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2.1 A metodologia da pesquisa

2.1.2 Procedimentos técnicos: entrevistas, registros e

educandos das 4as séries do CIES Casimiro Filho: uma abordagem psicopedagógica (2001), ambos pela Universidade Estadual do Ceará – UECE.

Consideramos, para a composição do nosso campo empírico, as duas fases da artesania da cena Esconde-esconde, do Tempo Temporão. Selecionamos os procedimentos utilizados tendo em vista, de acordo com André (1995), a variedade de fontes de informações sugeridas pelos princípios e técnicas tradicionais da

etnografia e a forma de acesso às significações dos sujeitos sobre o trabalho com a

imaginação: diário de campo produzido pelo elenco do espetáculo durante a

primeira etapa da artesania da cena em 2002, entrevistas estruturadas e de

explicitação realizadas com os dois sujeitos, observações participantes e caderno de campo individual da pesquisa.

Em complementação a esses registros, coletamos informações em outros

documentos como artigos do jornal O Povo, entrevistas realizadas com autor-diretor por jornalistas e outros pesquisadores, uma nota de aula de um dos cursos do TRB, o texto dramático Tempo Temporão12, fotografias da atriz e do autor-diretor durante a infância e a adolescência e de seus parentes, fotografias dos ensaios da peça teatral na segunda fase da artesania, em 2005, e filmagem desse espetáculo, na íntegra.

Por termos participado das duas fases da artesania da cena estudada, fizemos, inicialmente, um trabalho individual de reconstituição de alguns fatos importantes ocorridos durante a primeira fase da artesania da cena através do diário de campo do Tempo Temporão. À medida que consultávamos esse instrumento, surgiam questões que nos orientaram na elaboração de um roteiro prévio das entrevistas. Após essas, recorremos novamente ao diário e fizemos comparações e

complementações entre os registros e os relatos dos sujeitos. Dessa maneira, foi possível sistematizarmos uma seqüência de acontecimentos e práticas ocorridos no

âmbito da artesania na primeira fase, estudada até aquele momento, com riqueza de detalhes.

Com esses dados sistematizados pelo elenco da peça, procuramos recuperar a memória do vivido pelo grupo durante os encontros em 2002. Essa é uma das formas de registro que vêm sendo utilizadas pelo TRB durante as

montagens dos espetáculos, variando entre registros individuais e coletivos13. Essas informações sistematizadas por datas nos ajudaram a descrever o modo inicial como o grupo pretendeu montar a referida peça. Embora não seguindo ainda uma lógica, mas sim o caos próprio do início da criação de uma obra artística, tais informações nos revelaram alterações de planos, de ações e de pensamentos durante o tempo e a dinamicidade desse fazer. Sobre esse caos inicial, a atriz mencionou: Todo o nosso processo de criação foi caótico14.

Esse trabalho de recomposição da memória dos fatos ocorridos, tendo como base o diário de campo produzido pelo elenco, foi realizado durante toda a pesquisa. Este registro foi uma espécie de bússola que orientou as demais etapas da coleta de dados. A ele recorremos até o último momento do estudo.

Foram aplicadas, individualmente, quatro entrevistas em diferentes fases da pesquisa, sendo três estruturadas15 com perguntas previamente elaboradas em profundidade e uma de explicitação. Com o autor-diretor, as estruturadas foram realizadas nos dias 15 de setembro e 20 de outubro de 2005 e 25 de janeiro de

12 Para efeito de distinção, estamos utilizando o título Tempo Temporão em itálico para nos

referirmos ao espetáculo, mas não para o texto dramático homônimo.

13 Consultar registro feito pela atriz no diário de campo dos dias 13,14 e 17 de fevereiro, de 2002, em

anexo.

14 Trecho da entrevista 1 realizada com a atriz em 10/11/2005. A partir desse ponto, identificaremos

as entrevistas realizadas com a atriz, de acordo com o número e a data de realização, em ordem cronológica, obedecendo aos seguintes códigos: E1 S (onde E = Entrevista, 1= primeira a ser realizada, S= Suzy) – 10/11/2005. As demais entrevistas seguiram os mesmos códigos mudando apenas a numeração. E2 S – 17/11/2005; E3 S – 20/11/2005.

2006. A entrevista de explicitação ocorreu no dia 18 de março de 2006. As duas primeiras ocorreram no CAD e as duas últimas no TJA. Com a atriz, realizamos as estruturadas nos dias 10,17 e 20 de novembro de 2005 e a entrevista de explicitação no dia 20 de março de 2006. Todas em minha casa, onde ocorreram os ensaios da segunda fase da artesania.

As entrevistas de explicitação com a atriz e o autor-diretor ocorreram nos momentos em que necessitamos de esclarecimentos quanto a algumas informações e para uma melhor compreensão no uso de alguns conceitos. Não elaboramos um roteiro prévio para tais entrevistas, que estiveram mais próximas de uma conversa informal.

Todas as entrevistas foram gravadas em fitas cassete e transcritas com o tempo de duração das sessões variando entre uma e duas horas. Para o acesso ao trabalho imaginativo dos artistas pesquisados como elemento de composição na artesania da cena do Tempo Temporão, iniciamos com uma recolha de narrativas sobre suas memórias de infância e de adolescência. Para isso, utilizamos a história de vida tópica.

Nesse procedimento metodológico, destacamos a noção de entrevista em profundidade que possibilita um diálogo intensamente correspondido entre entrevistador e informante. [...] Nela geralmente acontece a liberação de um pensamento crítico reprimido e que muitas vezes nos chega em tom de

confidência. É um olhar cuidadoso sobre a própria vivência ou sobre determinado fato. Esse relato fornece um material extremamente rico para análises do vivido. Nele podemos encontrar o reflexo da dimensão coletiva a partir da visão

individual. (CRUZ NETO, 1994, p. 59)

15 As três entrevistas estruturadas, realizadas com a atriz e o autor-diretor, encontram-se anexadas a

Sem descuidarmos do momento presente em que ocorreram as experiências de vida e de arte dos sujeitos e dos possíveis conceitos por eles fornecidos, o nosso esquema de entrevistas abrangeu a formação teatral e acadêmica, o envolvimento com a poética Radical, as experiências docentes em teatro e, principalmente, como procederam em seus trabalhos de imaginar a cena, expressando-as em uma forma teatral durante o processo de criação.

Os depoimentos dos sujeitos sobre suas experiências de vida e de arte, enfocaram memórias vivenciadas nesses contextos. Juntamente com os demais elementos da artesania da cena (detalhados no capítulo 3 - As fases da artesania

da cena do espetáculo Tempo Temporão) transformaram-se em matéria do

trabalho imaginativo, sintetizado artisticamente no Tempo Temporão.

Realizamos observações participantes na segunda etapa da artesania da cena, entre 10 e 30 de outubro de 2005. Nessa fase criamos, a atriz e eu, uma cena complementar àquela denominada Esconde-esconde (nosso recorte de análise no presente estudo), escrita pelo autor-diretor devido a necessidade de pontuarmos com mais clareza o momento em que as personagens velha e menina, na peça em questão, trocam de papéis: a velha remoça e se transforma em menina e a menina, envelhece.

Como fazíamos parte do elenco, estivemos diariamente em contato com os sujeitos, participando das atividades realizadas, o que nos ajudou a captar uma variedade de situações que não foram possíveis por meio das entrevistas. Observamos,

principalmente, o modo como os sujeitos imaginaram a cena nas discussões em grupo e nos momentos de criação, na rede de dormir, em situações de devaneio, como nos ensina Bachelard (1988). Os encontros ocorreram inicialmente na residência da atriz e, em um segundo momento, na minha. Na segunda fase da

artesania, em 2005, registramos as impressões e fatos observados no caderno de campo individual da pesquisa. Essa prática nos revelou um universo desconhecido à medida que tentávamos expressar um pensamento para cada detalhamento das observações realizadas e relacioná-las aos aspectos identificados em nossos estudos teóricos, propiciando-nos o distanciamento do ambiente conhecido.

De acordo com esse documento, dividimos os registros das observações em quatro blocos: leitura e análise pelo grupo do texto da cena complementar (10 a 13/10/05), experimentações práticas na rede de dormir para a criação da cena complementar (14 a 20/10/05), encaixe desta cena à estrutura antiga do espetáculo (21 e 22/10/05) e ensaios do espetáculo completo (24 a 29/10/05).

Através desses registros, percebemos alguns aspectos que reorientaram a pesquisa durante o seu desenvolvimento como o modo específico com que os sujeitos

pesquisados compreenderam e imaginaram a cena em estudo, de acordo com as funções artísticas por eles desempenhadas e a influência dessa prática teatral na formação humana e na prática docente em teatro, por eles desenvolvida, como arte- educadores.

Utilizamos dois artigos do jornal O Povo, que nos ajudaram na

complementação das descrições sobre a evolução da história do TRB (criação e alguns princípios teóricos) e do Tempo Temporão. O primeiro, de autoria de Ricardo Guilherme, apresenta a idéia que originou o TRB; o segundo narra o fechamento do Teatro Radical.

Aprofundamos os dados sobre aspectos relacionados aos princípios teóricos e metodológicos do TRB em uma nota de aula do Curso de Encenadores Radicais – CER e em três entrevistas realizadas com o autor-diretor pela atriz de teatro e

Nesses documentos, colhemos informações sobre as influências de outros

estudiosos teatrais para a sistematização da poética radical, sobre a ATRL16 e sobre a formação acadêmica dele e sua prática docente em teatro (no CAD) entre outros aspectos.

Através do texto dramático Tempo Temporão, buscamos as significações atribuídas pelo autor-diretor ao seu trabalho com a imaginação, nessa narrativa. Algumas delas relacionadas às suas memórias de infância e de adolescência, ao seu repertório de formação cultural e de pesquisa e, principalmente, à criação de imagens imaginadas por ele, compuseram esse quadro de sentidos. Convém esclarecermos que não tencionamos (e nem é nosso foco de pesquisa) analisar a produção desse texto teatral quanto aos seus elementos literários (estrutura, discurso, figuras, por exemplo). Pretendemos, antes, compreender, através do universo de atuação de cada um dos sujeitos na artesania da cena teatral, como se realizou o trabalho do imaginar, segundo as análises desses sujeitos.

Com as fotografias buscamos, não a leitura em si das imagens retratadas, mas a descrição das situações registradas como parte representativa dos ensaios, nas duas fases da artesania da cena e para ilustrarmos a descrição desse processo, das ações dos artistas e de seus parentes como partícipes de suas memórias de infância e de adolescência. No caso do autor-diretor os relatos dessas memórias foram complementados também por poemas de sua autoria. As fotos da segunda fase da artesania da peça nos ajudaram, ainda, a ilustrar a descrição das mudanças

ocorridas na cena Esconde-esconde de acordo com o texto dramático, para

registrarmos os momentos de criação e expressão de imagens pela atriz pesquisada

através do corpo e da voz em cena e para ilustrar imageticamente a narrativa do espetáculo.

Trabalhamos ainda com uma filmagem do Tempo Temporão. Recorremos a esse instrumento várias vezes para relembrarmos a dinâmica e as imagens dessa peça em seu todo, realizando comparações e sínteses de entendimento acerca da

evolução ocorrida entre as duas fases de aperfeiçoamento da artesania da cena, de acordo com a sua dinâmica própria.

[...] As imagens fazem ressoar memórias submersas e podem ajudar entrevistas focais, libertar suas memórias, criando um trabalho de “construção” partilhada, em que pesquisador e entrevistado podem falar juntos, talvez de uma maneira mais descontraída do que sem tal estímulo. (LOIZOS, 2002, p. 137)

Em relação à sistematização dos depoimentos colhidos nas entrevistas, durante a análise dos dados, nos esforçamos por manter as falas dos artistas como no momento da recolha, considerando a tartamudez, as pausas, os eventuais

equívocos de pronúncia. Contudo, para realizarmos o exercício analítico próprio ao rigor científico, tivemos que, com pesar, recortar algumas falas e contextualizá-las dentro dos nossos objetivos de pesquisa. Apesar disso, procuramos preservar ao máximo os discursos desses sujeitos.

Informações sobre os vários momentos da criação artística como as discussões sobre a divisão de unidades do texto dramático, as dúvidas do elenco sobre as tentativas de estruturação da encenação, sobre a aplicação da metodologia Radical à encenação, relações entre esta e o texto dramático, entre outras,

entrecruzaram-se com o trabalho do imaginar expresso pelos artistas pesquisados na obra de arte Tempo Temporão.

Todos aqueles registros nos exigiram, além de um esforço de organização, um trabalho de análise e de interpretação de significados atribuídos pelos sujeitos, em que a base foi o trabalho com a imaginação feito por eles, a partir de suas memórias individuais e coletivas, atos imaginativos e racionalidades nos tempos passado e presente de criação de um espetáculo teatral. Desse modo, diferentes olhares que percebemos sobre as significações desse trabalho falaram no tempo presente de experiências elaboradas e vivenciadas em comum na área teatral que, longe de se perderem no tempo, tornaram-se válidas para o teatro cearense, porque contêm a fala dos seus autores.

O volume de material recolhido nos exigiu um esforço de síntese de acordo com o enfoque da pesquisa, na perspectiva de uma análise coerente dos dados, tamanha a riqueza dos conteúdos que se apresentaram. Esse esforço nos pareceu uma

exigência enfrentada por pesquisadores que adotam a abordagem etnográfica. É o caso de Linhares (2001, p. 290) que, em seu estudo Pensamento Criador ou Narratividade enquanto Ato Criador: Processos Criativos na Crítica da Cultura, realizado na comunidade de Canto Verde, no litoral do Ceará, afirma:

A interdiscursividade que os variados olhares, de lugares diferentes, na comunidade, nos possibilitavam, se rica como método e conteúdo de trabalho, na pesquisa passa a exigir uma análise mais acurada de materiais justamente pelo volume deles que é maior. De resto a etnografia [...], lida com estas dificuldades de ter uma extensividade, em termos de descrição que, se não contida, tolda possibilidades de movimentos de compreensão, do objeto de estudo, mais reveladora.

O nosso olhar foi construído em função das significações sobre o trabalho imaginativo em teatro e da mediação entre a coleta e a análise dos dados sobre

essa realidade estudada. Nossos sentimentos foram inseridos na pesquisa durante essas etapas, ao mesmo tempo em que procuramos nos orientar pelo rigor

necessário à produção científica no tratamento com a atividade teatral. Isso significa, de nossa parte, uma tentativa de superação da visão dicotômica entre emoção e razão que, muitas vezes, destitui o caráter de racionalidade presente no fazer artístico e em sua análise na pesquisa, em função da ênfase na idéia de que a obra de arte deve ser fruto apenas de componentes intuitivos e sensíveis. Entretanto, apesar dessa evidência da atividade racional presente na arte, muitos ainda não a aceitam neste campo.

Apesar de ter-se evidência da racionalidade na arte em várias épocas, sempre existiram e existem até hoje muitos que não aceitam arte como uma forma de atividade racional. Críticos, artistas, intelectuais e mesmo o cidadão comum debatem o problema. Mas a maioria das pessoas, e mesmo alguns setores mais acadêmicos, pensam que a produção e a

recepção não obedecem a uma norma racional. Para o senso comum, arte é sinônimo de emoção. (ZAMBONI, 1998, p. 8)

Realizamos articulações entre as formas de registro selecionadas e o referencial teórico construído ao longo da pesquisa como forma de analisarmos criticamente o que nos foi mostrado no campo, na segunda etapa da artesania do Tempo Temporão. Nessa dinâmica investigativa, buscamos a mediação entre a produção e a análise das informações obtidas por meio dos documentos e

observações realizadas e os diálogos estabelecidos com a atriz e o autor-diretor do TRB, de acordo com as sua falas e ações realizadas.

Em especial, utilizamos, para as análises sobre as significações do trabalho

Gaston Bachelard, tentando fazer uma comparação entre o exercício de interpretação das imagens poéticas realizado por este teórico e o nosso entendimento sobre a interpretação das imagens imaginadas, realizada pelos artistas teatrais pesquisados, porém, não nos prendemos a uma aplicação rigorosa dos métodos utilizados por Bachelard (Fenomenologia de Imaginação e Psicanálise do conhecimento objetivo), mas tivemos a intenção de colher subsídios teóricos para a compreensão do nosso objeto de estudo, no âmbito da cena teatral.

2.1.3 A poética do TRB como espaço da pesquisa: princípios