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Procedimentos de Análise

A discussão dos dados nos capítulos V, VI e VII buscou responder a quatro perguntas de pesquisa, sendo que as duas primeiras tratam do processo de construção de conhecimento nos sete jogos selecionados para análise, a terceira tem como foco a percepção dos alunos em relação aos jogos e a última pretende dar conta do processo reflexivo decorrente do diálogo entre a pesquisadora e os dois professores-participantes.

O quadro abaixo relaciona as perguntas de pesquisa com as categorias de análise.

Perguntas Categorias de análise

Que jogos de linguagem podem ser observados

nas interações analisadas? •

jogos de linguagem Como esses jogos de linguagem levam à

construção de capacidades de linguagem mais complexas nos três estágios de aprendizagem da LE ?

• capacidades de linguagem

• funções da linguagem: campo, modo e tenor

• relações sintagmáticas e paradigmáticas

• modalizações Como os aprendizes percebem a contribuição do

jogo para o processo de aprendizagem?

• processos mentais (memorizar, revisar, pensar, etc.)

• escolhas lexicais

• modalizações Como o diálogo com a pesquisadora leva os

professores-participantes a refletirem sobre a própria prática no que se refere ao uso de jogos?

• ideologias do cotidiano

• ideologias historicamente cristalizadas

• discurso autoritário

• discurso internamente persuasivo

• relação de implicação e disjunção

• escolhas lexicais

• modalizações

Quadro 3 – Relação Perguntas X Categorias de Análise

Relacionadas as perguntas com as categorias de análise, passamos a seguir a descrição mais detalhada dos procedimentos de análise, levando em consideração os três focos contemplados pelas perguntas: construção do conhecimento, percepção do aprendiz e diálogo pesquisadora-professores.

4.1. A construção do conhecimento nos jogos

A fim de descrever o processo de construção do conhecimento da LE nos sete jogos que compõem o nosso corpus, categorizamos as interações de acordo com os jogos de linguagem

decorrentes do jogo e com as capacidades de linguagem em constituição na interação. A categorização realizada fundamenta-se nos pressupostos de jogos de linguagem (Wittgenstein, 1953) e sua aplicação em estudos sobre o processo de constituição de LM (Bruner, 1975, Lier, 1985, Rojo, 1999a, 1999b, 2001) e no de capacidades de linguagem postulado por Dolz e Schneuwly (1996).

Enquanto o construto de jogos de linguagem permitiu que as interações nos jogos fossem classificadas a partir de seus aspectos tipológicos, o de capacidades de linguagem possibilitou a identificação das capacidades lingüístico-discursivas em construção nos sete tipos de jogos de linguagem identificados. Assim, por exemplo, nos jogos de nomear, a capacidade de linguagem dominante seria a nomeação de objetos lingüísticos específicos na LE, e nos jogos de argumentar as capacidades em foco seriam a exposição, sustentação e refutação de tomadas de posição.

O quadro abaixo indica os jogos de linguagem encontrados no corpus e as capacidades de linguagem dominantes em cada dos sete tipos de jogo de linguagem.

Jogo de linguagem (Aspecto tipológico)

Capacidade(s) de linguagem dominante(s)

NOMEAR Nomeação de objetos lingüísticos variados na LE. RELATAR Relato de experiências vividas.

EXPOR Exposição oral de vários tipos de saberes.

ARGUMENTAR Exposição, sustentação e refutação de tomadas de posição. INFERIR Inferências sobre pessoas, fatos, situações, etc.

Descrição de pessoas e objetos.

Descrição de ações: rotina, necessidade, etc. DESCREVER

Descrição de instruções e prescrições diversas. NARRAR Narrativa de enigma.

Quadro 4 – Capacidades de linguagem dominantes nos jogos de linguagem43

Para a análise da materialidade lingüística das interações, recorremos a alguns postulados da lingüística sistêmico-funcional. Com base no pressuposto de que as inúmeras funções que desempenhamos com a linguagem são influenciadas pelo contexto sociocultural e pelos nossos papéis e expectativas tanto em relação a esse contexto quanto à situação imediata em que a interação ocorre (Halliday, 1994, Eggins, 1994), buscamos, em alguns construtos da lingüística sistêmico-

43 Uma versão mais detalhada desse quadro com exemplos recortados do corpus e estruturas lingüístico-discursivas características

funcional, ferramentas que nos ajudassem a compreender os significados construídos e negociados, bem como as relações desses significados com o uso da linguagem em possíveis situações da vida cotidiana.

Os principais construtos utilizados e seus respectivos objetivos foram:

• significados experenciais (campo), interpessoais (tenor) e textuais (modo):

comparar, relacionar ou diferenciar as interações e o relacionamento estabelecido entre os interagentes com prováveis situações da vida cotidiana.

• relações sintagmáticas e paradigmáticas:

discutir o caráter mais ou menos formatado do jogo de linguagem e, conseqüentemente, a maior ou menor possibilidade de escolha propiciada ao aluno.

• modalidade, adjuntos e qualificativos:

identificar as diferentes estruturas modalizadas e operadores modais utilizados pelos alunos para expressar diferentes atitudes e julgamentos na LE no decorrer do jogo de linguagem.

Parece-nos importante enfatizar que os construtos da lingüística sistêmico-funcional selecionados para análise dos diversos instrumentos de coleta (jogos, questionários e sessões reflexivas) não se constituem em categorias de análise centrais. Foram utilizados para análise da materialidade lingüística das interações com o intuito de elucidar e ilustrar as categorizações realizadas. Da mesma forma que escolhemos a lingüística sistêmico-funcional, quaisquer outros construtos lingüísticos que têm como primordial o caráter social da linguagem poderiam ter sido empregados para análise da materialidade lingüística. A escolha da lingüística sistêmico-funcional justifica-se pelo possível diálogo entre seus construtos e o paradigma sócio-histórico de pesquisa aqui privilegiado, pela nossa familiaridade com a teoria e pela influência por ela exercida no contexto em que os dados foram coletados44.

44 É sabida a influência exercida pelos preceitos da lingüística sistêmico-funcional nas abordagens comunicativas para o ensino de

4.2. As percepções dos alunos sobre o processo de aprendizagem nos jogos

Recorremos mais uma vez aos postulados da lingüística sistêmico-funcional para a análise da materialidade lingüística das respostas dos alunos aos questionários. Para interpretar as avaliações realizadas, buscamos discutir os significados expressos por meio de:

• escolhas lexicais:

identificar as percepções dos alunos sobre o jogo e o jogo de linguagem por meio dos qualificativos e substantivos por eles utilizados para o estabelecimento de avaliações apreciativas.

processos mentais: o treinar, o revisar, o pensar e o refletir:

compreender o que pensam e sentem (Halliday, 1994 e Eggins, 1994) em relação ao papel dos jogos no próprio processo de aprendizagem.

• modalidade:

observar as atitudes e tomadas de posições expressas nas formas modalizadas utilizadas.

4.3. O processo reflexivo no diálogo entre pesquisadora e professores

O processo reflexivo construído no diálogo entre a pesquisadora (P) e os professores (Fa e Ce) é analisado à luz de concepções sócio-históricas da linguagem provenientes da teoria da enunciação bakhtiniana. Para interpretar os significados negociados nas discussões entre P, Fa e Ce, recorremos fundamentalmente às noções de:

• ideologias do cotidiano:

compreender as apreciações valorativas expressas pelos professores com base essencialmente no conhecimento intuitivo da prática, ou seja, a partir do julgamento não sistemático (não embasado por teorias diversas) das experiências vivenciadas em sala de aula no papel de professor ou de aprendiz.

• ideologias historicamente cristalizadas:

discutir como as ideologias historicamente cristalizadas presentes nos textos lidos assim como aquelas que embasam o processo formativo dos participantes entram na pauta da discussão para que interpretações e avaliações sobre a prática cotidiana sejam construídas.

• discurso autoritário e discurso internamente persuasivo:

avaliar as intervenções da pesquisadora (P) no diálogo, as possibilidades de participação e reflexão por ela propiciadas.

A ordem metodológica para análise das interações que procuramos seguir é aquela proposta por Bakhtin/Voloshinov:

1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza.

2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação da interação verbal.

3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação lingüística habitual. (Bakhtin/Voloshinov, 1929: 124)

Por entendermos que esses não se constituem em processos metodológicos estanques, procuramos estabelecer a sua inter-relação na análise a fim de compreender os conhecimentos co- construídos no diálogo entre P, Fa e Ce. Para o exame das formas da língua, buscamos ferramentas em construtos da lingüística sistêmico-funcional, em particular nas questões de modalidade e escolhas lexicais, e na noção de implicação e disjunção proposta por Schneuwly (1988).