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2. PRISÃO PROCESSUAL DECORRENTE DE SENTENÇA PENAL

2.2 Relação entre princípio da presunção de inocência e princípio da não

A discussão sobre as diferenças entre o princípio da presunção de inocência e o princípio da não culpabilidade não é recente. As teorizações a respeito da presunção de inocência e da não culpabilidade ganharam maior destaque no direito penal a partir do século XIX, e foram objeto de importantes debates entre as correntes doutrinárias penais italianas da Escola Clássica28 e da Escola Positivista29,

que possuíam posições diametralmente opostas com relação ao alcance conceitual que se atribuía à presunção de inocência.

Para os expoentes da Escola Clássica, no que tange a presunção de inocência, o entendimento era que este elemento integrava a própria ciência penal, e era conferido a todos os cidadãos (BARBAGALO, 2015, p. 56).

Nesse sentido, Carmignani apud Gomes Filho (1991, p. 13), defendeu que “como mais frequentemente acontece que os homens se abstenham de delinquir, a lei consagra a todos a presunção de inocência”.

Na mesma linha, Carrara apud Gomes Filho (1991, p. 13) alertava que

a inocência do acusado é pressuposto da ciência penal, na parte em que contempla o procedimento, e a ela são referidas praticamente todas as garantias do que hoje chamaríamos ‘justo processo’: juiz natural, amplitude de defesa, observância das condições de legalidade nas confissões, imparcialidade na apreciação da prova e, sobretudo, temperamento na custódia preventiva.

28 Corrente doutrinária de direito penal, surgida entre os séculos XVIII e XIX, que pregava os

postulados consagrados pelo Iluminismo visando humanizar as Ciências Penais, protegendo-se o indivíduo frente ao Estado. Alguns dos principais expoentes foram Rousseau e Montesquieu. E, na Itália, os principais juristas dessa escola foram Beccaria, Filangieri, Romagnosi, Carmignani, Rossi, Carrara, Carmignani e Pessina. Dentre esses, os maiores foram Beccaria e Carrara.

29 Surgida entre os séculos XIX e XX. Ao contrário da Escola Clássica, os positivistas expuseram a

necessidade de se proteger a sociedade, como um todo, da ação criminosa do indivíduo. Essa corrente doutrinária majorava os interesses sociais em detrimento do direito individual.

Em oposição, os expoentes da Escola Positiva não aceitavam que a presunção de inocência fosse concebida ao indivíduo na dimensão proposta pelos clássicos. Essa contrarrazão era decorrente da linha de pensamento positivista que priorizava a proteção da sociedade acima da proteção conferida ao indivíduo. Essa divergência entre as escolas penais italianas também foi conhecida por Gomes Filho (1991, p. 14)

em contraposição às colocações dos clássicos, os estudiosos ligados ao positivismo criminológico, coerentes em seu propósito de estudar o crime e a punição a partir dos subsídios fornecidos pelas ciências biológicas e sociais, e preocupados, sobretudo, com a defesa da sociedade contra o crime, negaram à presunção de inocência o valor que lhe emprestaram as colocações puramente jurídicas da Escola Clássica.

A ideia de presunção de não culpabilidade ganhou força com o estudo de Raffaele Garofalo, expoente da escola positiva. Garofalo apud Gomes Filho (1991, p. 14) defendia que

a presunção mais razoável é a de culpabilidade, porquanto na maioria dos casos o julgamento é antecipado pela opinião pública e o réu já comparece em juízo com maior probabilidade de condenação; enfim, não se deve presumir a inocência do acusado nem declará-lo culpado; ele é o que é: imputato.

Para os positivistas, o indivíduo era presumido inocente somente até ser denunciado. Em outras palavras, a presunção de inocência era na verdade o status de que gozava o indivíduo somente até o momento em era denunciado. Após, o imputado poderia ter dois destinos, ser considerado culpado ou não culpado, mas jamais voltaria ao seu estado de inocência. Assim, a presunção de inocência se transmutaria em a presunção de não culpabilidade (BARBAGALO, 2015, p.56).

Com o surgimento da Escola Técnico-Jurídica, a ideia de presunção de inocência foi duramente atacada. Os representantes dessa escola, Arturo, Alfredo Rocco e Vicenzo Manzini, entendiam que a finalidade do processo era proporcionar a persecução penal e a pretensão punitiva do Estado. Segundo os expoentes, o processo servia para declarar alguém culpado e, consequentemente, aplicar-lhe a punição, não era a finalidade do processo declarar a inocência do indivíduo. Além

disso, a liberdade era considerada um direito social e não individual. Note-se que nesse período histórico a Itália se via em meio uma onda de violência urbana causada pelas grandes migrações rurais, que se aglomeravam cada vez mais nas cidades, em busca de emprego.

Gomes Filho (1991, p. 16) escreveu que

os ataques mais contundentes contra a presunção de inocência, agora não mais dirigidos às suas aplicações ou aos aspectos secundários, mas fundamentalmente ao próprio escopo político, foram formulados pelos doutrinadores ligados à chamada Escola Técnico-Jurídica, que, com base em argumentos aparentemente técnicos, insurgiram-se, na verdade, contra o conteúdo fundamental do princípio, em nome de uma concepção autoritária das relações entre Estado e indivíduo.

Segundo esse entendimento, Barbagalo (2015, p. 57)

como decorrência lógica, buscava-se a prova para condenação e apenas quando esta não era conseguida é que prevalecia o interesse do imputado à liberdade (social e concedida pelo Estado), mas, ainda assim, não se declarava sua inocência. Em suma, iniciada a ação penal, não cabia mais falar em inocência, mas apenas em culpado e não culpado. A pessoa imputada não seria, em qualquer hipótese, inocente, pois, afinal perdeu tal status ao ser denunciado.

E, assim, surgiu a transformação do princípio da presunção de inocência em princípio da presunção de não culpabilidade, concepção nascida do positivismo italiano no século XIX, e arregimentada pela Escola Técnico-Jurídica.

O fato é que essas tendências influenciaram a elaboração de muitas normas processuais penais e também constituições, inclusive a brasileira.

A Constituição Federal de 1988, espelhou-se na constituição italiana, e aquela refletiu em seu artigo 5°, LVII, as linhas gerais do seu pressuposto equivalente nesta.

De fato, não se vislumbra expressamente a palavra “inocência”. Talvez por essa razão muitos doutrinadores vieram a afirmar que, na verdade, a constituição estabeleceu a presunção de não-culpabilidade.

Sobre a divergência doutrinária, Barbagalo (2015, p. 57) assevera que

entre nós, alguns doutrinadores entendem que foi adotada a presunção de inocência, mas para outros, o postulado acolhido pela Carta constitucional brasileira foi da não culpabilidade. Há ainda aqueles que afirmam que “a norma constitucional em questão do inciso LVII, garante a presunção de inocência por meio de um enunciado negativo universal” e outros ainda que afirmam não haver diferença entre os dois.

Para alguns estudiosos, não há diferença entre presunção de inocência e presunção de não-culpabilidade. Nesse sentido, Badaró apud Barbagalo (2015, p. 58)

não há diferença de conteúdo entre presunção de inocência e presunção de não culpabilidade. As expressões ‘inocente’ e ‘não culpável’ constituem somente variantes semânticas de um idêntico conteúdo. É inútil e contraproducente a tentativa de apartar ambas as ideias, se é que isso é possível, devendo ser reconhecida a equivalência de tais fórmulas. Procurar distingui-las é uma tentativa inútil do ponto de vista processual. Buscar tal diferenciação apenas serve para demonstrar posturas reacionárias e um esforço vão de retorno a um processo penal voltado exclusivamente para defesa social, que não pode ser admitido em um Estado Democrático de Direito.

Do mesmo modo, Torres apud Barbagalo, diz que

não é possível distinguir presunção de não culpabilidade e presunção de inocência. Desse modo, o art. 27.2. da Constituição (italiana) não faz outra coisa que consagrar o princípio da presunção de inocência... Essa é a doutrina de Illuminati, Bellavista e outros... Este último, impugnando a tese de Frosali segundo a qual a Constituição enuncia somente a formulação negativa de não presunção de culpabilidade, afirmou: ‘Vale aqui a máxima qui diciti de uno, negat de altero. Quando não se é considerado culpado, se é considerado inocente. Tertium non datur.

Apesar de haver maior proteção para o presumidamente inocente do que ao presumidamente não culpado, uma análise puramente jurídica conduziria a

conclusão lógica que não é possível alguém ser absolvido e, ao mesmo tempo, não ser inocente. E, se é inocente, não pode ser considerado culpado. Ao menos, em uma concepção jurídica contemporânea fundamentada em um Estado democrático de direito. Registre-se que a Constituição Federal de 1988 consagrou, no rol dos direitos e garantias fundamentais, o primeiro. Nessa linha, Gomes (1996, p.381) ensina que

não possui nenhum sentido, diante do que foi exposto até aqui, não considerar que no inc. LVII do art. 5° da CF está inscrito, com todas as letras, o princípio da presunção de inocência, com toda carga liberal e democrática que carrega em sua história, tendo como ponto de arranque (em termos de ius positum) a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), fundo induvidosamente Iluminista. Mais que presunção

De fato, existe uma considerável divergência doutrinária com relação a constituição brasileira ter adotado o princípio da presunção de inocência ou o princípio da presunção da não culpabilidade.

No entanto, a discussão não se atém apenas a interpretação do artigo 5°, inciso LVII, da Carta Magna, e quanto a expressão “inocência” estar ou não contida implicitamente em seu teor. Vale lembrar que o Brasil é signatário de vários tratados internacionais que elevam a presunção de inocência como princípio corolário de um sistema processual em um estado democrático de direito. Aliás, esses tratados recomendam que seus signatários implementem suas legislações penais em torno desse princípio.

E, desse modo, é possível afirmar que, com algumas ressalvas, a jurisprudência e doutrina majoritárias entende que a Constituição Federal de 1988, consagrou em seu artigo 5°, inciso LVII, a o princípio da presunção de inocência e não o da presunção de não culpabilidade. Isso se deve tanto pela análise sistêmica da constituição quanto pela assimilação constitucional de normas de direito internacional oriundas de tratados dos quais o Brasil se fez signatário.

2.3 Prisão Processual Decorrente de Sentença Penal Condenatória e sua (in)

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