido, igualmente, o viés de entrevistador. Num contexto de bens ambientais, Barkmann et al. (2008) destacam ainda o viés de informação e o viés de má perceção metodológica como potenciais distorções dos resultados da valoração. A não familiaridade com o bem, normalmente resulta em viés de informação (quanto menor a familiaridade dos respondentes, mais afetadas serão as respostas pela informação imprecisa) e em viés de má perceção metodológica (mesmo sendo a informação precisa, os respondentes podem não entender a intenção da mesma).

As preferências expressas enfrentam também a questão da sensibilidade das estimativas de bem-estar ao delineamento do estudo. A escolha dos atributos e respetivos níveis, assim como a forma como são transmitidos aos respondentes não são neutros e podem influenciar as estimativas de bem-estar (Hanley et al. 2001). Neste contexto a revisão de literatura e a investigação exploratória antecedente serão cruciais.

Segundo Marre (2014) surgiram desenvolvimentos em técnicas de valoração, mais precisamente, em experiências de escolha discreta, que permitem progressos consideráveis no aperfeiçoamento da análise de preferências. Concretamente, a consideração de preferências heterogéneas, efeitos do contexto cultural e preferências lexicográficas ou descontínuas. Este contínuo progresso tende a garantir validade e

95 credibilidade aos métodos de preferências expressas, desde que exista ponderação na implementação da investigação.

Erros de má perceção por parte dos respondentes, associada à dificuldade cognitiva, podem ser evitados ou minimizados, através de esforços no desenvolvimento do questionário. A investigação qualitativa constitui um ótimo apoio, nomeadamente através da realização de entrevistas a especialistas e realização de grupos de foco. 4.5 Notas Conclusivas

O alcance da importância dos bens e serviços ambientais para o bem-estar dos indivíduos e o facto destes bens, por norma, não terem revelação em valores de mercado, fomentam diversas abordagens para atribuição de valor monetário aos bens e serviços ambientais.

Este capítulo reservou-se à discussão dos principais conceitos que ajudam a esclarecer o enquadramento teórico inerente à problemática da valoração ambiental.

Além da fundamentação teórica, que assenta numa perspetiva neoclássica, foram expostas as principais abordagens que permitem revelar ou expressar as preferências dos indivíduos, dando-se especial atenção à abordagem pelas experiências de escolha.

Na parte prática da investigação serão aplicadas experiências de escolha discreta, a utilizadores de uma zona costeira do norte de Portugal, dada a sua importância na valoração de bens multi-abributo, como é o caso de zonas costeiras, facilitando a identificação do valor de cada atributo pelas preferências dos indivíduos.

No âmbito das zonas costeiras, a aplicação de métodos de valoração torna-se relevante para auxiliar políticas públicas de gestão e preservação da costa. As preferências dos indivíduos podem ajudar à escolha de medidas eficientes e equitativas num contexto onde os recursos monetários são escassos e imponha prioridades nas decisões.

Dada a importância da pesquisa exploratória baseada em entrevistas e grupos de foco na abordagem por experiências de escolha, o capítulo seguinte aborda a aplicação destes métodos qualitativos.

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CAPÍTULO 5 – APLICAÇÃO DE MÉTODOS QUALITATIVOS NA