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1. INTRODUÇÃO

3.6 Análise dos dados

3.6.1 Procedimentos de Análise

Estudos qualitativos produzem uma grande quantidade de dados, sejam anotações de campo, transcrições de entrevistas, fotografias, etc. Como os dados são densos, a análise é dita sistemática, rigorosa e intensiva (Pope et al., 2000; Duarte, 2002), já que o investigador prossegue por vários níveis à medida que procura por sentidos e significados, substituindo as correlações estatísticas por descrições e as conexões causais objetivas por interpretações (Nogueira-Martins & Bógus, 2004).

Em contrapartida, a análise é um processo dinâmico e flexível, iniciando simultaneamente e dando forma à fase de coleta de dados, permitindo que perguntas inicialmente formuladas possam ser enunciadas de outra maneira ou totalmente substituídas à luz dos resultados e experiências que o investigador esteja configurando, além de permitir que hipóteses sejam formuladas e reformuladas à medida que se realiza a pesquisa (análise contínua) (Triviños, 1987). Essa circunstância permite que o investigador

esboce novas linhas de inquisição, vislumbrando outras perspectivas de análise e de interpretação no aprofundamento do conhecimento acerca do fenômeno, além de permitir a busca de casos negativos ou desviantes, ou seja, exemplos de discursos ou eventos diferentes das proposições e hipóteses que o trabalho vem delineando (Pope et al., 2000; Nogueira-Martins & Bógus, 2004).

A análise contínua, característica que separa diametralmente a abordagem qualitativa dos enfoques quantitativos e experimentais (Triviños, 1987), é quase inevitável, já que o investigador, muitas vezes, está no campo coletando os dados, o que torna impossível não pensar no que está sendo dito ou ouvido (Pope et al., 2000).

Além de contínua, a análise é fundamentalmente indutiva, ou seja, a teoria surge a partir dos próprios dados, na direção do particular ao geral (Triviños, 1987; Turato, 2000) e de dentro para fora (Marcus & Liehr, 2001). O investigador é orientado a descobrir teorias, conceitos, hipóteses e proposições a partir dos próprios dados e não a priori, antes do estudo, evitando a influência de pressupostos teóricos já existentes (Carrillo, 2004).

A tarefa de análise implica, num primeiro momento, a organização de todo o material (Duarte, 2002; Franco, 2003; Bardin, 2004; Nogueira-Martins & Bógus, 2004), dividindo-o em partes, de tal forma a relacioná-las, procurando identificar tendências e padrões relevantes. Num segundo momento, essas tendências e padrões são reavaliados, buscando-se relações e inferências num nível mais profundo de abstração (Bardin, 2004; Nogueira-Martins & Bógus, 2004), correspondendo a um mergulho analítico destinado à construção de hipóteses e reflexões, levantando dúvidas ou reafirmando convicções a respeito do fenômeno em estudo (Duarte, 2002).

Na verdade, não há fórmulas e tampouco regras para analisar e interpretar os dados qualitativos. Há apenas sugestões de procedimentos, dependendo, em última instância, da capacidade intelectual e do estilo do pesquisador, de tal forma a representar os dados da forma mais fiel e real possível, revelando-os conforme os propósitos da pesquisa (Patton, 1990; Nogueira-Martins & Bógus, 2004).

Abaixo, descreve-se, em detalhes, o procedimento de organização e interpretação dos dados conforme sugerido por Minayo (1993), Franco (2003) e Bardin (2004).

(I) Entrevistas: No que concerne às entrevistas (gravadas com a concordância prévia do participante), cada fita foi devidamente registrada e deu-se início ao processo de transcrição em que as informações verbais foram transformadas numa representação escrita através do software Microsoft Word. Como as transcrições são dados brutos, consistindo no registro descritivo da etnografia, não providenciam explicações, de tal forma a necessitar, então, de procedimentos de preparo e interpretação. Logo, as transcrições foram submetidas a um rigoroso processo de análise, obedecendo aos seguintes passos:

(a) leituras flutuantes: cada uma das entrevistas foi lida e relida, permitindo ao investigador entrar em contato com o material;

(b) procedimentos exploratórios, empregados de forma a permitir que hipóteses a respeito do fenômeno começassem a surgir;

(c) preparação do material, etapa durante a qual as entrevistas foram divididas e reagrupadas conforme as perguntas do roteiro. Durante esse processo, primeiramente, cada entrevista foi codificada, ou seja, identificaram-se, na transcrição, as respostas referentes a cada uma das perguntas do roteiro. Assim, cada entrevista transcrita foi desmembrada conforme a questão do roteiro, sendo que uma mesma passagem pôde corresponder a diferentes questões.

Posteriormente, foi criado um programa de computador específico para a inserção dos dados, possibilitando obter relatórios tabulados por questão do roteiro, de tal forma que as respostas do entrevistado A para a pergunta 1 foram agrupadas com as respostas do entrevistado B para a mesma pergunta, gerando um relatório de respostas específico para a questão 1. O mesmo procedimento foi repetido para as demais perguntas do roteiro.

Por exemplo, como na cidade de São Paulo, o roteiro de entrevista era constituído por 118 perguntas, gerou-se 118 relatórios, dos quais três eram específicos a ex-usuários. Assim, na cidade de São Paulo, foram gerados 118 relatórios ao grupo de ex-usuários (E) e 115 relatórios ao grupo de usuários (U). Como o roteiro da cidade de Barcelona era constituído por 27 perguntas, foram gerados 27 relatórios a cada um dos grupos, de tal

forma a gerar, junto com os da cidade de São Paulo, um total de 145 relatórios a serem analisados para o entendimento da cultura de crack em ambas as cidades pesquisadas;

(d) Posteriormente, os relatórios impressos foram avaliados individualmente e transformados em tabelas temáticas, a fim de possibilitar o tratamento dos resultados. As tabelas temáticas contêm o resumo das experiências e dos pontos de vista dos entrevistados, possibilitando a abstração e a síntese dos dados.

Finalmente, por intermédio das tabelas temáticas definiram-se conceitos, mapeou- se a natureza e a extensão do fenômeno, criaram-se tipologias e associações, de forma a obter-se os resultados e hipóteses a respeito da cultura de crack. É importante ressaltar que o processo de mapeamento e de interpretação foi influenciado pelos objetivos originais do estudo, assim como pelos temas que emergiram do processo de análise.

(II) Notas de campo: As notas de campo foram submetidas aos mesmos procedimentos de análise descritos em detalhes anteriormente.

3.6.2 Representação dos resultados.

Em pesquisa quantitativa é comum que os resultados sejam apresentados em tabelas, onde são destacadas as relações estatísticas entre as variáveis. Em contrapartida, em pesquisa qualitativa, como a descrição do fenômeno está impregnada de significados subjetivos, os dados tendem a ser representados de forma essencialmente descritiva, rejeitando toda e qualquer forma de expressão quantitativa ou numérica (Triviños, 1987; Pope & Mays, 1995; Turato, 2003).

Em pesquisa qualitativa, expressar os resultados em termos de freqüências absolutas e relativas, além de inadequado, tende a ser simplista e até errôneo (Pope et al., 2000). Porém, como os dados são extensos, o que lhes dificulta uma descrição mais objetiva, pode-se combinar a análise qualitativa a um resumo quantitativo dos resultados, mas, neste caso, a quantificação é meramente usada para condensar os resultados,

tornando-os mais compreensíveis, de tal forma que a pesquisa continua, em natureza, sendo qualitativa (Mays & Pope, 1995).

Na falta de representações quantitativas, os resultados são expressos por intermédio de narrativas e a fim de dar-lhes fundamentação concreta e riqueza, são ilustrados com fragmentos dos discursos dos entrevistados (Turato, 2000), além de serem complementados, quando possível, da redação das observações emergentes do “setting” (estudos de campo), de documentos pessoais, fotografias, entre outros que se façam necessários (Triviños, 1987).

Para a melhor qualidade da narrativa e suavizar o conteúdo dos resultados, as porcentagens são substituídas por expressões equivalentes, conforme proposto por Diaz et al. (1992), demonstradas na escala abaixo:

Expressões Porcentagem

Todos 100

Quase todos 90-99

A maior parte 75-89

A maioria 55-74

Um pouco mais da metade 52-54

A metade 49-51

Um pouco menos da metade 46-48

Mais de um terço 36-45

Aproximadamente um terço 31-35

Mais da quarta parte 26-30

Aproximadamente a quarta parte 24-26

Menos da quarta parte 16-23

Uma minoria 15 ou menos

Somente alguns (...)

3.7 Ética em pesquisa.

A realização do projeto de pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) sob o protocolo n 0078⁄04 (APÊNDICE 2).

Previamente à entrevista, todos os participantes foram informados a respeito dos objetivos da pesquisa, garantindo-se a confidência das informações e enfatizando-se que respondessem o que lhes conviesse, de forma que pudessem recusar-se a responder qualquer um dos tópicos. Todas as entrevistas foram gravadas com o consentimento oral de participação do entrevistado (gravado em fita) e após ter aceitado as proposições declaradas no TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (APÊNDICE 3).

Cada entrevistado foi ressarcido pelos gastos de tempo e transporte até o local de realização das entrevistas, de forma a obedecer aos princípios sugeridos na Resolução 196 do Ministério da Saúde que determina as normas de experimentação em humanos.

No que tange ao consentimento de participação consiste numa condição negociável, já que no decorrer do estudo, o que no início parece agradável, posteriormente pode tornar- se intromissão, podendo assumir posição inaceitável pelo participante. Assim, o pesquisador sempre se manteve aberto à desistência de participação caso assim fosse desejado e a qualquer momento. A oportunidade de renegociar o consentimento acaba por estabelecer uma relação de confiança e respeito entre o investigador e o participante, característica da conduta ética em pesquisa (Marcus & Liehr, 2001).

Ao estar aberto à possibilidade de desistência, no presente estudo, mais especificamente na cidade de São Paulo, houve a desistência de participação de três dos entrevistados e como se deram no decorrer da entrevista, seus dados foram desconsiderados do processo de análise.

A seguir, alguns dos tópicos, referentes à metodologia, são apresentados separados conforme a cidade do estudo.

Seção I – Dados específicos da cidade de São Paulo.

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