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V.1. Questões metodológicas

V.1.2. Processo de análise

metodológica geral que, como referi, se situa no âmbito da TD e da IPA. A minha abordagem é, portanto, interpretativa, focalizada sobre uma cultura específica: a do saxofone clássico. Nesse sentido, a análise realizada é qualitativa.

Sendo objecto do presente capítulo um conjunto de elementos interpretativos, também a análise realizada sobre esses elementos é interpretativa e qualitativa. Subdivide-se em dois tipos de abordagem: uma abordagem descritiva e uma abordagem de parâmetros mensuráveis pelo recurso a ferramentas apropriadas, entendida como um complemento à abordagem descritiva.

Os processos descritivos de análise de gravações são amplamente utilizados em trabalhos de referência (Cook, 2009, p. 222) e têm aqui uma dupla função: levantamento de elementos distintivos nas interpretações – independentemente da sua referência nas entrevistas – e identificação de elementos interpretativos referidos nas entrevistas. Alguns dos elementos observados são fortemente condicionados pela percepção do ouvinte, nomeadamente o timbre (P. Cook, 1999; Seashore, 1998; Grey, 1975). Este facto faz com que esta análise se revista de um carácter necessariamente subjectivo. Coloquei-me, pois, no papel do antropólogo que observa um aspecto concreto de uma cultura e dele faz uma interpretação que é condicionada por uma série de factores estruturais que o enformam enquanto indivíduo. Contudo, no contexto do presente capítulo, o objecto concreto da observação – as gravações utilizadas – é reprodutível e está, pois, disponível para sujeição a novas análises e interpretações. O objecto poderá mesmo ser observado em tempo real pela disponibilização dos excertos em anexo (Anexo B). Por outro lado, o processo descritivo foi também confrontado com a análise dos mesmos excertos com recurso a um programa de computador, com a consequente medição e representação gráfica de parâmetros.

Comecei por ouvir ambas as peças em busca de características distintivas evidentes. Numa primeira fase, não tive em conta os dados das entrevistas. Numa segunda fase, procurei evidências de elementos distintivos referidos pelos entrevistados, tais como fraseado, articulação ou técnica. Nestas primeiras sessões de observação auditiva procurei também obter uma impressão geral acerca do som (timbre) e do vibrato, elementos que os entrevistados parecem referir como as mais importantes características distintivas das diferentes escolas. Seleccionei, seguidamente, uma amostra característica de três notas de cada peça, de entre as

que parecem ser mais demonstrativas, sobretudo no que diz respeito ao timbre. Com a Sonata de Creston procurei ainda notas com pouca ou nehnuma interferência do piano, possibilitando o isolamento do som do saxofone (com o Concertino de Ibert tal não constituiu um problema, uma vez que o andamento lento começa com uma longa introdução, em estilo de recitativo, do saxofone solo, antes da entrada da orquestra na secção em estilo de ária). As notas seleccionadas foram as seguintes:

• no terceiro andamento da Sonata de Creston, o Lá#16 do compasso 45, o Dó# do

compasso 207 e a última nota (Si final);

• no segundo andamento do Concertino de Ibert, a primeira nota (lá), o primeiro Dó# (que surge no compasso 4 e o primeiro Mi (que surge no compasso 9).

Em seguida, ouvi cuidadosamente cada som, tentando identificar as características específicas do timbre de cada intérprete, antes de abrir os excertos (gravados em formato AIFF) com o programa de computador Sonic Visualiser (Cannam, 2005). Voltei então a ouvir toda a selecção de gravações, complementada agora com a leitura simultânea dos respectivos espectrogramas. Após esta audição, iniciei a análise do espectro de cada um dos sons seleccionados.

De todos os parâmetros com implicação na definição do timbre, a distribuição espectral dos diversos harmónicos e a sua intensidade relativa distribuídas ao longo do tempo parecem ser os mais relevantes (Benade & Lutgen, 1998; Cogan, 1969; Grey, 1975; Henrique, 2002; Loureiro & de Paula, 2006; Malloch & Campblell, 1994; Seashore, 1938). Mesmo considerando aspectos como a fase ou os transitórios de ataque ou o facto de, em estudos acústicos, o timbre ter vindo a ser cada vez mais analisado como um fenómeno acústico multi-dimensional, os aspectos mais relevantes para a identificação e distinção tímbricas parecem ser as regiões formânticas e outras relações entre harmónicos em sons estáveis (Grey, 1975, pp. 3-15). Assim, procurei, em cada um dos sons, observar a intensidade relativa de cada um dos seguintes harmónicos ou grupos de harmónicos: fundamental, harmónicos graves (do segundo ao quinto), harmónicos médios (do sexto ao nono) e harmónicos agudos (a partir do décimo harmónico), procurando identificar regiões formânticas ou outros aspectos relevantes naquela distribuição. O espectro de um som estável é, paradoxalmente,

16A referência é a sons escritos na partitura do saxofone; os sons reais poderão ser encontrados pela

uma representação instável: as relações entre harmónicos estão em constante mudança (Grey, 1975, p. 9). Assim, com o programa Sonic Visualiser, seleccionei uma área de medição que correspondesse à totalidade da duração de cada som, para que, ao produzir a representação espectral, o programa fizesse automaticamente uma representação que correspondesse ao espectro médio de cada som. Optei também por recorrer a uma ferramenta de representação mais estável, o espectrograma, que mostrou ter várias vantagens tanto em estudos em performance (Johnson, 2002: 205-206) como em estudos em acústica (Grey 1975: 121), como complemento para a interpretação dos resultados. Quero, contudo, reforçar o facto de as leituras tímbricas no contexto da presente tese fazerem parte de uma interpretação aprofundada no âmbito da TD, sem a pretensão de um estudo acústico exaustivo.

Depois da análise tímbrica fiz uso dos mesmos sons para analisar o vibrato, de acordo com três parâmteros: tipo (vibrato de intensidade ou de altura), velocidade e extensão (em cents). Estes são, de resto, os parâmetros utilizados nos estudos de referência na área do vibrato (Bretos & J. Sundberg, 2003; Brown & Vaughn, 1996; Gilbert, Simon, & Terroir, 2005; Herrera & Bonada, 1998; Horii, 1989; LeBlanc & Sherrill, 1986; Maher & Beauchamp, 1990; Maré, 2008; Ramig & Shipp, 1987; Schlapp, 1973; Seashore, 1938; Shonle & Horan, 1980; J. Sundberg, 1977, 1995; Johan Sundberg, 1987). Contudo, tendo em conta o contexto da análise do vibrato na presente tese, utilizei, para o parâmetro velocidade, uma unidade constituída pelo número de ciclos por minuto divididos por quatro. Esta unidade corresponde a uma indicação metronómica determinada tendo como referência um conjunto de quatro ciclos por tempo e uma unidade de tempo de semínima, a qual parece ser utilizada quer no discurso dos saxofonistas (cf. Cap. IV), quer em manuais de aprendizagem e obras de referência para o saxofone (Druet, 1963; Londeix, 1970).. Assumindo, com base na primeira fase de audição da amostra de sons, que o vibrato presente nas gravações seleccionadas é, essencialmente, um vibrato de altura com, nalguns casos, um vibrato de intensidade pouco significativo, não procedi à medição de variações de intensidade. Outro dos parâmetros que observei foi a presença do vibrato ao longo de cada peça (presente em todas as notas – com excepção das muito curtas – ou variável) e no seio de uma mesma nota (permanente ou variável). Para a observação das características do vibrato e a medição dos parâmetros velocidade e extensão recorri aos espectrogramas dos sons utilizados produzidos pelo programa Sonic Visualiser.

V.2 .Análise das gravações

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