• Nenhum resultado encontrado

Iniciamos a segunda fase da artesania do espetáculo Tempo Temporão referente à criação da nova cena complementar à terceira unidade Esconde- esconde a partir de 10 de outubro 2005, de acordo com registro do caderno de campo individual da pesquisa80. Esta nova cena foi também escrita pelo autor- diretor, em 200481. Nesse sentido, ressaltamos que, em nossas análises,

consideramos as significações sobre o trabalho com a imaginação, atribuídos pela atriz e pelo autor-diretor pesquisados também nesse segundo momento da

artesania, em uma perspectiva de comparação com a primeira fase.

80 Em 31/07/2002 há registros no caderno de campo do Tempo Temporão de discussões entre as

atrizes sobre a necessidade de adaptação da dramaturgia à encenação. No caderno de campo individual da pesquisa registramos em 10/10/05, a retomada dessa discussão como memória da primeira fase da artesania.

Dispúnhamos de apenas vinte dias, entre 10 e 29 de outubro de 2005, para criarmos a nova cena (não estamos considerando para o estudo o período de

ensaios corridos entre 01 e 04 de novembro de 2005). Precisávamos ainda repassá- la tecnicamente nos ensaios, agora como parte de um todo que era o Tempo

Temporão. Com a estréia da nova temporada82 vimos o tempo, mais uma vez, exigindo atenção. Sobre a criação desta cena, Ricardo Guilherme mencionou:

ESTA CENA COMPLEMENTAR FOI ESCRITA PORQUE JULGUEI, DEPOIS DE VER ALGUMAS ENCENAÇÕES, QUE SE FAZIA NECESSÁRIO EXPLICITAR MAIS A TRANSFORMAÇÃO E A INVERSÃO DOS PAPÉIS QUE A AVÓ E A NETA PROTAGONIZAVAM NA TRAMA [...]. QUIS DEMARCAR EM AMBAS AS PERSONAGENS, DE UM MODO MAIS CLARO, A CONSCIÊNCIA DA PASSAGEM DO TEMPO E DA IMINÊNCIA DA MORTE. A CENA DEMONSTRA OPOSTOS DE CONCEPÇÃO SOBRE ESSES DOIS TEMAS QUE AS IDADES DÍSPARES DAS DUAS CONFRONTAM. À MENINA (QUE ENVELHECEU) SOBRA TODO O TEMPO DO MUNDO ENQUANTO À VELHA (QUE REJUVENESCEU) SÓ RESTAM AS SOBRAS DO TEMPO. ESTA POTENCIALIZA A MORTE E A DESCREVE COMO UMA JOVEM VIGOROSA CONTRA A QUAL SERÁ INÚTIL RESISTIR E AQUELA, DESCREDENCIA A MORTE, ASSOCIANDO-A À IMAGEM DE UMA MATUSALÊNICA MULHER, JÁ DESPROVIDA DOS SENTIDOS, CUJA INVESTIDA SERÁ FÁCIL DRIBLAR83.

Pretendíamos ensaiar na residência da atriz pesquisada pelo fato de ela ainda estar amamentando a filha. Porém, não havia um espaço apropriado no qual coubesse o suporte de ferro, pois o quintal havia sido reformado. Assim, demos continuidade aos ensaios na varanda da minha casa. O clima doméstico de visitas inesperadas, telefone tocando, cachorros latindo, a música alta da vizinha nos exigia concentração redobrada. Um sentimento de que tínhamos que, de alguma forma, ultrapassar isso tudo para chegarmos ao estágio de criação84.

82 05 de novembro de 2005, na sala Nadir Papi Sabóia, do TJA, às dezenove horas; a temporada

prosseguiu durante os fins de semana daquele mês.

83 E3 RG

Um outro fato interessante foram os tempos entrecruzados entre vida e obra, o que nos impunha um recomeço com outros olhares, especialmente para Suzy: o nascimento da filha trouxe-lhe profundas transformações para a vida pessoal e artística. Marina, que aos três meses de gestação estava na barriga da mãe, durante a última apresentação do Tempo Temporão em 2004, no Teatro do SESC, agora estava também conosco, iniciando um novo ciclo.

Marina, agora nascida e com três meses de idade, “assistia aos ensaios”. Não mais o caos do início da criação da peça, mas um criar tenso, devido aos entraves domésticos e a preocupação do grupo com a criança, que solicitava o seio da mãe. Para a atriz, a experiência da maternidade em meio à artesania da cena trouxe-lhe profundas mudanças pessoais e artísticas, como se essa segunda fase também assim o fosse para ela, na vida. Sobre esse fato, vejamos o que diz a atriz pesquisada: Depois que a Marina nasceu, eu sou uma outra pessoa. Até como artista, eu sou uma outra pessoa completamente, completamente. Nem lembro mais o que eu era. E esse pedacinho pra mim, foi feito por outra pessoa, em relação a mim85.

Nessa segunda fase da artesania da cena, em virtude do pouco tempo que tínhamos, não voltamos às discussões em grupo sobre as etapas metodológicas (axioma dialético, conflito radical e antonímias), que não ficaram realmente definidas na primeira fase. Priorizamos a criação da cena complementar e a sua adaptação ao todo da peça.

Diferente da primeira fase da artesania há poucos registros desta segunda fase no caderno de campo do Tempo Temporão como, por exemplo, um cronograma de atividades do grupo com datas de ensaios e as atividades aí desenvolvidas. As

observações utilizadas a partir de então foram registradas no caderno de campo individual da pesquisa, complementadas pelas entrevistas realizadas com os artistas pesquisados em diferentes momentos desta segunda fase.

Em entrevista realizada com o autor-diretor, em 20 de outubro de 2005, ele atualizou algumas questões relacionadas à proposta da dramaturgia da peça, à encenação e, principalmente, em relação ao discurso sobre os processos de resistência da cultura popular nordestina, sustentado pelo elenco.

Aquelas questões ocuparam um importante espaço na pesquisa, pois interferiram na relação entre a artesania da cena e os significados sobre o trabalho imaginativo realizado pelos artistas, embora não tenham sido retomadas discussões com o elenco (eu e a atriz) no sentido de rever essas mudanças nas etapas

metodológicas, e, principalmente, no que se refere ao axioma dialético.

Iniciando pelo fato de ter o Tempo Temporão como um veículo de reflexão sobre os processos de resistência da cultura popular nordestina no contexto atual massificado e consumista, segundo o autor-diretor a encenação não mostra isso. E por quê? Porque, segundo ele, ao elegermos “velha” (repassa seus saberes de tradição para a neta) e “menina” (resiste em assimilar estes saberes), como

personagens antagônicas, estaríamos evidenciando um conflito entre as duas que não existe.

De acordo ainda com o autor-diretor, não há evidências deste discurso de resistência cultural, na linguagem dramatúrgica, no drama vivido pela velha e pela menina ou na encenação, de que a primeira queira a todo custo repassar à segunda, saberes culturais que esta rejeita. De acordo com este autor-diretor:

Eu acho que o discurso é muito bom, mas eu acho que ele não tem base dramatúrgica e cênica. Não está criado lá que é uma menina contemporânea que tem acesso à televisão e que tá querendo se vestir de Xuxa e uma avó que quer dar a ela os códigos de uma cultura tradicional e elas se recusa a esses códigos, e diz: “Ô coisa feia!” [...] Eu acho uma subversão, um sertão mítico. E não acho que o problema da peça, em cena, seja o embate entre modernidade e tradição. Eu vejo um processo de iniciação de uma menina nesse universo de cultura popular. E a partir daí, ela vai se... pelo domínio dos rituais dos adultos. Mas, ainda no universo do mítico, do sertão mítico. Ela vai crescendo até envelhecer. Mas, não vejo ela lutando, dizendo: - eu não quero ser cearense. Eu quero ser moderna. Eu quero um celular. Eu quero... nem o pensamento dela também é um pensamento contestador, de: - eu quero viajar, quero conhecer outros mundos. Esse menino é preto, é feio. Eu quero é um homem branco de olhos azuis que eu vi na televisão! Não é. Ela tem medo de ir pra cama com ele porque, aquilo é um homem. Ele é diferente, ela é uma menina que nunca conheceu homem86.

Ao tentarmos, eu e a atriz, estabelecermos uma convenção entre o tempo passado com suas tradições e dinamicidade representado simbolicamente pela velha e, da mesma forma, ao elegermos a menina como um símbolo de resistência a tudo isso, localizando-a no tempo de hoje, para mostrar o desconhecimento do nordestino em relação a sua cultura, não conseguimos revelar isso na encenação. Ou seja, para o autor-diretor, o discurso destoou da encenação, mas alinhou-se ao texto dramático.

A menina do texto dramático é criada com a avó – a mãe está na farinhada, o pai é um jangadeiro e ambos vivem em um sertão. Não há uma recusa a esses códigos em relação, por exemplo, a um modismo que ela veja na televisão. Portanto, não há, no texto dramático, um diálogo que situe a menina em um universo moderno

diferente daquele em que vive a sua avó. Nós não criamos uma encenação que evidenciasse que essa menina está em um tempo atual.

O que percebemos dessa reflexão é que para levarmos adiante o discurso do embate entre a tradição e a modernidade, teríamos que mostrar isso na

encenação, ainda que o texto dramático não indicie tal questão. Porém, o que tínhamos era uma encenação em sintonia com uma dramaturgia que mostrava uma resistência da menina sim, mas, devido a um desconhecimento da menina em relação ao novo, mostrado pelas experiências culturais e de vida pela avó.

Para esta recusa a menina, que pertence ao mesmo universo cultural da avó, teria que ter outro referencial de cultura que não está criado na dramaturgia. Ela poderia, por exemplo, não querer dormir na rede ou comer em cuia. Ao contrário, no início do texto, ela já canta cantigas de roda como Lagarta Pintada, conhece trava- línguas e usa uma linguagem própria do sertão imaginário criado pelo autor-diretor.

Em conseqüência disso, o axioma dialético da peça não evidenciaria muito mais uma resistência de alguém (em nosso caso, a menina) a um conhecimento novo que está situado no universo da cultura popular, mas sem resistência em função de outro padrão? Em relação à personagem da menina o autor-diretor reforça:

Pois é, mas se a resposta for que ela é do sertão hoje, teria que tá construído. Mesmo que não tivesse no texto. Em cena, tinha que está construindo essa modernidade, esse sertão hoje, né. E esse não é o caso. A menina... entende? Não é. Eu acho que é uma coisa essencial que no discurso está. Eu já ouvi você dizendo isso e fico às vezes receoso, dizendo: meu Deus isso tá em cena? Essa menina não assiste a Xuxa. Ela não diz em momento nenhum que não quer o Jaraguá por que ela prefere o fofão. Que não quer se deitar com o menino preto cuja lua reflete na testa, porque prefere um galego de olhos azuis... (E1 RG)

Para efetuarmos essas mudanças, seria necessária uma revisão profunda do axioma dialético, do conflito radical e das antonímias para reestruturamos a encenação de acordo com essa revisão. Na prática, se chegássemos a uma concordância, precisaríamos de um tempo maior de ensaios e discussões do qual

não dispúnhamos, pois precisávamos criar a nova cena para a temporada do TJA e recuperar o ritmo do espetáculo como um todo. Logo, essa mudança não foi revista.

Os ensaios diários ocorreram no final de tarde, na varanda de minha casa, a partir de 24 de outubro de 2005, e foram bem práticos dessa vez. Fazíamos um aquecimento rápido de corpo e voz e partíamos para as experimentações dentro da rede de dormir, na tentativa de perceber o encaixe da nova cena na estrutura cênica anterior do Tempo Temporão, de acordo com a seqüência de movimentos criados.

Para a seqüência de realização do aquecimento contávamos com um pequeno espaço. Inicialmente, andávamos em ritmos variados ao redor do suporte de ferro, às vezes dialogando sobre possíveis idéias e imagens para cena, outras, “passando o texto”, que é a forma denominada em teatro de aprendermos as falas do texto dramático, de acordo com as entonações do outro ator com quem se contracena.

Em seguida, fazíamos um alongamento em partes do corpo como pés, pernas, tronco, braços e pescoço, algumas vezes rápido, outras vezes lento, devido ao cansaço do cotidiano. Para a voz, iniciávamos exercitando diferentes expressões, sons, ritmos e volumes, buscando tons que lembrassem aboios de vaqueiros, um exercício já iniciado na primeira fase. Em relação ao aquecimento, parte importante em qualquer ensaio na área de artes cênicas, Burnier (2001, p. 113 – grifos do

autor) nos adverte para alguns detalhes, como o ritmo lento com o qual realizávamos nossos ensaios:

Para o aquecimento é importante ter em mente alguns detalhes: 1) ele visa acordar o corpo para uma atividade física e criativa. Parece redundante, mas muitos atores, ao se aquecerem, não dinamizam suas energias, mas, ao contrário, “apaziguam-nas”, quase adormecendo. Certas práticas como a de massagear o próprio corpo, ou demorados alongamentos no início de um

“físico e mental” Embora aquecer o corpo seja importante, para um ator, isto não basta. Ele precisa aquecer-se, e isto inclui a sua pessoa, ou seja, seu interior.

As inseguranças pela indefinição das etapas metodológicas continuavam e traziam novamente à tona o porquê fazer a peça, a lógica dos movimentos e a relação com as antonímias criadas, revelando um desconforto para a atriz

pesquisada na utilização da metodologia radical. Por outro lado, buscávamos uma coerência conquistada com a encenação que tínhamos e com o amadurecimento das duas temporadas que havíamos realizado anteriormente. Sobre esse momento, que registra o acúmulo de experiências da artesania em estudo, vejamos o que diz a atriz pesquisada:

Eu acho que ela traz, esse pedacinho traz, é o reflexo mais uma vez, de todo o nosso processo de criação que foi caótico né? Que foi caótico. Eu acho que ela [a nova cena], se adequou legal, porque eu acho que a gente tá madura. Mas, ao mesmo tempo, ainda tem muita coisa pra se resolver naquela peça, como a gente já havia até discutido. E esse pedacinho, é mais uma peça que ainda precisa se resolver. Mas, que a gente novamente, como todo o processo a gente buscou os códigos, retomou, voltou, um exercício muito bom pra gente retomar códigos.

Agora, me incomoda muito a gente não conseguir pegar aquela peça e dizer o porquê. Apesar de pra mim, a arte não precise dizer o porquê. Não sei se a gente começou com essa proposta, a questão do método, aí, começou a me preocupar isso. O método. E aí por que? Por quê a gente faz isso? E depois repete isso, e depois, me incomoda até hoje, por que a gente se propôs a seguir o método. Talvez se a gente não tivesse seguido eu não teria esse incômodo. Mas, esse pedacinho, eu coloco como mais um pedacinho pra gente resolver.[...] Mas, ao mesmo tempo, eu me sinto confortável, porque a gente realizou logo. De tanto ter feito a peça, aí pum! A história se encaixou direitinho.87

Demos continuidade ao trabalho utilizando os pares de antonímias esconder- revelar, movimentos realizados ao longo desta cena em que a velha (eu) e a menina (Suzy), estão sentadas uma frente à outra, dentro da rede de dormir (espaço

imaginário), cobrindo-se cada uma com as abas da rede, deixando de fora apenas as suas cabeças. As duas invertem os papéis entre elas.

Para uma melhor compreensão da referência às personagens neste momento, esclarecemos que, embora tenha ocorrido inversão de papéis na encenação, no texto dramático não há essa inversão na denominação destas. Ou seja, a atriz pesquisada é denominada menina até o final do texto, assim como eu, da mesma forma recebo a denominação velha.

Rebuscamos os códigos dos movimentos e gestos da estrutura montada e a ênfase no elemento tempo foi acentuada no sentido de experimentarmos a nova cena com passagens variadas, de movimentos rápidos, lentos, imediatamente

acelerados e desacelerados, visíveis, por exemplo, nas antonímias esconder-revelar, alisar-arranhar e balançar-parar a rede, como metáfora de um pêndulo simbolizando a passagem do tempo em ritmos opostos para as personas. Sobre essa parte da cena Ricardo acrescenta:

Outro ganho foi a oportunidade de - inter-relacionando falas sobre a passagem inexorável do tempo - associar essas falas ao balanço da rede, numa alusão metafórica ao pêndulo de um relógio que marca as horas inexoravelmente. A parada que na rede acontece, em determinado instante, em função da ausência de impulso, corresponde à falta de ânimo da menina (na condição de velha) e ao anúncio de sua morte iminente, a lembrar que após a consumação da vida o pêndulo do “relógio” (biológico e temporal) deixará também de se movimentar, perderá sua dinâmica88.

No início da cena, ocorre então o seguinte diálogo, que prenuncia as transformações das personagens:

VELHA: Dança, crioula que hoje é seu dia. Pega a criança e joga na bacia. A bacia é de ouro. Areada com sabão. E depois de areada, enxugada com roupão. O roupão é de seda.

Camisinha de filó. E agora a Pichititinha, que virou cunha, que

virou mulherinha, que virou mãezinha, é quem vai virar avó. Abença, vovó.

[foto 18]

MENINA: Deus te faça melhor.

VELHA: A roda do tempo endoidou, num fuzuê. E eu tô no meu tempo de erê.

MENINA: E eu no tempo de Oxalálufã.

VELHA:Meu tempo é de hoje e de amanhã e de depois de amanhã e de depois de depois de amanhã.

MENINA: Meu tempo é de ontem e de anteontem e de trasanteontem. Já passou meu tempo.

VELHA:Já chegou meu tempo.

MENINA: Eu sou do tempo da roca, do tempo do ronca, do tempo de outrora.

VELHA: E o meu tempo é de agora.

MENINA: Já não sou mais aquelinha do tempo do era. VELHA: Eu ainda tenho muito tempo. E o tempo me espera. MENINA: Ah! Meu tempo! Quem dera! O tempo passa e o tempo gera. A minha filhinha, que inda agorinha, de

manhãzinha, era pichititinha, virou mocinha. De tardinha, a cunha, cunhatã, virou grandinha. E de noitão, conheceu um mocetão a mocetona. E na noitona, com esse danadinho, a donzelinha, daminha, danadinha, nuazinha, virou mulherinha, virou buchudinha com desejo de comer a língua dum boi. Passou-se o tempo, o tempo se foi. E essa senhorinha virou mariazinha, virou mãezinha que pariu uma bruguelinha, bem pichototinha. E quem é essa menininha?

VELHA: Sou euzinha.

MENINA: Minha filhona teve uma filhinha. Agora eu sou a vozinha.

VELHA: E eu sou a tua netinha, pichititinha, pichitinha.

Aos poucos, Suzy e eu fomos imaginando e experimentando com o corpo como seria o encaixe dessa nova cena a partir dos códigos que já tínhamos. Burnier (2001) nos alerta sobre essa necessidade de solucionarmos com o corpo os

desafios de construção do que ele adota, a partir de Barba, como situação de representação organizada.

Em 26 de outubro de 2005, de acordo com os nossos registros, estávamos nos aproximando da solução para o seguinte dilema: em que momento a encenação revelaria, de modo mais claro, a inversão de papéis entre as personagens menina e velha, de acordo com a nova cena escrita? Conseguimos pontuar essa passagem, que ficou sendo o momento no qual a menina (que será, a partir desse momento, velha), entra na rede, esconde-se completamente e chama a velha (que será menina):

MENINA [Suzy, agora velha]: Ô Pichititinha! VELHA [eu, agora menina]: Senhora!

MENINA: Que dia é esse de agora? VELHA: Hoje é o dia D.

MENINA: E que hora essa há de ser?

VELHA: É a hora agá. E é um, e é dois e é três e é meia e é já! (SAI DA REDE) [fotos 19 e 20]

Como sugere a rubrica, a velha (eu), sai da rede como menina e vai balançar a sua avó (foto 21), que é a menina transformada em velha. Esta agora, fica na rede realizando os mesmos movimentos feitos no início do

espetáculo pela primeira velha (eu). Entre as duas ocorre o seguinte diálogo:

MENINA [Suzy, agora velha]: Quem vai ao ar perde o lugar, quem vai ao vento perde o assento.

VELHA [eu, agora menina]: Dorme vózinha que eu tenho o que fazer. Vou lavar, vou engomar camisinha pra vosmicê. (EM ACALALANTO). Ah, ah, ah, é, é, é, ah, ah, ah, ah. MENINA: Pichititinha! Ô Pichititinha!

VELHA: Senhora, vózinha?

MENINA:O que é, o que é: uma planta com doze galhos, cada galho com trinta ninhos, cada ninho com doze passarinhos? VELHA: Diga outra vez bem devagarinho.

MENINA: Uma planta com doze galhos... VELHA: Um ano inteirinho.

MENINA:Cada galho com trinta ninhos...

VELHA: O mês todinho.

MENINA: Cada ninho com sete passarinhos. VELHA: A semana com os dias contadinhos.

MENINA: E o que é, o que é, Pichititinha: são três irmãos: o primeiro já morreu: o segundo vive com a gente e o terceiro ainda não nasceu?

VELHA: O primeiro, que já morreu, é o tempo que a gente viveu. O segundo que vive com a gente é o tempo presente. E o terceiro que ainda não nasceu é o tempo que ainda não apareceu.

21– ACALENTANDO A

Entre os dias 25 e 29 de outubro de 2005, começamos a perceber que, de acordo com a lógica do espetáculo, os códigos anteriores se repetiriam. Na fala seguinte, a velha (na condição de menina)

pula para o tempo que denominamos tempo da história e