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3 A CONSTRUÇÃO DE UM CAMINHO NA PRODUÇÃO DA PESQUISA

5 O TRABALHO “VIVO 27 E EM ATIVIDADE” DAS ACS DA USF ILHA DAS CAIEIRAS

5.6 UMA ABORDAGEM SOBRE A HISTÓRIA DE VIDA DAS ACS

Nossa composição se deu de forma diferenciada com cada uma das ACS acompanhadas, de forma que algumas se sentiam mais a vontade para falar abertamente sobre os mais diversos assuntos em nossas conversas, enquanto outras se mostravam demasiadamente cautelosas ao falar sobre certos assuntos também já relatados, os quais chamamos de “tabus”. Isso implicou que a respeito de algumas ACS conseguimos saber pouco sobre sua história de vida, enquanto outras nos relataram sua trajetória, nos levaram a suas casas e apresentaram às famílias. Para iniciarmos esse relato sucinto das histórias de vida falaremos de uma mulher de bastante experiência, aos 46 anos, nascida no interior de Minas Gerais, moradora de São Pedro há mais ou menos 30 anos, ou seja, desde a construção dos bairros. Participou com a família das dificuldades para se estabelecer na pequena casa onde hoje ela vive, “na área nobre dos bairros”, como chamam a região baixa próxima ao mangue. Trabalhou durante muitos anos em casas de família como babá ou fazendo limpeza, depois trabalhou numa creche em São Pedro e, posteriormente, num condomínio na Praia do Canto cuidando da área coletiva dos prédios. Lá conheceu o marido, com o qual é casada até hoje. Eles possuem um filho, com 16 anos. A família é evangélica e freqüenta constantemente a igreja Maranata. O marido ainda trabalha com vigilância no mesmo condomínio na Praia do Canto há mais de 20 anos. Sobre a profissão de ACS, ela nos disse que há dez anos quando surgiu no bairro o comentário que ia ter concurso para agente comunitário de saúde, confessou não saber o que era, mas uma amiga da igreja disse que seria interessante, e como o nível de escolaridade exigido para o concurso era o 1º grau completo, requisito ao qual ela atendia, resolveu fazer, mesmo sem nunca imaginar que passaria. No princípio, disse que ficou um pouco insegura mas, hoje diz gostar muito do que faz e se dedicar muito pois, gosta de cuidar das pessoas, “é uma mãezona” como ela mesma se autodenominou. É cuidadora de todos, dos usuários da sua microárea, dos colegas de trabalho e dos amigos. Está fazendo curso de

libras para se comunicar com os deficientes auditivos da sua área, da igreja e das regiões vizinhas, pois segundo ela, tem crescido na região o número de pessoas com perda total ou parcial da capacidade auditiva. A ela denominamos ACS A. Já sobre a ACS B, a qual identificamos como intempestiva em nosso primeiro encontro - e não foi por acaso. Ela demonstra sempre o que está sentindo: ora está muito feliz, rindo e falando alto; ora se está nervosa, brigando por alguma causa que defende; é agitada e falante. Está no segundo casamento - o marido é chefe dos garis de Vitória. Foi mãe solteira quando adolescente, possui três filhos – um de 4 anos, um em idade adolescente e uma moça - a mais velha já casada. Apesar da trajetória de experiência de vida relatada anteriormente, ela parece nova e muito ativa. Mora numa casa “muito boa” segundo ela que fez questão de nos mostrar numa visita domiciliar quando passamos próximo. Morava “nas escadarias”, mas teve que mudar por causa de “alguns problemas”, para se proteger e à sua família. O filho mais novo tem quatro anos. Também é evangélica. Disse que já brigou muito ali na USF por causa de usuário e que briga mesmo porque diz ter um coração enorme e se tivesse dinheiro cuidava de todo mundo, dava casa, comida, trabalho. Presenciamos algumas cenas com ela que ratificam de certo modo essa informação. É a representante das ACS da USF Ilha das Caieiras para com a SEMUS.

No que diz respeito à ACS C não temos muito a contar, ela é muito discreta, está sempre calada nas reuniões, faz poucas intervenções, e conversa apenas o necessário com os usuários da microárea que atende e com os profissionais da USF. Também iniciou a carreira de ACS nova, aos 21 anos, há oito anos, e a despeito da pouca idade, segundo ela sempre foi respeitada por todos. É solteira, mora com os pais, mas tem um “namorido” que é militar (federal), como ela disse para explicar que a relação entre eles é como se fossem casados, e que pretendem se casar ainda este ano. Fez o supletivo recentemente para terminar o 2º grau e atualmente faz curso técnico em Saneamento Ambiental na FAESA.

Em relação à ACS D trata-se de uma jovem nascida no bairro Comdusa cuja família está na segunda geração de moradores. Iniciou na profissão de ACS aos dezoito anos de idade, há oito anos e com muita luta comprou uma casa e conseguiu se casar em novembro de 2008. Fez questão de nos levar na casa que acabou de comprar e contar toda a história da dificuldade para conseguir e, não escondeu a

emoção. O noivo trabalha como motoboy de uma empresa de Vitória. Quando iniciou a carreira de ACS, não sabia o que era e nem sabia como seria. No início havia muito preconceito da população por causa da sua pouca idade, mas ela foi mostrando a todos sua competência e responsabilidade. Os usuários da microárea que ela atende têm por ela um grande carinho e isso é recíproco, como percebemos nas visitas as quais a acompanhamos. Nas palavras dela, é muito “brigona” para defender os direitos e o bom atendimento à saúde dos usuários de sua microárea. Relativamente à ACS E, tudo que sabemos foi ouvindo discretamente nas conversas informais antes do início do expediente de trabalho ou antes das reuniões com os grupos. Com as colegas ela é espontânea, conversa, ri, fala, mas conosco e com os demais – inclusive usuários – ela é bem séria e não gosta de responder aos nossos questionamentos; sempre que percebe que está sendo questionada sobre sua atividade, sobre o bairro ou sobre alguma situação presenciada por nós que pode ser polemizada, ela desconversa. Foi mãe solteira, hoje é casada, mas não com o pai das filhas, e segundo ela tem problemas no relacionamento com o atual marido; assim também o foi com o primeiro. Tem duas filhas, uma delas é adolescente, e está lhe tirando o sono pois segundo ela é muito bonita, todos os garotos assediam e agora “inventou de namorar” um rapaz, mas a mãe desaprova o namoro.

No decorrer do processo outras três ACS também foram esporadicamente acompanhadas por nós em alguma visita coletiva ou quando solicitavam nossa companhia, mas estas cinco aqui descritas se manifestaram interessadas em participar da pesquisa desde o princípio e foram intensivamente acompanhadas durante o período de nove meses que estivemos nesse movimento de visitas à USF e às famílias por elas atendidas.

Seguimos à descrição e análise dos dados co-produzidos durante as visitas, conversas e reuniões, por meio do relato de situações que emergiram no acompanhamento e observação do trabalho vivo e em atividade das ACS da USF Ilha das Caieiras.

Ao relatar, procuramos marcar os efeitos produzidos pela experimentação dos encontros com essas situações, afirmando os princípios por nós defendidos, subsidiados pelas ferramentas conceituais e a perspectiva metodológica das quais lançamos mão.