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3 A CONSTRUÇÃO DE UM CAMINHO NA PRODUÇÃO DA PESQUISA

3.3 O PROCESSO DE ENTRADA NA USF ILHA DAS CAIEIRAS

Após pensarmos as intenções da pesquisa, o referencial teórico e os princípios metodológicos precisávamos buscar uma Unidade de Saúde para iniciarmos o processo de autorização junto à SEMUS para “entrar em campo”. Depois de algumas conversas e pesquisas definimos como possível campo a USF Ilha das Caieiras pois, como explicitado anteriormente, uma pesquisa já havia sido feita em USF de um bairro de classe média de Vitória, e, gostaríamos de conhecer como se dão os processos de trabalho dos ACS inseridos numa outra realidade social, para isso buscávamos uma região caracterizada, segundo critérios do IBGE como de baixa renda. Em nosso universo de possíveis, a USF Ilha das Caieiras nos pareceu uma possibilidade.

O primeiro contato com o possível campo onde pretendíamos desenvolver a pesquisa foi feito ainda em 2007, com a Secretaria Municipal de Saúde de Vitória (SEMUS). Com dificuldade, foi possível falar com o setor responsável pela autorização para pesquisa. Seria necessário protocolar um projeto de pesquisa na prefeitura com carta de encaminhamento ao Secretário Municipal de Saúde. Isso nos angustiava, pois ainda não tínhamos um projeto bem definido a priori (e nem queríamos ter). Mas se esse era o caminho prescrito para a autorização para entrada em campo fizemos um15 projeto e protocolamos na prefeitura ainda em janeiro de 2008.

[Como era período de férias, passávamos pela Ilha todas as noites pedalando, num movimento de sentir e me aproximar das relações que se davam naquele espaço...] Dois meses depois de protocolado o projeto, mesmo com muitas ligações e insistência para com a SEMUS, diante da resposta de que “está sendo analisado”, resolvemos contactar diretamente a USF Ilha das Caieiras. Conversando ao telefone com uma gestora, que se mostrou muito solícita, explicamos que sobre o projeto que estava em análise pela SEMUS e ela aceitou nos receber para uma conversa informal.

Nessa primeira conversa falamos sobre a USF, o território, dados de população abrangida pelo território, número de famílias, enfim, muitos dados estatísticos dos

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O projeto de pesquisa que fizemos foi elaborado para atender aos padrões exigidos, com objetivos estabelecidos a priori, método bem desenhado, instrumentos de coleta de dados como questionários, conforme instruídos pelo setor responsável por pesquisa em saúde da PMV.

relatórios do DATASUS que ela tinha em mãos. Esclarecemos que ainda não estávamos autorizadas, mas reiteramos que tão logo começássemos o contato com as famílias, com a população, com as ACS seria melhor para nós. Ela concordou com o início da pesquisa mesmo sem autorização mas reiterou “não diga a ninguém

que você ainda não está autorizada” e saímos daquela primeira conversa pessoal

com uma promessa de reunião com todos os ACS da referida USF. Dias depois fomos contactadas pela manhã para uma reunião a tarde, seria nosso primeiro encontro com os ACS na USF a ser pesquisada.

Cabe aqui um relato sobre esse movimento de tentativa de autorização formal para a pesquisa. Depois de dois meses de tentativas em ligações e visitas à SEMUS para saber sobre o andamento do processo, recebemos a informação de que só após a autorização do Comitê de Ética da UFES para a pesquisa proposta por aquele projeto a SEMUS autorizaria. Esse novo obstáculo disparou uma série de ações. Concordamos que as pesquisas envolvendo a área da Saúde tenham que ser aprovadas por um Comitê de Ética da Instituição à qual os pesquisadores estejam ligados (aliás, defendemos que toda pesquisa – principalmente envolvendo pessoas - deve passar pela análise de um comitê de ética), mas a questão que se colocava nesse momento é que na UFES só há um Comitê de Ética em pesquisa que fica no campus onde funcionam os cursos de Ciências da Saúde, e, tal comitê é formado por profissionais e professores que fazem pesquisas com intervenção física em seres humanos, que não o nosso caso. E mais, outro questionamento feito por nós foi que uma pesquisa feita nos anos de 2006 e 2007 em outra USF de Vitória foi autorizada sem que fosse necessário esse processo.

Esse movimento implicaria em atraso na autorização formal para a realização da pesquisa. E, de fato, todo esse processo de vai e vem entre Comitê de Ética da UFES e SEMUS fez com que a autorização formal para a pesquisa só fosse dada em agosto de 2008. Mas demos o nosso “jeitinho” de iniciamos as visitas domiciliares com os ACS mediante autorização da gestora da USF Ilha das Caieiras em março de 2008 e imergimos naquele território como se autorizados estivéssemos a realizar a pesquisa.

Antes de partir para outros desvios que se produziram no percurso, vale aqui uma ressalva sobre o “lugar” que nos colocamos como pesquisadores, especialistas e

analistas do trabalho em nossas pesquisas. O analista do trabalho, segundo Guérin et. al (2004), ao proceder a análise sempre se confronta com a singularidade de cada trabalhador, que, ao trabalhar entrega sua vida pessoal – história, experiência profissional e vida extraprofissional – e social – experiências de trabalhos anteriores. Não pretendemos com isso negar o saber do especialista que se propõe a fazer uma análise do trabalho, mas devemos conduzir a uma problematização do seu funcionamento, das práticas que ele põe para operar nesse lugar de especialista. “Eis o nosso desafio: ocupar o lugar do especialista desmontando-o a cada momento” (BENEVIDES DE BARROS, 2007, p.226). O perigo que corremos é que esse métier de analista do trabalho seja mais valorizado que a própria atividade vivida pelos trabalhadores (VIEIRA, 2003).

3.4 AS CONVERSAS COM ANTIGOS MORADORES DISPARAM OUTROS