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1. INTRODUÇÃO

1.6. O problema e sua importância

O reconhecimento de que a agricultura desempenha papel estratégico no processo de desenvolvimento econômico e de que a relevância da sua contribuição depende, fundamentalmente, da taxa de crescimento da produtividade agrícola torna importante conhecer os padrões de eficiência com que os recursos foram utilizados, nas últimas décadas, nas várias regiões do País.

No período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, o crescimento da produção agrícola brasileira era devido, principalmente, à incorporação dos fatores tradicionais, terra e trabalho, ao processo de produção. Entretanto, dois fatores contribuíram para reorientar o padrão de desenvolvimento da agricultura no País, em direção à obtenção de níveis mais elevados de produtividade. O primeiro refere-se às sérias e recorrentes crises de abastecimento do mercado interno, principalmente no eixo Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo, no decorrer das décadas de 50 e 60 (Smith, citado por ALVES, 1979). O segundo relaciona-se com a crescente escassez de terras férteis e de mão-de-obra, principalmente nos Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, já no início da década de 60, o que, além de forçar a realocação espacial da produção, inicialmente para o norte do Paraná e, em seguida, para o Centro-Oeste do País, criou também a necessidade de acelerar a modernização da atividade agrícola, como forma de obter o necessário aumento de sua produção.

No que diz respeito especificamente à formulação da política agrícola governamental, esses problemas mostraram que, sem a mudança no tratamento dado ao setor agrícola, dificilmente poderia ter sido possível alcançar níveis sustentáveis de desenvolvimento econômico. As ações reclamadas para o setor deveriam traduzir em aumento de recursos destinados à pesquisa, ao provimento de melhores condições de educação, à saúde e à infra-estrutura (eletrificação rural, melhoria das condições de transporte, etc.), com vistas, portanto, na obtenção de resultados de longo prazo. Por outro lado, era preciso também desenvolver ações para melhorar os serviços de extensão rural e a política de preços mínimos, crédito rural, seguro agrícola e programas especiais, na obtenção de resultados mais imediatos. Era necessário, principalmente, estancar a intensidade com que os recursos estavam sendo transferidos da agricultura para o desenvolvimento industrial, por meio da sobrevalorização cambial, do contingenciamento de exportações pela fixação de cotas, embargos e licenciamento prévio, da fixação de preços-teto, e da recorrência à importações no enfrentamento das crises temporárias de abastecimento (LOPES e SCHUH, 1979), sem que houvesse comprometimento do setor em continuar contribuindo, de forma adequada, para o crescimento industrial.

Apesar da dificuldade de se detectar se os aumentos da produtividade agrícola foram devidos a fatores endógenos ou à política agrícola colocada em prática pelo governo, o certo é que os índices parciais de produtividade, em nível nacional (Quadro 1), começaram a mostrar evidências de melhoria de produtividade já na década de 70, apesar de proporção significativa dos ganhos ser devida à fertilidade natural das novas terras incorporadas ao processo de produção agrícola e à realocação dos diversos cultivos em resposta às mudanças de rentabilidade proporcionada pelas condições favoráveis do mercado internacional.

Quadro 1 - Rendimentos (kg/ha) de 12 produtos selecionados - Brasil Períodos Produtos 1966-70 1970-72 1975-79 1979-81 1985-87 Arroz 1.370 1.508 1.426 1.438 1.844 Feijão 684 665 500 468 428 Mandioca 14.429 14.560 12.116 11.776 12.305 Batata 6.941 7.609 9.755 10.797 12.328 Cebola 5.384 5.520 8.188 10.314 10.832 Tomate 17.469 17.576 25.033 28.759 35.789 Milho 1.358 1.397 1.472 1.685 1.834 Amendoim 1.236 1.313 1.419 1.534 1.756 Soja 1.062 1.304 1.527 1.583 1.701 Café 860 1.077 1.125 1.187 1.320 Cana 45.783 46.661 51.544 55.639 62.764 Trigo 889 746 778 883 1.489

Fonte: SUPLAN/MA e IBGE.

Embora tenham ocorrido ganhos substanciais de rendimentos, por hectare, na maioria das culturas (com exceção dos cultivos de feijão e mandioca), podem-se destacar duas questões que ajudaram a caracterizar o processo de desenvolvimento da agricultura no Brasil, a partir do início da década de 60. A primeira é que, quando comparada com os padrões internacionais, a agricultura brasileira ainda apresenta baixo desempenho em relação a alguns produtos. Mesmo considerando que a heterogeneidade da agricultura brasileira, em termos de fertilidade do solo, de condições climáticas e de infra-estrutura física, faça das médias nacionais uma base razoavelmente fraca para se estabelecerem comparações como indicadores de tendência geral, ALBUQUERQUE e NICOL (1987) mostraram que o Brasil possui alta produtividade, de acordo com padrões internacionais, apenas na produção de mandioca e do amendoim. Na produção de algodão, cana-de-açúcar, feijão, soja e café, o País encontra-se compatível com a

média internacional, enquanto na produção de milho está abaixo da média e, na produção de batata, arroz, carne, cebola, tomate e trigo, bastante abaixo da média. A segunda é que, sejam quais forem os fatores que levaram à mudança no padrão de desenvolvimento agrícola no Brasil, não se gerou um progresso tecnológico uniforme, nem em nível de produtos, nem em termos de abrangência geográfica. Disto resultaram, portanto, significativas diferenças de produtividade, tanto em termos regionais como em relação aos diversos cultivos.

Tendo em vista que o progresso tecnológico é um dos fatores determinantes da taxa de crescimento do volume de produção agrícola, torna-se relevante, portanto, entender a natureza e as causas desse processo. Diversas contribuições têm sido dadas nesse sentido, como os trabalhos de BARROS et al. (1976), PASTORE et al. (1976), PATRICK (1975), GOMES et al. (1980), BARROSO et al. (1970), ARAÚJO (1981), dentre outros, a exemplo de análises desenvolvidas com o objetivo de: a) ou identificar as condições que determinam a produtividade dos fatores empregados, bem como a sua contribuição para o desenvolvimento econômico; b) ou mensurar a produtividade e verificar com que eficiência os fatores têm sido empregados na atividade agrícola no Brasil.

Apesar da significativa contribuição dada por esses estudos ao conhecimento da natureza da produção agrícola no Brasil, algumas questões ainda não foram devidamente explicadas. Análises baseadas no cálculo de produtividades parciais dos fatores são de alcance limitado como estudos de eficiência, uma vez que as medidas de produtividade parciais podem sinalizar direção diferente daquela que seria obtida quando se usam indicadores de produtividade total (ALVES, 1979).

Um índice de produtividade parcial é expresso pela relação entre o uso de um insumo específico e a produção obtida, enquanto a relação entre a produção e o total de insumos utilizados expressa a produtividade total dos fatores (PTF). Acréscimos no índice de produtividade total de fatores indicam que menos recursos são utilizados na geração de uma unidade do produto, sendo, portanto, uma medida mais apropriada quando se tem o objetivo de estabelecer

comparações temporais ou espaciais entre processos de produção, quanto ao seu grau de eficiência.

Nos trabalhos de GASQUES e CONCEIÇÃO (1997), AVILA e EVENSON (1998) e BONELLI e FONSECA (1998) são despendidos esforços para estimar índices de produtividade total dos recursos usados na agricultura brasileira e para eliminar, portanto, a inconveniência de análise baseada em índices parciais de produtividade.

Espera-se que este estudo possa contribuir para o entendimento do processo de modernização da agricultura no Brasil, a partir da análise do padrão de comportamento da produtividade agrícola e da eficiência técnica com que foram utilizados os recursos produtivos, em resposta a mudanças em fatores que condicionaram o desenvolvimento agrícola no País, nas décadas de 70, 80 e 90, e que estejam refletidos no comportamento da produção e da utilização de insumos nos anos censitários desse período.

Baseado na geração de índices de produtividade total dos fatores (PTF) e na análise da eficiência técnica, este estudo pretende contribuir para o esclarecimento das seguintes questões: A mudança de orientação da política agrícola, a partir da segunda metade da década de 60, afetou, de forma temporalmente uniforme, a produtividade dos recursos usados na agricultura? Em quais regiões e em que períodos a reorientação da política agrícola teve maior impacto nos níveis de produtividade de recursos? Quais Estados tiveram melhor desempenho nos aumentos de eficiência técnica, a partir da década de 70? A reorientação do modelo de desenvolvimento agrícola a partir da segunda metade da década de 80, com a redução da abrangência da política de garantia de preços mínimos, controle orçamentário do custeio agrícola, sujeição à maior competição de vários produtos agrícolas em razão da maior abertura comercial, teve, em seu conjunto, impactos uniformes nos níveis de produtividade de todas regiões? Como se comportou a produtividade física total, entre os diferentes tamanhos de propriedades, no período em análise?

Admite-se, como pressuposição geral, que as mudanças ocorridas nas últimas décadas em infra-estrutura e em aspectos institucionais da economia brasileira, como um todo, e no setor agrícola, em particular, tenham afetado, de forma desigual, o progresso técnico experimentado pela agricultura no Brasil, resultando, como decorrência, em diferenças significativas de desempenho da produtividade dos fatores utilizados no setor, tanto em termos intertemporal quanto interespacial.

Formularam-se as seguintes hipóteses sobre o comportamento da agricultura brasileira nas últimas décadas: primeira, aquelas regiões que tiveram suas fronteiras esgotadas mais rapidamente e que, por isso, adotaram práticas modernas de cultivo agrícola mais cedo alcançaram níveis de produtividade comparativamente mais elevados. Segunda, a produtividade da agricultura cresce com o aumento da área das propriedades, em decorrência da existência de economias de escala, contudo, a partir de determinado tamanho, deverão acontecer manifestações de queda de produtividade em decorrência do surgimento das deseconomias de escala. Terceira, o crescente uso de insumos modernos contribuiu para aumentar a eficiência técnica da agricultura brasileira, durante o período analisado.