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Inicialmente, a autora desta dissertação sentiu bastante dificuldade com a língua e com a escrita no estudo de Slopiewnie. Um ciclo em polonês, uma língua que nunca tinha estudado, cantado nem escutado com atenção.

O aprendizado musical foi bastante lento no início, pois tentou-se memorizar frase por frase (ainda sem texto e com utilização de onomatopeias) fazendo o menor uso possível do piano para forçar a memorização das frases melódicas, tentando encontrar referências para afinação no acompanhamento escrito do piano, fixando os intervalos melódicos através da própria melodia vocal e encontrando alguns acordes formados pelas notas dos arpejos ou pelas notas do piano. Também procurou-se escutar boas referências fonográficas através da biblioteca digital NAXOS e de outras gravações disponíveis na Internet.

A gravação que mais referenciou a autora desta deste trabalho foi a da soprano Iwona Sobotka, jovem cantora polonesa muito reconhecida por suas interpretações do repertório vocal de seu país, em particular das obras de Karol Szymanowski. Ela participou de uma coleção completa das obras desse compositor em 2004 pelo selo holandês Channel Classics e foi premiada pela Academia Nacional de Artes da Polônia com um prêmio para a gravação mais significativa da música polonesa.

“Em 2010, ela [Iwona Sobotka] participou de um programa intitulado ‘Szymanowski Focus’ com curadoria de Piotr Anderszewski para promover a música de Symanowski com concertos no Wigmore Hall e Carnegie Hall.”46 (IWONA..., 2015, tradução nossa)47.

Ao mesmo tempo da escuta, tomou-se a precaução de conferir ao piano cada nota executada pela intérprete para não haver o risco de aprendizado de falsas notas porventura executadas. O que acontece, por exemplo, do compasso 8 ao 12 da canção Zielone slowa, onde tudo soa um semitom abaixo na execução de Sobotka.

A escolha dessa interpretação foi feita levando em conta a qualidade de registro, precisão na execução, clareza de pronúncia e pela atualidade da gravação.

Também com relação à pronúncia, a autora deste trabalho encontrou-se com a polonesa MariaKordecka, representante do grupo polonês GREMI, responsável pelo Festival

46“In 2010 she participated in a ‘Szymanowski Focus’ program curated by Piotr Anderszewski to promote the

music of Symanowski with concerts in Wigmore Hall and Carnegie Hall.” (IWONA…, 2015).

Internacional de Cinema de Baía Formosa (FINC) (RN)48, em uma rápida conversa onde pôde gravar em áudio as pronúncias de todos os textos das canções. Nessa ocasião, Kordecka disse a autora desta dissertação que o poeta Julian Tuwim utilizou raízes de palavras diferentes, as combinou formando outras, e criou também ele mesmo algumas palavras, ficando impossível uma fiel tradução para o português; mas com relação à tradução feita pela irmã do compositor Szymanowski para o francês, Kordecka afirmou ser um maravilhoso trabalho onde eu poderia me basear como texto de tradução para o português.

Tendo como ferramentas, os áudios da soprano Sobotka e a pronúncia feita por Kordecka, pôde-se fazer a transcrição fonética (APÊNDICES A, B, C, D, E) do texto em polonês nas partituras pessoais da autora deste trabalho e praticar incansavelmente a pronúncia do ciclo, tendo feito a tradução para português de todos os textos.

Hesitou-se um pouco em iniciar os ensaios com piano receando perder as referências recém-encontradas na voz e ainda imaturas, porém, iniciados os ensaios com o professor Durval Cesetti, sentiu-se um pouco mais de segurança nas duas primeiras canções e pôde-se fazer um exercício de leitura das canções seguintes, um verdadeiro trabalho artesanal de construção das frases. Cada ensaio com essa prática foi se tornando mais e mais proveitoso pois, embora a autora deste trabalho sentisse poucas referências melódicas no primeiro momento do trabalho, foi percebendo essas relações entre voz e piano.

Foi importante identificar ou estabelecer o caráter de cada canção, como comentaremos posteriormente, pois a partir daí pôde-se trabalhar tecnicamente em busca de sonoridades específicas, fraseados, articulações, etc. Sabendo que podemos desenvolver esse preparo cerebral e muscular desde os exercícios de aquecimento vocal (vocalizes) preestabelecidos de acordo com o repertório abordado.

Na primeira canção, percebeu-se a importância de colorir o canto com as cores do texto: o sol dourado, folhas avermelhadas de cerejas, sombra azul da lua, trazendo na voz efeitos técnicos como um som mais aspirado, mais claro ou um som mais profundo e escuro.

O ornamento inicial curto e no tempo deve ser cuidadosamente afinado pois se trata de um fá natural, fá sustenido somente no compasso 14 (FIGURA 56).

Figura 56 - Slowisien - compassos 12 ao 16

48Rio Grande do Norte (RN).

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 93).

A partir do compasso 29 (aparecimento da lua no texto) com o frisson e o cantarolar da sombra azul das árvores, vem um clima leve e dançante que a voz deve expressar. Para o cantor, eis o trecho mais cômodo na leitura musical por ser um trecho mais tonal polarizado em Mib (FIGURA 57).

Figura 57 - Slowisien - compassos 29 ao 34

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 94).

O pianíssimo do trecho que inicia no compasso 35 deve ser bem executado com as notas rápidas bem leves induzindo o cantarolar das sombras das árvores. Nesses compassos, a leitura com o piano é fundamental para o ajuste rítmico (FIGURA 58).

Figura 58 - Slowisien - compassos 35 ao 37

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 94).

Nos compassos 39 e 40, é o rouxinol que cantarola com uma leveza extrema, aqui o compositor pede ppp na nota lá para o soprano, com um leve crescendo na sextina (FIGURA 59).

Figura 59 - Slowisien - compassos 39 e 40

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 95).

Nos compassos 41 a 43, o andamento diminui com o ritenuto e a mudança de compasso para 4/8. No compasso 3/8 voltamos ao tempo I, terminado a frase em um pianíssimo que sugere as carícias cantadas pelo pássaro e uma certa nostalgia cantada pelo piano em um allargando final.

Em Zielone slowa, começando em andamento Lento, o piano apresenta um clima de mistério que a voz continuará nos compassos seguintes. Como referência para a voz, observou-se a nota fá tocada na linha de baixo do piano como um pedal (FIGURA 60), e tomou-se o cuidado de iniciar o fá no compasso 3 em pianíssimo, executando um ataque de som moderado, sem ruído.

Figura 60 - Zielone slowa - nota fá do baixo como referência para entrada do soprano

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 95).

(FIGURA 60) é necessário bastante repetição da rítmica do trecho, percebendo que os inícios de som do piano não coincidem em nenhum momento com a voz e observando onde recai o segundo e o terceiro tempo (já que no primeiro tempo há uma ligadura com o compasso anterior).

Para facilitar a compreensão da melodia, identificou-se alguns acordes formados pelos arpejos da melodia, no compasso 4 (FIGURA 60) o acorde de Fá com a sétima menor; no compasso 5, o acorde de Si diminuto e no compasso 6, o acorde de Ré bemol com sétima menor (FIGURA 61), sendo mais racional a memorização dos intervalos através dessa justificação.

Figura 61 - Zielone slowa - compassos 5 ao 7

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 95).

No compasso 8, a voz com arpejo de Ré menor (FIGURA 62) expressa a escuridão das árvores, sua agitação e choro, dessa forma, o cantor deve observar bastante as fermatas, os acentos e frasear bem cada trecho.

Figura 62 - Zielone slowa - compassos 8 ao 10

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 96).

Após o pianíssimo do compasso 14 (FIGURA 63), é importante observar que a voz seguirá no Poco avvivando com a fórmula de compasso 2/4, enquanto o piano seguirá em 6/8,

indo até o compasso 22 sem grandes mudanças de andamento ou dinâmica, mas seguindo o ritmo orgânico da prosódia para não ficar simplesmente silabado, com relação à técnica vocal, é importante manter o legato nas vogais longas durante as frases sem barrigas de notas.

Figura 63 - Zielone slowa - compassos 15 ao 19

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 96).

Inicia-se um trecho mais rítmico em 3/8 a partir do compasso 29, com um crescendo contínuo até o sforzando num fortíssimo da voz no compasso 45 (FIGURA 64). Nesse trecho, procurou-se executar com precisão os acentos que aparecem de início a cada três compassos, depois a cada dois, a cada um e em todos os tempos, até o compasso 43.

Figura 64 - Zielone slowa - compassos 41 ao 47

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 97).

Na terceira canção, a primeira coisa que se observou foi o andamento Lento assai divoto (FIGURA 65), ou seja, o cantor deve trazer ao ouvinte esse clima religioso já solicitado pelo compositor. O início em contratempo, as tercinas e a melodia tirada do Motivo de Sabala contribuem para o caráter da Peça e para a introspecção com a natureza. Uma espécie de oração de toda a natureza e seres celestiais em agradecimento a Jesus, pomba do amor,

ápice da canção (FIGURA 66).

Figura 65 - Sw. Franciszek - compassos 1 ao 4

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 98).

Figura 66 - Sw. Franciszek - compassos 27 ao 29

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 99).

Em Kalinowe dwory, a primeira observação foi a mudança que ocorre nas fórmulas de compasso logo no início (FIGURA 67).

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 99).

Nesta canção também há uma paleta de cores a ser explorada e o cantor deve ressaltar e diferenciar cada clima que aparece com ela. A partir do compasso 11 aparecem três cores importantes: “as baias são todas vermelhas / as fadas todas brancas / na floresta negra”49 (SZYMANOWSKI, c1951, p. 100, tradução nossa) (FIGURA 68).

Figura 68 - Kalinowe dwory - compassos 11 ao 16

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 100).

O grito final Hey foi acrescido ao poema pelo compositor e traz uma característica folclórica à Peça (FIGURA 69).

Figura 69 - Kalinowe dwory - compassos 31 e 32

Fonte: Szymanowski (c1951, p. 101).

No aprendizado da última canção do ciclo, pesquisou-se sobre o personagem principal que dá título à Peça, Wanda. Conhecendo a história dessa princesa polonesa que reinou no

século VIII e se jogou no rio Vistula por amor ao seu povo, pôde-se ter muito mais profundidade na interpretação da canção e compreender a utilização da aliteração por parte do poeta para unir palavras e sons na síntese desse personagem e na ambientação do poema. A água cristalina, virgem e pura do rio representa a própria princesa.

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