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Capítulo 5: Descrição e análise dos resultados

5.2 Grupos de fatores sociais

5.2.3 Sexo

Muito tem sido discutido pelos estudiosos da linguagem no tocante à análise das formas variantes em relação ao sexo do falante. Não resta dúvida quanto ao fato de a análise quantitativa ser capaz de identificar a predominância de uma forma em detrimento de outra em relação ao uso feito por homens e mulheres (cf. LABOV, 2001; CHAMBERS, 1995).

A influência do sexo é reflexo dos papéis sociais que homens e mulheres exercem em vários setores da sociedade. Nos estudos sociais, como relembra D'Avila (1999), a mulher tem sido apontada como determinante na mudança do quadro familiar, exercendo um papel de poder nessa transformação. A autora pontua que

com a homologação da Lei do Divórcio se estabelecem, definitivamente, outras configurações e novas convivências. Mulheres e homens cuidam sozinhos de seus filhos ou contam com a ajuda de redes familiares. Instala-se

o que alguns denominam de “crise” na família tradicional. Na década de 1990, a mulher aparece assumindo mais funções sociais, políticas, econômicas e trabalhistas que as diferenciam dos homens, embora o salário ainda seja numericamente menor. Outro aspecto novo em destaque nas discussões é a formação de casais homossexuais e a produção independente de filhos fora de uma união formal ou informal e, ou, através de inseminação artificial e adoção (D’ÁVILA, 1999, p . 1).

Na mesma ótica, no âmbito da Sociolinguística, como afirmam Coelho et al. (2012, p. 79), é “bem possível que a explicação sobre as diferenças linguísticas entre os sexos/gêneros esteja relacionada com o papel que a mulher tem na vida pública das sociedades”, podendo variar não apenas entre comunidades diferentes como dentro de uma mesma comunidade, uma vez que o papel que a mulher exerce está em efervescente transformação.

Retomamos aqui três dos princípios de mudança linguística propostos por Labov (2001). Esses princípios destacam o papel das mulheres nos processos de mudança linguística:

Princípio 2:

“Para as variáveis sociolinguísticas estáveis, as mulheres apresentam uma taxa menor de variantes estigmatizadas e uma taxa maior de variantes de prestígio do que os homens.” (LABOV, 2001, p. 266)

Princípio 3:

“Na mudança linguística from above, as mulheres adotam formas de prestígio em uma taxa mais alta do que os homens.” (LABOV, 2001, p. 274)

Princípio 4:

“Na mudança linguística from below, as mulheres usam frequências maiores de formas inovadoras do que os homens.” (LABOV, 2001, p. 292)

Labov (2007, p. 346) considera que a mudança from above envolve a “importação de elementos de outros sistemas”, ou seja, trata-se de mudança por difusão em que a forma alvo é oriunda de uma comunidade de fala externa. Por sua vez, a mudança from below é definida pelo autor como “o tipo normal de mudança linguística” (LABOV, 2007, p. 346), sendo a forma alvo proveniente do sistema linguístico da comunidade de fala em si.

Trazendo a realidade socioeconômica para os estudos da língua, aceita-se como explicação plausível ao fato de a mulher ser líder tanto na mudança quanto na estabilidade linguística, o fato de serem as cuidadoras diretas das crianças, mantendo, assim, um papel de transmissoras de formas linguísticas. Essa explicação confia no pressuposto de que, apesar de todas as transformações em termos do papel social das mulheres, inclusive com sua forte entrada no mercado de trabalho, elas ainda continuam a ser as maiores ou únicas responsáveis pelo cuidado com os filhos e com a casa. Além disso, temos o fato de que as mulheres ocupam

bem mais que os homens os cargos de professoras nos primeiros anos do ensino escolar e a profissão de babá.

Todavia, a influência exercida pelas mulheres no processo de transmissão linguística pode ser distinta quanto ao sexo da criança. Estudos que se voltaram à análise do impacto do input do cuidador no desenvolvimento de padrões diferenciados de sexo obtiveram indícios de que, desde o início da infância, as mães tendem a fornecer modelos de fala distintos para meninas e meninos, empregando variantes não prestigiadas mais frequentemente com os meninos do que com as meninas (cf. MEYERHOFF, 2006). Esse fenômeno ainda necessita de mais pesquisas a fim de ser melhor esclarecido, mas traz à tona indícios de que as mulheres podem estar sendo submetidas a um maior contato – em termos de frequência – com as formas prestigiadas em sua comunidade de fala desde a mais tenra idade, o que poderia ser um dos elementos subjacentes à maior tendência feminina de utilização desse tipo de forma. O aprofundamento dessa questão, porém, foge ao escopo deste estudo.

No controle do grupo de fatores idade, obtivemos indícios da validade de nossa expectativa inicial de que poderia estar havendo uma mudança em progresso na direção do aumento de uso de PI entre os escreventes mais jovens. Nossa hipótese para o grupo de fatores sexo é a de que as mulheres utilizam mais PI, visto que elas tendem a ser líderes de mudança em 90% dos casos (TAGLIAMONTE, 2012), seja no que tange a formas prestigiadas (caso do FP) ou a formas não prestigiadas (que podem ser marcadores estilísticos, como PI, ou estereótipos). Uma confirmação dessa hipótese pode ser considerada mais um indício de mudança em progresso.

Para a variável 1, obtivemos os seguintes resultados:

FPs PIs

SEXO Ap./Tot. % PR Ap./Tot. % PR Feminino 89/124 72 0.44 35/124 28 0.55 Masculino 78/98 80 0.56 20/98 20 0.43 TOTAL 167/222 75 - 55/222 25 -

Tabela 5: Distribuição de FPs e PIs quanto ao sexo. Fonte: utoria própria.

Observa-se que os homens são os que mais tendem à utilização de FPs, com frequência de 80% e peso relativo de 0.56. Já entre as mulheres, FPs tem uso mais restrito, com frequência de 72% e peso relativo de 0.44. PIs é favorecido entre as mulheres, com frequência de 28% e

peso relativo de 0.55, e desfavorecido entre os homens, com frequência de 20% e peso relativo de 0.43.

Para a variável 2, obtivemos os seguintes resultados:

FPc PIc

SEXO Ap./Tot. % PR Ap./Tot. % PR Feminino 40/59 68 0.46 19/59 32 0.53 Masculino 48/65 74 0.53 17/65 26 0.46 TOTAL 88/124 71 - 36/124 29 -

Tabela 6: Distribuição de FPc e PIc quanto ao sexo. Fonte: autoria própria.

Assim como FPs, FPc é mais propenso a ocorrer na escrita masculina, com frequência de 74% e peso relativo de 0.53. Também como PIs, PIc recebe mais destaque na escrita feminina, com frequência de 32% e peso relativo de 0.53.

Portanto, confirma-se a hipótese de que PI, tanto simples quanto composto, é condicionado positivamente entre as mulheres. Caso esteja em desenvolvimento um processo de mudança, como parecem apontar os resultados obtidos para o fator idade, a liderança aqui é feminina, a exemplo do que acontece na grande maioria dos casos de mudança linguística (cf. Tagliamonte, 2012). Assim, os resultados referentes ao sexo constituem, junto aos resultados referentes à idade, um reforço para a possibilidade de que uma mudança esteja em progresso rumo ao avanço de PI no condicionado da estrutura ‘se p, então q’ indicadora de contrafactualidade.

É digno de nota que Silva (1998) também encontrou, em seus dados, um uso mais recorrente de FP entre os homens e de PI entre as mulheres.

Mesmo que, neste estudo, não nos detenhamos na questão da natureza da mudança, como as formas de PI são utilizadas em todas as regiões do país, o tipo de mudança envolvido em seu avanço provavelmente seria a transmissão regular, isto é, a mudança from below, cuja origem está na própria comunidade de fala.