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Capítulo 4: Metodologia

4.1 Procedimentos metodológicos do Sociofuncionalismo

Tanto a Sociolinguística quanto o Funcionalismo linguístico de vertente norte- americana, correntes que compõem a interface sociofuncionalista, buscaram desde o princípio romper com a ideia de homogeneidade e de estabilidade das formas linguísticas, apresentando- as como maleáveis, heterogêneas quanto aos seus significados e passíveis de variação e mudança de acordo com o contexto linguístico e extralinguístico no qual estejam inseridas.

Devido ao fato de darem preferência à análise de dados os mais naturais possíveis, ambas as teorias priorizam a investigação da língua em sua modalidade oral. Por exemplo, para a sociolinguística variacionista

a base do conhecimento intersubjetivo na linguística tem de ser encontrada na fala – a língua tal como usada na vida diária por membros da ordem social, este veículo de comunicação com que as pessoas discutem com seus cônjuges, brincam com seus amigos e ludibriam seus inimigos (LABOV, 2008 [1972], p. 13).

Assim também acontece com as pesquisas de vertente funcionalista, uma vez que estrutura e uso são analisados em conjunto e em prol de uma maior compreensão da língua em contextos reais de comunicação, colocando-se em voga a função que uma determinada estrutura exerce naquela determinada situação.

Desde 1980 têm-se notícias de pesquisas que trabalham com a interface teórica sociofuncionalista. E, como afirmam Görski e Tavares (2013, p. 84), “pesquisadores afiliados às duas teorias em apreço consideram que a melhor fonte para a análise linguística são os dados atuais”, mesmo que não se descarte a possibilidade de análise de dados de diferentes sincronias com fins de comparabilidade e complementaridade.

Assim, grande parte das pesquisas de cunho sociofuncionalista no Brasil utilizam dados provenientes basicamente de banco de dados de fala contendo entrevistas sociolinguísticas, tais como Peul16, Varsul17 e Fala Natal18, criados segundo os princípios metodológicos propostos pela Sociolinguística laboviana, ou seja, buscando uma fala natural tendo como desafio driblar o paradoxo do observador (cf. LABOV, 2008 [1972]).

No entanto, algumas pesquisas de cunho especificamente sociofuncionalista trouxeram para análise amostras de escrita, tais como Tavares (2003), que comparou o emprego de conectores sequenciadores em trechos do romance As Vinhas da Ira com o emprego desses conectores em entrevistas sociolinguísticas. A escolha desse romance se deu devido ao fato de ele conter traços de oralidade que foram incorporados à escrita na fala dos personagens. Silva (2013), também em uma perspectiva sociofuncionalista, avaliou o uso de conectores sequenciadores em textos escritos – narrativas de experiência pessoal e contos – produzidos por alunos de ensino fundamental.

Buscando expandir os horizontes não apenas de nossa pesquisa, mas também da pesquisa sociofuncionalista como um todo, voltamo-nos para a interação linguística entre indivíduos pelo meio digital, fruto das mais recentes inovações tecnológicas. Especificamente, tomamos como fonte de dados um gênero textual escrito, o comentário no Facebook, que acreditamos ser influenciado por aspectos sociais e linguísticos, à semelhança de outros contextos de manifestação comunicativa do indivíduo enquanto partícipe de uma comunidade de fala/escrita.

Nossa investigação sobre o comportamento das formas verbais futuro do pretérito simples e composto e pretérito imperfeito do indicativo simples e composto que se alternam na expressão da contrafactualidade em comentários no Facebook seguiu as seguintes etapas tipicamente percorridas por estudos sociofuncionalistas:

1. Definição do envelope de variação, isto é, o pesquisador define o conjunto de escolhas linguísticas à disposição de um falante em uma certa comunidade de fala. Nessa etapa, o pesquisador identifica a variável linguística e suas formas variantes (cf. LABOV, 1978).

2. Levantamento de hipóteses para explicar possíveis tendências de distribuição das formas variantes. Essas hipóteses são operacionalizadas através da elaboração de grupos de fatores condicionadores de natureza sociocultural, linguística e estilística. Grupos de fatores condicionadores em

16 Programa de Estudos sobre o Uso da Língua - UFRJ 17 Variação Linguística na Região Sul do Brasil.

18 O Banco de Dados Fala Natal, ainda em construção, é um corpus de fala constituído de entrevistas

linha com diferentes hipóteses podem sugerir explicações distintas para um dado fenômeno variável, desde fisiologia da articulação a fatores socioculturais, estilísticos, cognitivos e comunicativos.

3. Os dados são coletados, codificados e submetidos a tratamento estatístico, a fim de que se possa medir a influência que cada um dos fatores exerce sobre o uso de cada uma das variantes.

4. Depois de obtidos os resultados quantitativos, busca-se verificar se as hipóteses foram atestadas, procurando-se chegar a uma explicação para o fato de os falantes optarem por uma forma em detrimento de outras formas também possíveis de serem empregadas com o mesmo significado ou a mesma função (TAVARES, 2013, p. 30).

Em relação à etapa 1, a escolha pelo fenômeno da alternância nas condicionais contrafactuais se deu inicialmente no nível morfossintático (cf. BRITO, 2014), ao observamos como era nítida a presença do futuro do pretérito e do pretérito imperfeito do indicativo alternando-se em suas formas simples e compostas na constituição das apódoses contrafactuais. Na sequência, decidimos alargar nosso estudo analisando também como aspectos semânticos e pragmático-discursivos podem influenciar na utilização dessas construções.

Quanto à etapa 2, o levantamento de hipóteses se deu com base na observação do ambiente no qual as construções condicionais contrafactuais que compõem nossa amostra foram extraídas, assim como na análise do comportamento das formas variantes dentro daquele contexto, ou seja, dentro do ambiente virtual em que pessoas do mundo todo compartilham informações basicamente através da escrita. A partir do trabalho por nós desenvolvido no mestrado também acerca das referidas construções, traçamos uma nova linha de investigação com o intuito de expandir a pesquisa através de uma visão mais pragmático-discursiva do fenômeno, trazendo para análise novos grupos de fatores, como se verá mais à frente.

A etapa três foi cuidadosamente cumprida. Visando a coleta de construções condicionais contrafactuais em contextos estratégicos cujos dados ocorressem de maneira natural e em larga escala, decidimos ir à procura de novos suportes e gêneros textuais que nos propiciassem tal coleta. A definição do gênero textual de onde extraímos os dados se deu após averiguação de vários ambientes virtuais e foi escolhido aquele que se mostrou mais produtivo no tocante ao uso de construções condicionais contrafactuais e cujas configurações nos propiciaram o controle de fatores sociais: o comentário no Facebook.

Extraímos da rede de interação social Facebook 346 comentários feitos por usuários da rede contendo amostras significativas de construções condicionais contrafactuais. É importante ressaltar que muitos dados foram descartados por não conterem construções cuja leitura fosse inequivocamente contrafactual ou que não possuíam em suas apódoses formas verbais passíveis de alternância (cf. exemplificado no cap. 3).

Os dados foram submetidos à análise estatística através do programa Goldvarb X (cf. SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), para cálculo de frequências, percentuais e pesos relativos,19 e para a identificação da ordem de significância dos grupos de fatores.