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Parte III: Trajetórias escolares

6. Caminhos e escolhas metodológicas.

6.3. Procedimentos metodológicos adotados.

A escolha das trajetórias escolares como caminho metodológico a seguir foi feita já em campo, no início da pesquisa. Inicialmente, havíamos pensado em realizar um estudo de caso sobre o Projeto Onda, com entrevistas e grupos focais. Dois fatos foram decisivos para nossa mudança de encaminhamento, ambos decorrentes do primeiro contato com o grupo de adolescentes vinculados ao Projeto.

Em outubro de 2013, quando participei da primeira oficina do Projeto Onda, na sede da organização idealizadora e implementadora do projeto, o INESC, em Brasília, conheci um grupo de onze jovens, de idades variando entre 16 e 18 anos, de diferentes escolas e de diferentes regiões administrativas37 do Distrito Federal, que compunham o coletivo formado a partir das diversas oficinas do Projeto nas escolas.

A maioria deles já havia terminado o ensino médio, alguns já tendo ingressado na universidade, outros em cursinhos preparatórios para o vestibular. Isso significava que a relação deles com o Projeto, no espaço escolar, já havia se encerrado e que, por algum motivo, eles continuavam vinculados, colaborando com a sua construção e desenvolvimento. O fato me chamou a atenção e me colocou diante de um problema – o primeiro fato decisivo para a mudança nos planos de pesquisa: como trabalhar com aquele conjunto de jovens em suas respectivas escolas, se eles já não se encontram nas escolas? Como observar a relação deles com esse espaço, se eles já não o ocupam?

O problema se adensou quando fui informada de que, naquele momento – trimestre final de 2013 – não seriam realizadas mais oficinas nas escolas38, pois que o Projeto se

37 No Distrito Federal, ao invés de bairros, têm-se regiões administrativas. Elas incluem áreas do Plano Piloto, as cidades satélites e áreas de expansão imobiliária do DF.

debruçava agora na consolidação de um grupo de “multiplicadores” da metodologia, o qual passaria por uma formação específica para, então, realizar oficinas com grupos de jovens de outros estados do país. Aquela oficina da qual eu participava era, enfim, uma dessas oficinas preparatórias.

O problema transformou-se, então, em oportunidade, quando me dei conta de que tinha, diante de mim, um conjunto de jovens que tinha não só participado das atividades do Projeto na escola, como também se mantinha no Projeto, atuando em grupo, construindo e desenvolvendo ações desencadeadas pelo Onda e de maneira coletiva. Meu interesse deslocou-se imediatamente para aqueles jovens que ali estavam, para as trajetórias que os conduziram até ali – e esse interesse, essa curiosidade de pesquisa despertada naquele momento, tornou-se o segundo fator decisivo para minha decisão de seguir pelo caminho das trajetórias.

O passo seguinte foi o de me familiarizar com aquele grupo, tornar-me conhecida e confiável para que fosse possível fazer as entrevistas de que precisava. Acompanhei, então, as duas oficinas seguintes como observadora participante e, em uma delas, apresentei às/aos jovens meu projeto e falei do desejo de conduzir entrevistas com aqueles/as que desejassem concedê-las. Pedi que me passassem seus endereços de e-mail e enviei a todos uma mensagem convidando para participarem da pesquisa.

Obtive apenas duas respostas manifestando interesse em realizar a entrevista. Voltei a escrever, dessa vez enviando mensagens individuais, dirigidas a alguns deles especificamente, insistindo no convite. Obtive mais duas respostas afirmativas. Finalmente, por forte recomendação da coordenadora do projeto, entrei em contato com um jovem que havia participado de uma oficina em sua escola alguns anos atrás e que, apesar de não seguir acompanhando as atividades do Onda com regularidade, era uma pessoa muito importante na história do Projeto. Entrei em contato explicando a pesquisa e convidando-o para uma entrevista e a resposta afirmativa foi imediata.

Assim, tinha diante de mim cinco jovens dispostos a falarem-me de suas trajetórias escolares e de sua relação com o Projeto Onda. Cheguei a insistir com outros naquele momento, mas não obtive retorno, passando, então, à condução das entrevistas. Era já final de outubro, período em que o tempo dos estudantes se torna escasso devido à temporada de avaliações finais nas escolas e universidades e às férias de depois.

Realizadas as entrevistas, percebi que dispunha ali de material rico e denso o suficiente para trabalhar. Pareceu-me também pouco coerente, para meus objetivos, pensar na realização de um grande número de entrevistas que me permitisse tipificações ou agrupamentos de resultados. O caminho a seguir, decidi, era o da análise aprofundada daquelas trajetórias, a partir das narrativas. Aqueles eram os sujeitos da história que queria contar e eram as experiências deles que poderiam dialogar com a minha questão de pesquisa.

O instrumento de pesquisa39 foi dividido em duas partes: a primeira, com questões fechadas e objetivas para a construção do perfil sócio-demográfico de cada entrevistado/a. A segunda, composta por um conjunto pequeno de perguntas amplas e abertas, que tinham o objetivo de apenas abrir espaço para a narrativa fluida de cada um deles.

Ao longo da entrevista, pequenas intervenções eram feitas, com o intuito, ora de alcançar mais clareza ou profundidade sobre algum ponto da narrativa, ora para conduzi-la para as questões orientadoras. Antes de começar cada entrevista, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi lido e aceito. As entrevistas foram únicas, todas realizadas na sede do INESC, em Brasília, durante o mês de novembro. A escolha do INESC como local para a realização das entrevistas apoiou-se no entendimento de que, por ser um local já conhecido por todos os/as jovens, seria um espaço no qual se sentiriam mais à vontade e seguros. Tiveram, em média, 90 minutos de duração. Apenas no caso de Joana e Pedro, por solicitação dos dois, a entrevista foi realizada conjuntamente, tendo resultado mais longa que a média.

Das cinco pessoas entrevistadas, foram três homens e duas mulheres, todos com 18 anos completos à exceção de um deles, já com 25 anos. Apenas uma das entrevistadas, Laura40, se auto-declarou de cor branca; dos outros quatro, três deles se auto-declararam

pretos e um deles, pardo. A renda familiar média do grupo variou da faixa de 1 a 2 salários mínimos até a faixa de mais de 10 salários mínimos. Os/as jovens entrevistados/as são de diferentes regiões do Distrito Federal: Paranoá, Cidade Estrutural, Lago Oeste e Planaltina – todas elas consideradas periféricas em relação ao Plano Piloto.

39 O roteiro de questões formulado para conduzir as entrevistas encontra-se anexo a esta tese.

40 Os nomes dos/as entrevistados/as utilizados na tese são fictícios. Todos os jovens me autorizaram a usar seus nomes reais e estive bastante inclinada a fazê-lo, inclusive para reconhecer o lugar de sujeitos que eles assumem nessa pesquisa. No entanto, optei por manter suas identidades protegidas ao menos nessa versão da tese, já que nenhum deles conheceu o resultado final do trabalho ainda.

Além das entrevistas que compõem o quadro de trajetórias escolares, realizei ainda uma entrevista com a coordenadora do Projeto, em março de 2013, e participei de três oficinas do projeto, em outubro de 2013, como observadora participante.

Finalmente, antes de centrar-me na pesquisa de campo, entre os meses de agosto e setembro de 2013, realizei uma série de cinco entrevistas41, que chamei de exploratórias,

para interlocução acerca do objeto desta tese. A intenção, ao realizar estas entrevistas, foi a de abrir canais de diálogo com interlocutores-chave sobre o tema das transformações sociais na educação escolar brasileira. Foram encontros fundamentais para a reflexão feita neste trabalho.

Em síntese, foram então os seguintes procedimentos metodológicos para a pesquisa:

1. Pesquisa bibliográfica e documental;

2. Observação participante em três oficinas do Projeto Onda;

3. Entrevistas em profundidade para construção de trajetórias escolares com cinco jovens vinculados ao Projeto Onda;

4. Entrevistas em profundidade de caráter exploratório com cinco profissionais do campo da educação para aprofundamento da reflexão acerca das transformações sociais nos espaços da educação escolar no Brasil.

Já a análise dos dados coletados foi feita a partir da escuta integral e da degravação parcial das entrevistas realizadas e do ordenamento temático posterior de trechos das falas. A partir deste ordenamento temático e do referencial teórico organizado em torno da noção de experiência social e das noções de redistribuição, reconhecimento e representação, definiram-se, como chaves de leitura e interpretação das experiências sociais narradas, as dimensões da coletividade, da territorialidade e do afeto, as quais foram associadas às dimensões fraserianas do reconhecimento e da representação.

41 Foram entrevistadas/os Raul Cardoso, Ludmila Gaudad, Natália de Souza Duarte, Sérgio Haddad e Silvia Yannoulas.