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INTERNAMENTO COMPULSIVO 5 O internamento compulsivo A atuação (possível) do Ministério Público face ao regime da Lei n.º 36/98, de 24-07.

3. Privação da liberdade versus internamento compulsivo no âmbito da CEDH e da CRP

Uma outra discussão indissociável a esta temática das legislações de saúde mental e do internamento compulsivo diz respeito aos Direitos Humanos.

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem (doravante designada, abreviadamente, por CEDH), no seu artigo 5.º prevê que “1. – Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal: (…)

e) Se se tratar da detenção legal de uma pessoa suscetível de propagar uma doença contagiosa, de um alienado mental, de um alcoólico, de um toxicómano ou de um vagabundo;”.

Desta norma podem retirar-se três níveis de garantias: a primeira relativa ao processo de privação de liberdade: de acordo com o procedimento legal; a segunda, sobre a própria privação da liberdade: apenas nas situações previstas nas alíneas do n.º 1, e a terceira, inclui as relativas às pessoas que foram privadas da sua liberdade – n.ºs 2 a 5 deste artigo (BARRETO, p. 112).

A privação da liberdade deve, antes de mais, respeitar o direito interno, quer do ponto de vista formal quer do substancial, com a observação pelas autoridades nacionais das regras e do processo pertinentes. Devendo por isso a privação da liberdade encontrar fundamento numa lei interna, entendida num sentido amplo do termo, lei acessível e precisa, para permitir aos interessados prever as consequências dos seus atos.

Pela violação dos direitos ou garantias inscritos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, uma pessoa que esteja com os direitos de qualquer modo limitados a nível interno, goza da possibilidade de apresentar em seu nome e por si uma queixa no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).

A privação da liberdade coloca o detido numa posição extremamente vulnerável e suscetível de dar origem a tortura ou a tratamentos desumanos ou degradantes e por isso, a CEDH, no artigo 3.º, contém tanto uma proibição universal como uma garantia absoluta: a tortura e os tratamentos desumanos e degradantes.

A CEDH, no seu artigo 8.º, n.º 1, do mesmo modo que a DUDH também dispõe que “qualquer pessoa tem direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência”, acrescentado o n.º 2 que “não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros”.

INTERNAMENTO COMPULSIVO 5.O internamento compulsivo. A atuação (possível) do Ministério Público face ao regime da Lei n.º 36/98, de 24-07. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual Face ao teor deste artigo, podemos retirar que os Estados-Membros podem criar nos seus ordenamentos jurídicos limitações ou restrições ao direito agora em causa, mas que tais restrições apenas se mostram como admissíveis se forem proporcionais às circunstâncias do caso concreto ou aos objetivos a prosseguir.

A proteção jurídico-constitucional da dignidade e da liberdade dos portadores de anomalia psíquica exige, pois, por um lado, que o internamento, como restrição à liberdade, esteja previsto na Constituição, que seja decidido por entidades competentes e sujeitas a uma deontologia, no âmbito de um procedimento com garantias e sujeito a controle judicial, que seja suficientemente regulado por lei parlamentar (ou decreto-lei autorizado) de forma a assegurar que, nos casos concretos, se comprove adequado e se limite ao estritamente necessário para assegurar o tratamento, respeitando o princípio da proporcionalidade.

A Constituição da República Portuguesa determina, no seu artigo 27.º, que todos têm direito à liberdade e à segurança e estabelece taxativamente os casos em que alguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, sem ser em consequência de sentença judicial condenatória por crime punível com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.

Até à revisão constitucional de 1997 não estava prevista a hipótese de internamento de portadores de anomalia psíquica, a não ser no quadro geral da aplicação de medidas de segurança, que pressupunha a prática de um crime.

Mas, desde essa revisão, a Constituição Portuguesa passou a admitir expressamente “a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar”, em caso de “internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente” (artigo 27.º, n.º 3, alínea h), da Constituição da República Portuguesa).

Neste sentido, fica, assim, autorizada a lei, a restringir o direito à liberdade dos portadores de anomalia psíquica, determinando a possibilidade do seu internamento compulsivo para efeitos terapêuticos. Mostra-se deste modo respeitada a regra do artigo 18.º, n.º 2, da nossa lei fundamental, nos termos da qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição”.

Contudo, isto não basta para concluir pela constitucionalidade da Lei, já que, embora o artigo 27.º admita a privação da liberdade “pelo tempo e nas condições que a lei determinar”, esta tem de respeitar, quer as condições constitucionais específicas:

(i) O internamento há-de ser em estabelecimento terapêutico adequado e

(ii) A decisão tem de ser tomada ou, pelo menos, confirmada por autoridade judicial competente –, quer as restantes condições gerais de restrição de direitos, liberdades e garantias fixadas no artigo 18.º – em especial, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo (adequação, necessidade e

INTERNAMENTO COMPULSIVO 5.O internamento compulsivo. A atuação (possível) do Ministério Público face ao regime da Lei n.º 36/98, de 24-07. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual proporcionalidade do resultado) e o princípio do respeito pelo conteúdo essencial do direito.

À primeira vista, as disposições da Lei de Saúde Mental quanto ao internamento compulsivo parecem conformar-se com os valores constitucionais, já que, depois de determinar, como princípio geral de política, que “os cuidados de saúde mental são prestados no meio menos restritivo possível” (artigo 3.º, n.º 1, alínea b)), fixa, como princípio geral do internamento compulsivo, que este “só pode ser determinado quando for a única forma de garantir a submissão a tratamento do internado e finda logo que cessem os fundamentos que lhe deram causa” e ainda que “só pode ser determinado se for proporcionado ao grau de perigo e ao bem jurídico em causa" (artigo 8.º, n.ºs 1 e 2).

Na realidade, a Lei afirma o caráter subsidiário do internamento compulsivo no contexto de política global e, mais que isso, enfatiza a necessidade da medida, ao defini-la como a ultima ratio, uma intervenção para tratamento que só em último caso pode ser utilizada, ao mesmo tempo que assegura a sua adequação e proporcionalidade, respetivamente, em função do grau de perigo e em função da importância do valor ameaçado – deste modo, a decisão de internamento implica uma séria e complexa ponderação de bens, pressupondo o valor da liberdade e só permitindo a sua constrição quando o perigo seja de molde a implicar o tratamento compulsivo e o desvalor que para a liberdade resulta do internamento não seja desproporcionado em relação ao valor que se visa proteger.

4. Internamento compulsivo, medida de segurança de internamento de inimputáveis e