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2. PRISÃO PROCESSUAL DECORRENTE DE SENTENÇA PENAL

2.3 Prisão Processual Decorrente de Sentença Penal Condenatória e sua (in)

Federal

Dizer que o Supremo Tribunal Federal produziu uma decisão inconstitucional pode até parecer piada, isso levando-se em consideração unicamente o sentido semântico do tema.

No entanto, ao analisar a recente decisão do STF acerca do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, à luz da dogmática jurídica, talvez a afirmação não pareça tão absurda.

Antes de se fazer um análise da mais recente decisão do STF acerca do cumprimento de pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, é preciso retroceder ao ano de 2009.

Até o ano de 2009, o STF entendia ser plenamente possível o início do cumprimento de pena antes da sentença condenatória transitar em julgado. Mas o entendimento mudou a partir do Habeas Corpus (HC) 84.078/0930. Na ocasião os

ministros da maior corte de justiça no Brasil decidiram a favor de um condenado que pedia para recorrer aos tribunais superiores em liberdade. Foram sete votos a quatro.

A discussão no HC 84.078/09 estava assentada, em síntese, em três dispositivos legais, a saber, o artigo 637 do Código de Processo Penal, o artigo 10531 da Lei de Execuções Penais (LEP) e, obviamente, o artigo 5°, inciso LVII, da

Constituição Federal de 1988. O primeiro dispositivo estava amparando decisões que permitiam o cumprimento de pena antes do transito em julgado. No entanto, o referido artigo era conflitante com o disposto na LEP e na constituição.

30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 84078, Relator Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em

05/02/2009, DJ 26/02/2010.

31 Art. 105. Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver

Sobre o conflito, o Ministro Eros Grau, relator, em seu voto, asseverou que “os preceitos veiculados pela Lei n° 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 84078. Relator Min. Eros Grau. p. 1055. 05/02/2009).

O fato é que nesse habeas corpus o Supremo Tribunal Federal reconheceu a necessidade da sentença transitar em julgado para que haja cumprimento de pena. Outrossim, a corte entendeu que, se o condenado tiver que cumprir a pena após o recurso de apelação, enquanto restam possibilidades recursais não pode o réu ser coagido a iniciar o cumprimento da pena. Isso seria restringir-lhe a esfera recursal prevista em lei e, por conseguinte, retirar-lhe a ampla defesa.

Nesse sentido, observe-se o voto vencedor do Ministro Eros Grau:

a ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 84078. Relator Min. Eros Grau. p. 1048. 05/02/2009)

O ministro foi além, em seu voto, refutou os argumentos contrários, e chamou de “jurisprudência defensiva” o argumento apresentado pelos pares para antecipar o cumprimento da pena ao trânsito em julgado da sentença, sob pretexto de diminuir a demanda recursal nos tribunais superiores. Essa medida, segundo Eros Grau, serve à conveniência dos magistrados.

A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a

esse preço. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 84078. Relator Min. Eros Grau. p. 1049. 05/02/2009)

E, ainda, concluiu que

nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 84078. Relator Min. Eros Grau. p. 1055. 05/02/2009).

É importante frisar que, anteriormente ao julgamento do HC 84078/09, o Supremo Tribunal Federal entendia ser possível o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ou seja, enquanto ainda restavam pendentes recursos aos tribunais superiores.

Esse posicionamento advinha, em especial, do julgado HC 68726/91. Nesse julgado a Suprema Corte havia firmado o entendimento de que o trânsito em julgado ocorria após o exaurimento das vias recursais com efeito suspensivo. Nos termos do voto do Relator Ministro Néri da Silveira:

Reproduzindo lição de Espínola Filho, “in” Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, 1959, vol. 7º, p. 296, nºs 1.404 e 1.405, observa DAMÁSIO DE JESUS, “in” CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ANOTADO, 3ª ed., p. 397, acerca da sentença com trânsito em julgado: “Ocorre quando: a) não é admissível recurso ordinário (cujo efeito é suspensivo) contra ela; b) decorreu o prazo legal sem interposição do recurso ordinário (cujo efeito é suspensivo) contra ela; c) decididos os recursos ordinários (cujo efeito é suspensivo) interposto contra ela”.

Na obra referida, p. 396, ESPÍNOLA FILHO escreve: “O que diferencia o caso julgado, ou seja, a sentença com trânsito em julgado, da coisa julgada, é ser mister, para ter-se esta, que contra a decisão não caiba mais recuso de espécie alguma ordinário ou extraordinário; ao passo que há caso julgado, passa em julgado a sentença, quanto pode ser executada, se bem que seja ainda suscetível de impugnação por meio de recurso de caráter extraordinário, sem efeito suspensivo, por já se terem esgotado, ou não mais se poderes usar, os recursos ordinários admitidos”. [...]

5. Se, portanto, já se consolidou juízo condenatório, “inclusive na manifestação colegiada da sede recursal”, perfeita e totalmente compatível com a Constituição Federal o texto do §2º, do artigo 27, da Lei nº 8.038/90, “verbis”:

§2º: Os recursos extraordinário e especial serão recebidos “no efeito devolutivo”.229 (sem grifo no original). (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 84078. Relator Min. Eros Grau. 28/06/1991).

Em suma, a partir de 1991, do julgamento do HC 68726, o STF passou a entender possível ao réu iniciar o cumprimento de pena após a decisão de segunda instância.

Para se ter uma ideia, esse posicionamento jurisprudencial perdurou até o julgamento do HC 84078, em 2009. A partir de então, o STF mudou a opinião com relação ao tema, passando a entender em sentido oposto, conforme já fora dito anteriormente. E, esse entendimento, permaneceu na corte até 2016, quando o STF mudou, novamente, seu entendimento acerca do assunto.

Feitas essas considerações, passa-se a análise das mais recentes decisões emitidas pela maior corte de justiça brasileira. Essas decisões, proferidas nos autos do HC 12629232, de fevereiro de 2016 e, posteriormente, na Ação Declaratória de

Constitucionalidade (ADC) n°43 e na ADC n° 44, ambas julgadas em outubro de 2016, trouxeram um revés no entendimento jurisprudencial do STF. A partir de então, outra vez, passou-se a admitir o cumprimento da pena após a confirmação da condenação em segunda instância e antes do trânsito em julgado.

Recapitulando, até 2009 o STF entendia ser possível o cumprimento da pena após a confirmação da condenação em segunda instância. Depois de 2009, firmou outro entendimento e passou a entender que o princípio da presunção de inocência obsta o cumprimento de pena antes do transito em julgado. E, por fim, em 2016, após as referidas decisões, novamente o Supremo reviu seu posicionamento, passando a admitir que o réu comece a cumprir a pena após decisão de segunda instância.

32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki.

Diante desses reveses cada vez mais constantes no STF, afloram os debates doutrinários a respeito do tema. E, consequentemente, busca-se respostas para os seguintes questionamentos: por que o STF está alternando sua posição a respeito do assunto com tanta frequência? Se a maioria dos artigos que disciplinam a presunção de inocência permanecem iguais e vigentes, como pode existir tantas divergências interpretativas? A luz da constituição, o STF acertou ao se posicionar novamente em favor da aplicação da prisão após decisão de segunda instância? Essas e outras perguntas que ainda não encontraram respostas, constituem parte do objeto de estudo deste trabalho, cuja a abordagem vem a seguir.

Primeiramente, traz-se à tona o julgado do Habeas Corpus 126.292, de 17 de fevereiro de 2016, ocasião em que

por maioria de votos, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência. Para o relator do caso, ministro Teori Zavascki, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

O voto vencedor, proferido pelo saudoso Ministro Teori Zavascki, relator do HC 126292/16, em síntese, trouxe duas importantes nuances a serem consideradas no princípio da presunção de inocência:

(a) o alcance do princípio da presunção da inocência aliado à (b) busca de um necessário equilíbrio entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal, que deve atender a valores caros não apenas aos acusados, mas também à sociedade, diante da realidade de nosso intricado e complexo sistema de justiça criminal. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

O Ministro Zavascki, em seu voto, fez menção a julgado HC 68726/91, já abordado neste trabalho, e suscitou o entendimento estabelecido no STF naquela ocasião, no sentido de “a presunção de inocência não impede a prisão decorrente de acórdão que, em apelação, confirmou a sentença penal condenatória recorrível”.

(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Ademais, Zavascki destacou que

a superveniência da sentença penal condenatória recorrível imprimia acentuado “juízo de consistência da acusação”, o que autorizaria, a partir daí, a prisão como consequência natural da condenação. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Nesse sentido, o saudoso ministro conduziu sua argumentação. Alegou, em síntese, que a sentença condenatória já traz em seu bojo um juízo de culpa – ainda que sujeito a revisão por parte de Tribunal de segunda instancia – e por essa razão, caso seja confirmada em segundo grau de jurisdição, “fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016). Assim, segundo o Ministro Zavascki, a consequência lógica deve ser o início do cumprimento da pena aplicada.

Zavascki, ainda conclui a primeira parte de sua argumentação dizendo que

nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Continuando a análise do voto do relator do HC 126292/16, observa-se que o ministro ainda trouxe como argumento a Lei Complementar n° 135/201033,

conhecida como Lei da Ficha Limpa, alegando que, sob a égide dessa lei, a

33 Lei complementar nº 135, de 4 de junho de 2010. Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de

1990, que estabelece, de acordo com o § 9° do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.

condenação já produzirá efeitos em face do acusado antes da sentença transitar em julgado, desde que proferida por órgão colegiado.

Na argumentação de Zavascki, também foram acostados diversos estudos feitos em outros países, os quais demonstraram que o cumprimento da pena ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória em países como Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Argentina.

Ainda, Zavascki reforçou o fato dos recursos especial e extraordinário não possuírem efeito suspensivo e servirem, tão somente, “à preservação da higidez do sistema normativo” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Seguindo a linha argumentativa trazido pelo ministro Zavascki, surge em seu voto a crítica ao fato dos recursos destinados ao STJ e ao STF favorecerem a prescrição da pretensão punitiva do Estado:

isso significa que os apelos extremos, além de não serem vocacionados à resolução de questões relacionadas a fatos e provas, não acarretam a interrupção da contagem do prazo prescricional. Assim, ao invés de constituírem um instrumento de garantia da presunção de não culpabilidade do apenado, acabam representando um mecanismo inibidor da efetividade da jurisdição penal. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Ao final do seu voto, Zavascki defendeu que é dever do Judiciário garantir uma justiça criminal efetiva:

nesse quadro, cumpre ao Poder Judiciário e, sobretudo, ao Supremo Tribunal Federal, garantir que o processo - único meio de efetivação do jus puniendi estatal -, resgate essa sua inafastável função institucional. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Esses pontos formaram o núcleo da sua fundamentação a favor da execução antecipada da pena. Segundo os defensores dessa ideia, trata-se de um dever do Estado em aplicar a justiça, e por conseguinte, impedir a impunidade que se instala em virtude de muitos réus terem seus delitos prescritos até a

superveniência dos julgamentos dos recursos especiais e extraordinários. O ministro alegou que o Estado está incumbido do jus puniendi e deve, sobretudo, prestá-lo com efetividade à sociedade. Assim, é legítimo ao Estado determinar o cumprimento de pena – ainda que seja antes do trânsito em julgado – com objetivo e impedir que aqueles que cometem fatos delituosos fiquem impunes.

A título de esclarecimento, o Ministro Barroso chamou de “interesse constitucional na efetividade da lei penal, em prol dos objetivos (prevenção geral e específica) e bens jurídicos (vida, dignidade humana, integridade física e moral, etc.) tutelados pelo direito penal” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Essa foi, em suma, a tese argumentativa do voto do Ministro Zavascki no HC 126292/16, que foi seguida pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.

Quanto ao posicionamento pendular do ministro Gilmar Mendes, uma importante consideração se faz oportuna. Conforme se observa em reportagem veiculada pelo Jornal Nacional, mídia de grande impacto e alcance, no dia 26 de maio deste ano, Gilmar Mendes disse que estar reconsiderando sua decisão acerca do cumprimento antecipado da pena:

na última terça (23), Gilmar sinalizou que pode mudar de ideia sobre a prisão em segunda instância. Foi na sessão da Segunda Turma, onde são julgados recursos da Lava Jato, como, por exemplo, pedidos de liberdade.

Para o ministro, a prisão em segunda instância é uma possibilidade jurídica, não uma obrigação. No voto escrito, Gilmar Mendes disse: “Manifesto, desde já, minha tendência em acompanhar o ministro Dias Toffoli no sentido de que a execução da pena com decisão de segundo grau deve aguardar o julgamento do recurso especial pelo STJ.”

Nesta sexta-feira (26), o ministro reforçou que a obrigatoriedade da prisão em segunda instância pode levar a injustiças. E, por isso, defendeu uma revisão da decisão. (MENDES, Gilmar. STF pode rever decisão de prisão em segunda instância, diz Gilmar Mendes. Globo, Rio de Janeiro, 26/05/2017. Entrevista concedida ao Jornal Nacional).

Ainda, a referida reportagem conclui que “Gilmar pode virar esse jogo e formar maioria contra a prisão em segunda instância” (MENDES, Gilmar. STF pode rever decisão de prisão em segunda instância, diz Gilmar Mendes. Globo, Rio de Janeiro, 26/05/2017. Entrevista concedida ao Jornal Nacional).

No HC 126292/16, abriram divergência, restaram vencidos os votos dos ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Rosa Weber, e do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que entenderam haver necessidade do trânsito em julgado da sentença condenatória para se exigir o cumprimento de pena.

O ministro Marco Aurélio, em seu voto, no julgamento do HC 126292/2016, sustentou a posição que já havia adotado em outros julgamentos da corte, a de não admitir que o início do cumprimento da pena ocorra antes do transito em julgado da sentença condenatória, sob pena de, nas palavras do ministro Marco Aurélio, admitir-se a “execução precoce, temporã, açodada da pena, sem ter-se a culpa devidamente formada” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Em síntese, deixando de lado as peculiaridades inerentes ao caso concreto do referido habeas corpus, o ministro asseverou que admitir o início do cumprimento de pena antes do trânsito em julgado da sentença é um verdadeiro retrocesso, no dizer do decano Marco Aurélio, é um esvaziamento do

modelo garantista, decorrente da Carta de 1988. Carta – não me canso de dizer – que veio a tratar dos direitos sociais antes de versar, como fizeram as anteriores, a estrutura do Estado. Carta apontada como cidadã por Ulisses Guimarães, um grande político do Estado-país, que é São Paulo, dentro do próprio País. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Ainda, o ministro disse que reconhece a dificuldade enfrentada pelo Estado na busca do punir o infrator em tempo hábil, isto é, antes da prescrição do crime. Porém, segundo Marco Aurélio é

justamente, em quadra de crise maior, é que devem ser guardados parâmetros, princípios e valores, não se gerando instabilidade,

porque a sociedade não pode viver aos sobressaltos, sendo surpreendida. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Em suma, o ministro teceu duras críticas aos argumentos favoráveis à execução antecipada da pena, alegando, em síntese, que o dispositivo constitucional insculpido no inciso LVII, do artigo 5°34, não contém margem para uma

interpretação distinta de sua literalidade. Além disso, o ministro Marco Aurélio colocou o dedo na ferida ao indagar

perdida a liberdade, vindo o título condenatório e provisório – porque ainda sujeito a modificação por meio de recurso – a ser alterado, transmudando-se condenação em absolvição, a liberdade será devolvida ao cidadão? Àquele que surge como inocente? A resposta, Presidente, é negativa. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Marco Aurélio concluiu alegando que o STF, ao admitir que o início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado da sentença não viola o princípio da presunção de inocência previsto na constituição, estará usurpando competência legislativa e promulgando, disfarçadamente, uma emenda constitucional. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Outro ministro decano, Celso de Mello, em seu voto, considerou o conflito entre a presunção da inocência e a presunção da culpabilidade das pessoas, entendimentos antagônicos defendidos pelas principais escolas italianas de pensamento penal no século XIX. O ministro assinalou que admitir o início do cumprimento da pena antes de se esgotarem todas as vias recursais é o mesmo que dizer o réu é presumidamente culpado até que prove o contrário. Essa linha de pensamento, lembrou o ministro, foi defendida pela Escola Técnico-Jurídica, cujos os principais expoentes dessa escola, dentre os quais destaca-se Vincenzo Manzini, foram

responsáveis, entre outros aspectos, pela formulação da base doutrinária que deu suporte a uma noção prevalecente ao longo do regime totalitário fascista – a noção segundo a qual não tem sentido

nem é razoável presumir-se a inocência do réu!!! (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Segundo Celso de Mello, a consequência de se presumir a culpabilidade do réu, “será a virtual (e gravíssima) esterilização de uma das mais expressivas conquistas históricas da cidadania: o direito do indivíduo de jamais ser tratado, pelo Poder Público, como se culpado fosse” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126292. Relator Min. Teori Zavascki. 17/02/2016).

Na linha de pensamento defendida pelo referido ministro, a presunção de inocência acompanha a pessoa até o trânsito em julgado e, assim, conforme declarou o decano Celso de Mello, impede a “imposição prematura de quaisquer

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