• Nenhum resultado encontrado

PROCESSO DE TRABALHO, PROCESSO DE VALORIZAÇÃO E SUBJETIVAÇÃO DO CAPITAL

TRABALHO DOCENTE E CAPITAL

1. PROCESSO DE TRABALHO, PROCESSO DE VALORIZAÇÃO E SUBJETIVAÇÃO DO CAPITAL

“...a alma que move a produção capitalista é a

valorização do capital, e, portanto, a criação de

mais-valia, sem a menor consideração pelo trabalhador” (MARX, Capítulo Sexto Inédito)

No quinto capítulo do tomo I de O Capital, Marx apresenta a noção de trabalho em geral e trabalho enquanto processo de valorização. Desde o primeiro capítulo, Marx já havia dado características do trabalho que produz mercadorias, tais como trabalho abstrato, trabalho concreto, trabalho socialmente necessário etc. Em seguida, Marx faz um exercício de abstração, considerando o trabalho independente da forma de organização social e do modo de produção, para contrapor à consideração do trabalho no capitalismo. Abstrair as determinações específicas do trabalho para significa se aproximar da generalidade, ou daquilo que corresponderia aos elementos mais básicos do processo de trabalho que não teve nem têm lugar em qualquer contexto histórico real. Ao considerar o trabalho em geral, enquanto categoria abstrata, leva-se em conta que “apesar de sua validade para todas as épocas”, é “igualmente produto de condições históricas, e não possui plena validez senão para essas condições e dentro dos limites destas” (MARX, 1982a, p. 43).

Isso quer dizer que, apesar de ter como objeto o processo de trabalho capitalista, Marx apresenta o processo de trabalho em geral porque a “produção de valores de uso ou bens não muda sua natureza geral por se realizar para o capitalista e sob seu controle. Por isso, o processo de trabalho deve ser considerado de início independentemente de qualquer forma social determinada” (MARX, 1988a, p.142). Esse caráter geral do processo de trabalho refere-se à criação de objetos úteis, valores de uso necessários a qualquer organismo social.

Esse trabalho seria o processo de mediação e regulação do metabolismo entre seres humanos e a natureza (MARX, 1988a, p.142), através do qual se garante a subsistência e

reprodução atuando sobre o material natural36. O processo de trabalho, como atividade específica do ser humano é caracterizado pelo fato de que este antecipa idealmente o resultado de sua atividade, planejando sua ação de modo a conquistar determinado objetivo, o que pressupõe uma “vontade orientada a um fim” (MARX, 1988a, p.143)37.

Em sua atividade, o homem age tanto sobre objetos retirados diretamente da natureza, quanto sobre objetos previamente trabalhados, as matérias-primas. Além disso, há atuação sobre esses objetos de trabalho mediante instrumentos, os meios de trabalho, que se constituem enquanto prolongamentos do corpo humano. Podem ser encontrados prontos no meio natural ou produzidos através do trabalho, sendo que os últimos se tornam cada vez mais importantes com o desenvolvimento do processo de trabalho. Segundo Marx, são sobretudo os meios de trabalho que permitem diferenciar as formações sociais no decorrer da história (1988a, p. 144).

Através do processo de trabalho, em suma, o ser humano modifica a natureza de modo a produzir um valor de uso que satisfaça às suas necessidades e, com isso, o processo tem seu termo: “O trabalho se uniu com seu objetivo. O trabalho está objetivado e o objeto trabalhado” (MARX, 1988a, p.144). O processo de trabalho consiste em um processo de produção, por isso a atividade do trabalhador pode ser considerada um trabalho produtivo. A importância deste trabalho deve ser enfatizada, pois, sem tal trabalho, todos os demais fatores do processo produtivo, mesmo quando resultado de trabalhos realizados anteriormente, permanecem inúteis, “mortos”, sendo consumidos pela “ação do tempo”. É apenas seu consumo no decorrer do processo de trabalho que os “vivifica” e converte em produtos úteis, em novos valores de uso38.

Ocorre que, as condições históricas do capitalismo impõem ao trabalho, de forma negativa, uma abstração que se efetiva, uma vez que há uma organização social do trabalho muito desenvolvida, na qual

essa abstração do trabalho em geral não é apenas o resultado intelectual de uma totalidade concreta de trabalhos. A indiferença em relação ao trabalho determinado corresponde a uma forma de sociedade na qual os indivíduos podem passar com facilidade de um trabalho a outro e na qual o gênero de

36 Vale lembrar aqui que o trabalho foi apresentado (no primeiro capítulo de O Capital), em referência a William Petty, como o

“pai” e a natureza como a “mãe” da riqueza material, o que deixa claro que o trabalho não é a única fonte da produção de valores de uso (MARX, 1988a, p.51).

37 “O processo de trabalho, como o apresentamos em seus elementos simples e abstratos, é atividade orientada a um fim para

produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a Natureza, condição natural eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais” (MARX, 1988a, p.146).

38 “O trabalho vivo deve apoderar-se dessas coisas [os meios e objetos de trabalho produzidos pelo homem], despertá-las dentre

determinado trabalho é fortuito e, portanto, é-lhes indiferente. Nesse caso, o trabalho se converteu não só numa categoria, mas na efetividade em um meio de produzir riqueza em geral, deixando, como determinação, de se confundir com o indivíduo em sua particularidade. (MARX, 1982a, p. 42-43)39 .

Quando se considera o processo de trabalho desenvolvido no interior do modo de produção capitalista sua apreensão se torna mais complexa, ainda que as mudanças mais substanciais nas condições materiais de trabalho só ocorram no decorrer do desenvolvimento histórico desse modo de produção40. De imediato, o que muda é o fato de que o trabalhador passa a estar subordinado ao capitalista, o qual assume a função de adquirir os meios de produção e a capacidade de trabalho nas proporções corretas, além de velar para que o processo de trabalho se realize adequadamente, tendo seu fim determinado pelo próprio capitalista. O produto do processo também pertence ao capitalista, que paga pela força de trabalho o seu valor e adquire o direito de utilizá-la no interior do processo produtivo. Nas palavras de Marx, “O processo de trabalho é um processo entre coisas que o capitalista comprou, entre coisas que lhe pertencem” (1988a, p.147).

O fato de a finalidade de o trabalho passar para as mãos do capitalista é o pressuposto formal para que seja negada a quem trabalha a característica especificamente humana de planejar e antecipar os resultados o processo de produção. Diferentemente do trabalho em geral, a finalidade do processo de trabalho capitalista é definida pelo capitalista, que não quer apenas a criação de objetos com qualidades úteis para a vida. A utilidade, ou o valor de uso, “não é algo que se ama por si mesmo” (MARX, 1988a, p. 148) no capitalismo, mas sim o valor de troca. O interesse de produzir valores de uso reside no fato de que os produtos são mercadorias destinadas à venda, contêm em si também o valor de troca e, ainda, que têm um valor superior ao exigido para sua produção. Nos dizeres de Marx, o capitalista “Quer produzir não só valor de uso, mas uma mercadoria, não só valor de uso, mas valor e não só valor, mais também mais-valia” (1988a, p.148)41.

39 “O trabalho parece ser uma categoria muito simples. E também a representação do trabalho nesse sentido geral – como

trabalho em geral – é muito antiga. Entretanto, concebido economicamente nessa simplicidade, o ‘trabalho’ é uma categoria tão moderna como o são as relações que engendram essa abstração” (MARX, 1982a, p. 42).

40 “De início, a subordinação do processo de trabalho ao capital em nada modifica o modo real de produção, e praticamente se

mostra apenas no seguinte: o operário fica sob o mando, direção e supervisão do capitalista – naturalmente apenas no que se refere a seu trabalho, pertencente ao capital. O capitalista cuida para que o operário não desperdice tempo nenhum e, por exemplo, em cada hora renda o produto de uma hora de trabalho, que para fabricar um produto empregue apenas o tempo médio necessário” (MARX, 1985b, p. 41).

41 “No processo capitalista de produção o processo de trabalho só se manifesta como meio; o processo de valorização ou a

No processo de produção, consomem-se meios de trabalho, matérias primas e força de trabalho. Como “o trabalho passado que a força de trabalho contém, e o trabalho vivo que ela pode prestar, seus custos diários de manutenção e seu dispêndio diário são duas grandezas inteiramente diferentes” (MARX, 1988a, p. 152). O capitalista pode comprar mais tempo de trabalho do que paga, já que ele preside o processo por ter sob seu domínio os elementos necessários à produção e por encontrar uma mercadoria peculiar no mercado, a força de trabalho. O valor da força de trabalho, como ocorre com qualquer outra mercadoria, equivale ao seu custo de produção e reprodução. Mas a especificidade da força de trabalho reside em seu valor de uso, que consiste na capacidade de produzir valor, cuja grandeza excede seu próprio valor (o valor dos meios necessários à subsistência do trabalhador). No decorrer da jornada de trabalho, o capitalista usa a força de trabalho para além do tempo no qual ela reproduz o valor que corresponde ao seu próprio valor. Durante esse tempo excedente, esse tempo de mais-trabalho, o trabalhador produz uma mais-valia que é apropriada pelo capitalista. Tem-se, assim, um processo de valorização42 e, com ele, torna-se possível transformar o “trabalho passado, objetivado, morto

em capital, em valor que se valoriza a si mesmo, um monstro animado que começa a ‘trabalhar’ como se tivesse amor no corpo43” (MARX, 1988a, p. 154).

O processo de produção capitalista é, portanto, a unidade do processo de trabalho e do processo de valorização, o que significa dizer que a valorização não pode ocorrer separada da atividade mesma do trabalho e que ela se efetiva por seu caráter social44. No Capítulo Sexto Inédito, Marx enfatiza as similitudes entre essa unidade e a unidade da mercadoria: “Assim como a mercadoria é a unidade imediata do valor de uso e do valor de troca, o processo de produção que é o processo de produção de mercadorias, é a unidade imediata do processo de trabalho e do processo de valorização” (MARX, 1978, p. 43).

Ou seja, o processo de trabalho no capitalismo é essencialmente processo de valorização, mas, é necessário voltar à forma mercadoria. Marx começa o primeiro capítulo d’ O Capital analisando a mercadoria como a forma mais elementar de aparecimento da riqueza nas sociedades burguesas, como uma “coisa externa” que satisfaz necessidades humanas, sejam elas

42 Esse modo de transformação do dinheiro em capital assume o significado de uma “grande sorte para o comprador [da força de

trabalho], mas, de modo algum, uma injustiça contra o vendedor” (MARX, 1988a, p. 153).

43 “Como se tivesse amor no corpo”, “Als haett’ es Lieb im Leib”, citação modificada do Fausto, de Goethe.

44 “Se considerarmos o processo de produção segundo dois pontos de vista diferentes, 1) como processo de trabalho, 2) como

processo de valorização, tal implicará que aquele é apenas um processo de trabalho único, indivisível. Não se trabalha duas vezes,

uma para criar um produto utilizável, uma valor de uso, para transformar os meios de produção em produtos e a outra, para criar

“do estômago ou da fantasia” (MARX, 1988, p. 45). Logo de início, são expostos os dois fatores da mercadoria, ou seus dois conteúdos: um marcadamente material e qualitativo, o valor de uso, a capacidade da mercadoria de satisfazer necessidades humanas, e o outro marcadamente social e quantitativo, o valor de troca, um quantum de trabalho objetivado no processo de sua produção, que permite a igualação e troca das diferentes mercadorias. A origem desse duplo caráter da mercadoria está no duplo caráter do trabalho produtor de mercadorias: trabalho concreto útil e trabalho abstrato, respectivamente.

O processo de trabalho concreto refere-se aos trabalhos particulares, o trabalho de pedreiro, marceneiro, professor etc. Já o processo de valorização ou o trabalho abstrato consiste, a um tempo, numa generalização de trabalhos distintos que contribuem em quantidades diferentes para a produção social - através da qual os trabalhos são tidos como trabalho em geral, indiferenciados - e numa redução objetiva dos diferentes trabalhos concretos. Dessa maneira, o trabalho abstrato possui como determinação qualitativa o fato de ser um trabalho simples, “simples gelatina de trabalho humano indiferenciado” (MARX, 1988a, p. 47), trabalho reduzido a mero “dispêndio de cérebros, músculos, nervos, mãos, etc. humanos” (MARX, 1988a, p. 51)45. Sua determinação quantitativa é o fato de ser o trabalho socialmente necessário, “aquele requerido para produzir um valor de uso qualquer, nas condições dadas de produção socialmente normais, e com o grau social médio de habilidade e de intensidade de trabalho” (MARX, 1988a, p. 48).

A redução do trabalho à condição de trabalho abstrato só se efetiva no momento da troca de mercadorias, pois, ao mesmo tempo em que são resultados de trabalhos concretos distintos, são produzidas para serem trocadas por outras mercadorias no mercado. Para que ocorra a troca, é preciso abstrair as diferenças de valor de uso das mercadorias (caráter advindo do trabalho concreto) e criar uma equiparação para que elas possam ser trocadas em diferentes quantidades, estabelecendo-se assim a equivalência dos trabalhos que as produziram, através da comparação entre seus produtos.

Se, no processo de trabalho em geral, importava o processo de “transformação do algodão em fio”, isto é, o trabalho em particular (trabalho concreto), aqui, o trabalho conta como formador do valor e os diferentes trabalhos não mais se distinguem. A produção dessa identidade,

45 “Assim, o trabalho objetivado no valor das mercadorias não se representa apenas de modo negativo, como trabalho em que

todas as formas concretas e propriedades úteis dos trabalhos reais são abstraídas. Sua própria natureza positiva é expressamente ressaltada. Ele é a redução de todos os trabalhos reais à sua característica comum de trabalho humano, ao dispêndio de força de trabalho do homem” (MARX, 1988, p.67).

através da abstração real de seus traços distintivos faz com que os diversos trabalhos se distingam entre si apenas quantitativamente.

Como afirma Grespan, o trabalho abstrato é o “contrário imediato” do trabalho concreto (1998, p. 65). O mesmo vale para o valor de uso e o valor. Enquanto valor, a mercadoria não possui um átomo de valor de uso e a recíproca é verdadeira, de modo que eles não são apenas diferentes um do outro. Marx constata que, assim como o trabalho abstrato, a mercadoria só se constitui plenamente enquanto tal no processo de troca, na relação com outras mercadorias: ela deve ser um não-valor de uso para seu possuidor, e ao mesmo tempo possuir um valor de uso social, que a possibilita encontrar compradores. Analisando o processo de troca, que se inicia com uma troca simples, Marx demonstra como aquela oposição interna (entre valor de uso e valor), aquela contradição ainda precária, exterioriza-se, para poder se mover. Assim, uma mercadoria passa a valer em sua relação com outra mercadoria como valor de troca, ao passo que a outra vale enquanto valor de uso para quem possa vir a adquiri-la. O desenvolvimento da oposição entre valor e valor de uso é fundamental para o desenvolvimento da expressão de equivalência de mercadorias46. Com isso, “o valor de uso torna-se forma de manifestação de seu contrário, do valor” (MARX, 1988a, p. 59); “o trabalho concreto se converte na forma de manifestação de seu contrário, trabalho humano abstrato” (MARX, 1988a, p. 61); e “o trabalho privado se converte na forma de seu contrário, trabalho diretamente social” (MARX, 1988a, p. 61).

Ao demonstrar que o valor de uso é o pressuposto e torna-se portador do valor, e que da mesma forma o trabalho de cada indivíduo não vale enquanto trabalho concreto útil, mas apenas ao ser reduzido socialmente a trabalho abstrato e como trabalho socialmente necessário, Marx começa a tematizar a negação do homem - que passa a valer apenas enquanto “órgão do trabalho social” - pela mercadoria, que se autonomiza, que se subjetiva47. O fetichismo da mercadoria, o seu caráter misterioso, está no fato de que “ela reflete aos homens as características sociais do seu próprio trabalho como características objetivas dos próprios produtos de trabalho, como propriedades naturais sociais dessas coisas e, por isso, também reflete a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social existente fora deles, entre objetos”

46 “Este movimento da ‘exposição’ [...] [da] oposição interna [...] através de uma oposição externa’ é o movimento fundamental

de que parte a dedução marxiana da forma-dinheiro” (GRESPAN, 1998, p. 69).

47 “Esta definição de ‘mercadoria’ permite a Marx desenvolver um dos aspectos mais importantes e originais de sua concepção de

sociedade burguesa: o ‘fetichismo’, pelo qual as relações sociais aparecem aos agentes econômicos enquanto relação entre coisas e pelo qual a sociabilidade se transfigura em naturalidade” (GRESPAN, 1998, p. 57).

(MARX, 1988a, p. 71). As relações sociais entre os diferentes trabalhos privados aparecem aos indivíduos como elas realmente são: “relações reificadas entre as pessoas e relações sociais entre coisas” (MARX, 1988a, p.71).

Entretanto, as mercadorias não podem ir sozinhas ao mercado para se trocarem, elas devem ser levadas e trocadas como um ato de vontade de seus possuidores. Mas, a vontade dos indivíduos que intercambiam suas mercadorias reside nas próprias coisas, ou melhor, Marx considera que esses indivíduos atuam apenas como suportes das relações sociais entre mercadorias. E é por isso que, apenas após a exposição do fetichismo da mercadoria, Marx trata do processo de troca, no segundo capítulo de O Capital. A forma por excelência do intercâmbio de mercadorias no âmbito da circulação simples, pode ser apreendida a partir do movimento M- D-M (metamorfose da mercadoria em dinheiro e deste novamente em mercadoria), na qual um possuidor de uma mercadoria que é um não-valor de uso para ele, vende sua mercadoria a um possuidor de dinheiro que por ela se interessa, e com o dinheiro adquirido, ele compra uma outra mercadoria, esta sim um valor de uso para ele. Nesse movimento, portanto, na circulação simples de mercadorias, o télos é o consumo e o que o rege é a troca de equivalentes. Daí Marx dizer que a esfera da circulação é o éden dos direitos naturais do homem, onde reina unicamente a Liberdade, a Igualdade, a Propriedade e Benthan48.

Com o desenvolvimento da forma relativa e equivalente surge o equivalente geral e o dinheiro, que é uma mercadoria expulsa do mundo das mercadorias, através da qual, a mercadoria que serve de equivalente geral ganha um novo valor de uso, o de expressar o valor de todas as mercadorias e ser forçosamente o elemento mediador de seu intercâmbio. Ou seja, o dinheiro é também uma mercadoria, mas uma mercadoria especial. O fetichismo do dinheiro reside no fato de que a função de equivalente geral não aparece como um resultado das relações estabelecidas entre o conjunto das mercadorias, mas antes, como uma propriedade natural do próprio equivalente geral, e as mercadorias não parecem ter no valor um caráter constitutivo de si, mas sim um resultado da própria existência do dinheiro. Citando Marx:

48 “O que aqui reina é unicamente Liberdade, Igualdade, Propriedade e Benthan. Liberdade! Pois o comprador e vendedor de uma

mercadoria, por exemplo, força de trabalho, são determinados apenas por sua livre-vontade. Contratam como pessoas livres, juridicamente iguais. O contrato é o resultado final, no qual suas vontades se dão um expressão jurídica comum. Igualdade! Pois eles se relacionam um com o outro apenas como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade! Pois cada um dispõe apenas sobre o seu. Benthan! Pois cada um só cuida de si mesmo. O único poder que os junta e leva a um relacionamento é o proveito próprio, a vantagem particular, os seus interesses privados. E justamente, porque cada um só cuida de si e nenhum do outro, realizam todos, em decorrência de uma harmonia preestabelecida das coisas ou sob os auspícios de uma previdência toda esperta, tão-somente a obra de sua vantagem mútua, do bem comum, do interesse geral.” (MARX, 1988a, p. 141).

Uma mercadoria não parece tornar-se dinheiro porque todas as outras mercadorias representam nela seus valores, mas, ao contrário, parecem todas expressar seus valores nela porque ela é dinheiro. O movimento mediador desaparece em seu próprio resultado e não deixa atrás de si nenhum vestígio. As mercadorias encontram, sem nenhuma colaboração sua, sua própria figura de valor pronta, como um corpo de mercadoria existente fora e ao lado delas. Essas coisas, ouro e prata, tais como saem das entranhas da terra, são imediatamente a encarnação direta de todo o trabalho humano. Daí a magia do dinheiro. A conduta meramente atomística dos homens em seu processo de produção social e, portanto, a figura reificada de suas próprias condições de produção, que é independente de seu controle e de sua ação consciente individual, se manifestam inicialmente no fato de que seus produtos de trabalho assumem em geral a forma mercadoria. O enigma do fetiche do dinheiro é, portanto, apenas o enigma do fetiche da mercadoria, tornado visível e ofuscante (1988a, p. 85).

O fetiche do dinheiro não é apenas a transposição das relações de troca para o dinheiro, mas sim “a manifestação do poder social de comandar o trabalho dos outros indivíduos, como