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A análise acima, buscando responder às perguntas de pesquisa 1 e 2, foi orientada por dois objetivos centrais:

a. identificar os jogos de linguagem presentes nas interações decorrentes de um total de sete jogos, sendo que dois foram propostos para o Básico 1, dois para o Básico 3 e três para o Intermediário 4 (Pergunta 1);

b. discutir o desenvolvimento de capacidades de linguagem mais complexas nesses jogos (Pergunta 2).

Com base nesses dois objetivos, os resultados da análise das interações sugerem que:

A Os jogos de linguagem representam os componentes lingüísticos dos jogos, e a análise realizada levando-se em consideração a interdependência destes dois níveis da atividade revelou que:

1 A categorização das interações de acordo com a capacidade de linguagem dominante levou à identificação de sete tipos de jogos de linguagem: jogos de nomear, de relatar, de expor, de argumentar, de inferir, de descrever e de narrar.

2 Os jogos propostos para o Básico 1 trabalharam fundamentalmente a nomeação; a descrição de características pessoais é introduzida somente no segundo jogo. No Básico 3, o foco foi dado à exposição de saberes diversos e ao relato de experiências vividas, observando-se também a constituição ainda bastante inicial da capacidade de argumentar. No Intermediário 4, por sua vez, identificamos a ocorrência dos sete tipos de jogos de linguagem, ou seja, a utilização da LE para construção e negociação de significados mais variados.

3 Os jogos de nomear e descrever observados no Básico 1, dado o seu caráter formatado, levaram à prática recorrente dos objetos lingüísticos em constituição, limitando o uso da LE às estruturas, delimitadas previamente, presentes no eixo sintagmático e paradigmático. Já os jogos propostos para o Básico 3 e, especialmente, aqueles propostos no Intermediário 4, dado o fato de não serem baseados na fórmula eixo sintagmático fixo x eixo paradigmático variável, propiciaram aos alunos maior possibilidade de escolha das estruturas a serem utilizadas, criando, conseqüentemente, mais zonas para a negociação de significados e para o desenvolvimento potencial dos aprendizes.

4 As interações decorrentes do Jogo da Memória e do Super Trunfo (Básico 1) foram orientadas fundamentalmente pelo propósito pragmático de vencer a competição. Nesse sentido, embora a relação entre alunos, professor e atividade tenha ficado evidente, o aspecto interpessoal inerente à negociação de significados não se estendeu ao nível do jogo de linguagem. As capacidades de nomear e descrever, totalmente subordinadas à competição, distanciaram-se, portanto, de possíveis interações em que tais capacidades poderiam ser utilizadas na vida cotidiana. No Básico 3, em especial nos jogos de expor, observamos um foco bem acentuado na competição, mas, por outro lado, no jogo de relatar e preponderantemente no de argumentar decorrente do Jogo de Tabuleiro, a relação interpessoal estabelecida entre os participantes no jogo de linguagem foi mais próxima de situações reais nas quais a linguagem é utilizada para relatar experiências de vida ou expressar diferentes pontos de vista. Por fim, nas interações do Intermediário 4, o jogo de linguagem parece estar em primeiro plano, e a competição, o jogo, é apenas o contexto em que relações interpessoais são de fato estabelecidas.

B As capacidades de linguagem trabalhadas nos jogos tornaram-se mais complexas na medida em que:

1 A estrutura formatada dos jogos de linguagem observada no Básico 1 adquiriu dimensões diferentes no Básico 3 ou Intermediário 451, propiciando aos aprendizes uma maior possibilidade de escolha entre as estruturas da LE a serem utilizadas em determinada situação para desempenhar as funções sugeridas.

2 A repetição no eixo sintagmático e a substituição no eixo paradigmático (Básico 1) se transformaram em revozeamento do enunciado do outro (Básico 3 e Intermediário 4) nos momentos em que a palavra alheia foi apropriada para expressar uma apreciação valorativa própria em relação ao que foi dito.

3 Gêneros do cotidiano, orientados por motivações de ordem mais pragmática, por exemplo a simples troca de informações como nome, endereço, telefone, profissão entre outras, evoluíram para aqueles cujo foco é a exposição de saberes diversos ou o estabelecimento de relações interpessoais mais ou menos elaboradas: o simples relato de experiências vividas, a realização de inferências, a sustentação e refutação de tomadas de posição em esferas mais privadas.

4 Diferentes capacidades de linguagem passaram a integrar uma mesma situação: a descrição acompanhada pela realização de inferências, a exposição de saberes ou o relato de experiências pela argumentação e assim por diante.

5 A análise das interações na sua materialidade lingüística revelou o uso de formas mais complexas da LE para realizar funções lingüísticas diversas ou semelhantes: as declarativas e interrogativas formatadas no Básico 1, a modalização em estágio embrionário no Básico 3 e, finalmente, o uso de formas elípticas para indicar o conhecimento compartilhado da situação e de estruturas modalizadas variadas para expressar diferentes atitudes em relação ao que foi enunciado no Intermediário 4.

51 Mesmo nos jogos do Básico 3 e do Intermediário 4 (Superlative Quiz e Jogo do Mico), em que certas estruturas lingüísticas são

decorrentes na interação, o formato do jogo de linguagem não é tão rígido quanto o do Básico 1, permitindo aos alunos fazer opções sobre a forma de expressar determinada função.

CAPÍTULO VI

O JOGO E O JOGO DE LINGUAGEM SOB A PERSPECTIVA DOS JOGADORES

Neste capítulo a construção do conhecimento nos jogos é discutida sob a perspectiva dos aprendizes com o intuito de responder a nossa terceira pergunta de pesquisa:

• Como os aprendizes percebem a contribuição do jogo para o processo de aprendizagem? No capítulo de metodologia especificamos que, após a filmagem de cada um dos jogos, foi solicitado que cada aluno-jogador respondesse um questionário, instrumento utilizado com o intuito de levantar a percepção dos aprendizes em relação ao jogo e ao processo de construção do conhecimento da LE por este desencadeado. Portanto, ao elaborar o questionário, a pesquisadora pretendia lançar mão de um instrumento capaz de acessar as concepções dos alunos sobre a atividade: jogo e os objetos lingüísticos nela constituídos: jogo de linguagem, buscando compreender o interjogo entre esses dois aspectos sob a perspectiva dos jogadores.

Discutir as diferentes apreciações valorativas dos alunos sobre os sete jogos que integram o nosso corpus representa, nesse sentido, a busca do estabelecimento de um diálogo entre os resultados de análise que acabamos de discutir e as diversas vozes que possibilitaram que o jogo e o jogo de linguagem ocorressem.

Embora nos dois jogos do Básico 1 e no Jogo de Tabuleiro do Básico 3 um grupo focal tenha sido escolhido para a filmagem, o questionário foi respondido por todos os alunos presentes naquelas aulas, visto que os grupos não-focais desempenharam a mesma atividade. Por acreditarmos ser fundamental para a compreensão e representatividade do nosso objeto de estudo levar em conta o conjunto dos enunciados que avaliaram as situações de ensino-aprendizagem em questão, as respostas de todos os alunos ao questionário serão tomadas como possível objeto de análise.

O quadro abaixo mostra o número de alunos que responderam o questionário em cada um dos jogos e o total de questionários respondidos.

Estágio Jogo Número de alunos Jogo da Memória 13 Básico 1 Super Trunfo 12 Jogo de Tabuleiro 8 Básico 3 Superlative Quiz 7 Jogo do Mico 6 Role Playing Game (RPG) 3

Intermediário 4

Jogo de Tabuleiro 3

Total de questionários 52

Quadro 9 – Questionários coletados nos sete jogos

A fim de dar conta das diferentes percepções em relação ao processo de construção do conhecimento reveladas nesses 52 questionários, dividimos a discussão a seguir em três tópicos, cuja relação com as cinco perguntas que compõem o questionário pode ser visualizada abaixo.

QUESTIONÁRIO (ASSESSMENTS FORMS)

1 Avalie o jogo escolhendo uma das notas (Excelente, Bom, Razoável, Insatisfatório). Justifique sua escolha.

2 Como você avalia o seu desempenho nesse jogo? Que fatores contribuíram para que você tivesse esse desempenho?

3 Levando em consideração os aspectos lingüísticos enfocados no jogo, comente de que forma essa atividade contribuiu ou não para o seu processo de aprendizagem da LE. 4 De que forma o professor participou do jogo? Como essa participação interferiu no seu

desempenho ao longo da atividade?

5 Descreva sucintamente como a interação com os colegas durante o jogo contribuiu para a sua aprendizagem.

TÓPICO Dados obtidos das

perguntas:

O jogo como lúdico: a questão do (des)prazer, das regras e da competição

1 e 2

O jogo como elemento constitutivo da linguagem: o treinar, o revisar, o pensar e o refletir

1,2 e 3

A sócio-construção do conhecimento: o papel da interação com o(s) outro(s)

4 e 5 Quadro 10 – Relação entre tópicos levantados e perguntas realizadas

Dado o caráter aberto das perguntas, as respostas obtidas revelam percepções variadas em relação à experiência de ensino-aprendizagem em foco, o que torna extremamente complicado

estabelecer tópicos que venham a abarcar todos os aspectos mencionados pelos alunos. Por outro lado, acreditamos que uma classificação extremamente rígida de respostas abertas seria como submeter os enunciados a uma camisa-de-força, o que acabaria por suprimir o diálogo que pretendemos estabelecer. Assim, de forma a possibilitar que as diferentes vozes ecoem na discussão, optamos por eleger tópicos suficientemente abertos para permitir a reflexão sobre os diversos aspectos mencionados pelos alunos.

Para interpretar as contribuições dos alunos em relação a cada um desses três aspectos e de outros a ele relacionados, recorreremos mais uma vez à gramática sistêmico-funcional para a análise da materialidade lingüística dos enunciados, enfocando, principalmente, os significados experenciais, interpessoais e textuais revelados por meio dos processos mentais observados, das escolhas lexicais realizadas e do emprego de modalizações.