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CAPÍTULO 4: CRÍTICA GENÉRICA À ATUAL ABORDAGEM AO

4.4. O Processo Cultural e Suas Limitações

Todos os autores dos Matizes concordam, de uma forma ou de outra, com o argumento de que o desenvolvimento industrial sustentável envolve uma mudança de natureza cultural. Mas, alguns deles também tendem a reconhecer que o desenvolvimento industrial sustentável, apenas com base no processo cultural, também apresenta limitações. Os argumentos que suportam essa afirmativa derivam-se do discurso dos autores envolvidos e estão organizados a seguir.

Os autores do Matiz da Ecoeficiência (ver Item 3.2.), deixam claro que o processo de mudança cultural é essencial. Nesse sentido, afirmam que a visão empresarial do desenvolvimento sustentável “(...) se expande por todo o contexto cultural da empresa (...)” e reforçam essas idéias complementando que essa visão desenvolvida pelos líderes só faz sentido se “(...) for compreendida como um contexto comum para a ação.” [Schmidheiny, 1992:87]. A convicção desses autores sobre o processo cultural fica ainda mais contundente quando afirmam [op. cit.:88]:

“Embora cada um dos dirigentes possa ter diferentes modos de ver a reestruturação

das metas pelas quais uma empresa opera, eles não podem transformar isso numa realidade viva sem passar antes pelo crivo de outros indivíduos igualmente emprenhados. Quando as pessoas compartilham uma visão empresarial e se comprometem a agir em conformidade, as rupturas são não só possíveis como também, com o tempo, inevitáveis.”.

Mas, à medida que colocam o processo cultural condicionado ao processo de criação de uma visão (estratégia) pela cúpula da empresa, esses mesmos autores já estão identificando limitações naquele primeiro processo. Na verdade, eles entendem que, primeiro, os executivos

líderes devem criar uma visão empresarial − processo estratégico −, inclusive com o envolvimento de grupos de interesse externos (stakeholders), para, em seguida, torná-la visão compartilhada − processo cultural −. Sobre isso assim se posicionam [op. cit.:88]:

“Os administradores experientes têm a autoridade e a perspectiva para reunir as

contribuições de seus parceiros e monitorar os resultados, (...) a fim de promover uma consciência de desenvolvimento sustentável por toda a organização.”.

Os autores do Matiz autodenominado de Sistema Total (ver Item 3.6.), também consideram o processo cultural como central para a mudança, mas, ao mesmo tempo, reconhecem limitações naquele processo. Nesse sentido, eles assim se expressam [Mitroff et al., 1994:64-5]:

“Através do nosso trabalho sobre gestão de crises possuímos conhecimento de primeira

mão e experiência com disfunções organizacionais sérias. (...) na vasta maioria dos casos nós não estivemos lidando com as crenças individuais, mas, antes, com o principal sistema de convicções ou cultura da organização como um todo. (...) a cultura organizacional deve ser considerada, em princípio e em geral, como o primeiro fator na formação e manutenção de disfunções comportamentais. (...) A disfunção comportamental é, assim, um pré-requisito para a participação”.

Esses autores, contudo, deixam clara a necessidade de ir além do processo cultural quando ressaltam a natureza sistêmica (inseparabilidade ou inter-conexão) desse processo com outros igualmente fundamentais para a mudança. Nesse sentido, assim se expressam, textualmente [op. cit.20]:

“Identificamos seis novas funções inter-relacionadas que acreditamos são críticas para

as organizações (...). Também identificamos quatro novas dimensões-chaves da nova estrutura organizacional projetadas para dar suporte às funções críticas.”.

Essas novas dimensões organizacionais são descritas por esses autores como novos espaços ou domínios envolvendo processos tão fundamentais quanto aqueles ensejados pelo processo cultural. Essa compreensão fica bastante clara quando eles assim se expressam [op.cit.:34-6]:

“A Gestão pela qualidade total requer que os clientes (...) sejam ouvidos completamente.

A gestão de crises deve ouvir a voz da complexidade (...). A gestão de questões críticas escuta os eventos futuros. O globalismo escuta as necessidades e desejos daqueles que estão espalhados na face da terra. O ambientalismo escuta a natureza. E (...) a ética atende a voz permanente do bom e do justo.

A dimensão conhecimento e aprendizagem, deve manter-se sintonizada àquelas vozes e sentir, coletar, processar, estocar e transmitir a informação que elas contêm. A

dimensão recuperação e desenvolvimento, prepara a psicologia e as emoções das pessoas para internalizar o conteúdo das várias mensagens e para agir nelas de forma saudável e apropriada. A dimensão serviço mundial e espiritualidade incorpora todas as mensagens em uma visão total da organização e seu papel na sociedade mundial. A dimensão operações de classe mundial executa os processos que são necessários para realizar os benefícios últimos. Finalmente, a liderança organizacional, (...) mantém juntas todas as dimensões e gere a tensão criativa entre elas.”.

Também os autores do Matiz ZERI (ver Item 3.9.), assumidos no paradigma da ecologia profunda, consideram o processo cultural fundamental. A esse respeito são bastante enfáticos quando assim se expressam, textualmente: “O interesse sobre o ambiente não é apenas uma dentre muitas ‘simples questões’; é o contexto de tudo o mais − de nossas vidas, nossos negócios, nossas políticas −−.” [Capra e Pauli, 1995:1] (em negrito corresponde ao destaque em itálico no original). E, mais adiante, complementam essas idéias argumentando, textualmente [op. cit.:146]:

“(...) o primeiro passo no desenvolvimento de tecnologias que sejam ecologicamente

sustentáveis deve ser a transformação da natureza da tecnologia, passando de uma ‘mega-tecnologia’ para uma ferramenta, cuja utilização esteja restrita às normas culturais. Isto significa que em qualquer discussão de novas tecnologias deveria se pensar muito sobre metas e propósitos, bem como sobre se uma tecnologia particular é o meio mais apropriado para atingir o fim desejado.”.

No processo cultural assumido pelos autores da Proposta ZERI, contudo, o pressuposto da origem da mudança tende a orientar-se pelo processo de aprendizagem. Esse sentido fica bastante evidenciado quando os mesmos assumem que o processo de internalização dos princípios da ecologia profunda (e o abandono das premissas existentes de uma ecologia superficial) à cultura organizacional ocorre, sobretudo, via a educação [Capra e Pauli, 1995].

Com base em argumentos como aqueles sintetizados nos três últimos parágrafos, portanto, também é possível assumir que processo cultural, embora essencial, não deve ser tratado isoladamente de outros processos de mudança organizacional igualmente fundamentais ao desenvolvimento industrial sustentável.