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TRABALHO DOCENTE E CAPITAL

4. SUBSUNÇÃO DO TRABALHO AO CAPITAL

A relação capitalista pressupõe que existam trabalhadores duplamente “livres”: livres de laços de dominação pessoal, política etc. e livres dos meios de produção, possuindo apenas a sua própria força de trabalho como mercadoria, para vendê-la ao capitalista, aquele que possui capital na forma de meios de produção e de dinheiro. Assim, é imprescindível, no modo de produção capitalista, a existência da força de trabalho enquanto mercadoria, e portanto do trabalhador enquanto trabalhador assalariado58. O trabalho assalariado “constitui condição necessária para a formação de capital e mantém como premissa necessária e permanente da produção capitalista” (MARX, 1978, p. 37)59.

Para que a conversão do processo de trabalho a instrumento de processo de valorização efetive, é necessário que o trabalho se torne elemento do capital, como capital variável que reaviva o trabalho objetivado (capital constante) e valoriza o valor. Para tanto, o capitalista precisa ter tomado o comando do processo, que não deve mais ser individual, mas, coletivo. A produção capitalista começa “onde um mesmo capital individual ocupa um número maior de trabalhadores”, pois a ocupação destes trabalhadores “ao mesmo tempo, no mesmo lugar (ou, se se quiser, no mesmo campo de trabalho), para produzir mercadoria, sob comando do mesmo capitalista, constitui histórica e conceitualmente o ponto de partida da produção capitalista” (MARX, 1988a, p.244). Com isso, o capitalista se livra de ter que executar o trabalho e passa a comandar o processo, uma vez que a conjunção de muitos trabalhadores gera valor suficiente para o seu enriquecimento 60:

...o comando do capital sobre o trabalho parecia originalmente ser apenas conseqüência formal do fato de o trabalhador trabalhar, em vez de para si, para

58 “Sem trabalho assalariado, nenhuma produção de mais-valia existe; já que indivíduos se relacionam como pessoas livres; sem

produção de mais-valia não existe produção capitalista, e, por conseguinte, nenhum capital e nenhum capitalista! Capital e trabalho assalariado (assim denominamos o trabalho do operário que vende sua própria força de trabalho) nada mais exprimem do que dois fatores da mesma relação... O trabalho assalariado é, pois, para a produção capitalista uma forma socialmente necessária do trabalho, assim como o capital, o valor elevado a uma potencia, é forma socialmente necessária às condições objetivas do trabalho para que este último seja trabalho assalariado” (MARX, 1985b, p. 36-37, grifos do autor).

59A existência de “livres” possuidores da mercadoria força de trabalho, de trabalhadores assalariados, não se verifica por uma

dedução lógica; mas sim pelo estudo de um longo e complexo processo histórico, através do qual Marx responde às exigências que lhe são impostas pelo seu objeto. Em suas palavras, “A forma dialética da exposição só é correta quando reconhece seus próprios limites”, e “... nosso método mostra os aspectos onde é necessário introduzir a análise histórica” (MARX apud Rosdolsky, 2001, p.227).

o capitalista e, portanto, sob o capitalista. Com a cooperação de muitos trabalhadores assalariados, o comando do capital converte-se numa exigência para a execução do próprio processo de trabalho, numa verdadeira condição da produção. As ordens do capitalista no campo de produção tornam-se agora tão indispensáveis quanto as ordens do general no campo de batalha (MARX, 1988a, p.249-250).

O fato de o capital reunir e empregar um grande número de trabalhadores, ao mesmo tempo, para produzir uma dada mercadoria, criando assim uma jornada de trabalho combinada, “mesmo não se alterando o modo de trabalho”, por si só “efetua uma revolução nas condições objetivas do processo de trabalho”, produzindo um enorme aumento da produtividade do trabalho, e conseqüentemente a redução do “tempo de trabalho necessário para produzir determinado efeito útil” (MARX, 1988a, p.245). A força produtiva da jornada de trabalho combinada torna-se força produtiva social, através da qual pode-se ter o trabalho social médio, sendo que a própria “lei geral da valorização só se realiza completamente para o produtor individual tão logo ele produza como capitalista, empregue muitos trabalhadores, ao mesmo tempo, pondo assim em movimento, desde o início, trabalho social médio” (MARX, 1988a, p. 245).

Essa forma de trabalho “em que muitos trabalham planejadamente lado a lado e conjuntamente, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos, chama-se cooperação” (MARX, 1988a, p. 246). A cooperação é um momento inicial do processo de produção capitalista, mas não se constitui enquanto uma fase de seu desenvolvimento, como diz Marx, ao contrário da manufatura e da grande indústria, a cooperação simples “não constitui nenhuma forma característica fixa de uma época particular de desenvolvimento do modo de produção capitalista” (MARX, 1988a, p. 253).

A cooperação, é a “primeira modificação que o processo de trabalho experimenta pela sua subordinação ao capital” 61(MARX, 1988a, p. 252). O processo de trabalho é subsumido ao capital quando se torna seu próprio processo “e o capitalista se enquadra nele como dirigente, condutor; para este, é ao mesmo tempo, de imediato, um processo de exploração do trabalho alheio” (MARX, 1978, p. 51, grifos do autor). Desde o início, o que distingue o trabalho

61 “Do mesmo modo que a força produtiva social do trabalho desenvolvida pela cooperação aparece como força produtiva do

capital, a própria cooperação aparece como forma específica do processo de produção capitalista, em contraposição ao processo de produção de trabalhadores isolados independentes ou mesmo dos pequenos mestres. É a primeira modificação que o processo de trabalho real experimenta pela sua subordinação ao capital. Essa modificação se dá naturalmente. Seu pressuposto, ocupação simultânea de um número relativamente grande de assalariados no mesmo processo de trabalho, constitui o ponto de partida da produção capitalista. Este coincide com a existência do próprio capital. Se o modo de produção capitalista se apresenta, portanto, por um lado, como uma necessidade histórica para a transformação do processo de trabalho em um processo social, então, por

subsumido ao capital, ainda que apenas formalmente, “é a escala em que se efetua; ou seja, por um lado, a amplitude dos meios de produção adiantados; e, por outro, a quantidade de operários dirigidos pelo mesmo patrão (employer)” (MARX, 1985a, p. 53). Com a produção em maior escala e o controle do capitalista, a subsunção formal é o momento inicial de produção de mais- valia, a qual só pode ser obtida neste momento, em que se tem como base a forma de trabalho pré-existente, por meio do prolongamento da jornada de trabalho (produção de mais-valia absoluta)62.

É também desde o início do processo de submissão do trabalho ao capital, que a finalidade do trabalho passa a ser definida externamente, negando a característica especificamente humana de planejar idealmente o processo de trabalho para chegar a determinado fim:

A conexão de suas funções e sua unidade como corpo total produtivo situa-se fora deles, no capital, que os reúne e os mantém unidos. A conexão de seus trabalhos se confronta idealmente portanto como plano, na prática como autoridade do capitalista, como poder de uma vontade alheia, que subordina sua atividade ao objetivo dela (MARX, 1988a, p.250).

Depois que o trabalho assalariado se subordina ao capital, se modifica a ponto de ser vendido como qualquer mercadoria e passa a depender do capital para que se efetive praticamente, o capital tem base material para seu desenvolvimento. Histórica e logicamente, a subsunção formal é a base para o processo de subsunção real do trabalho ao capital, assim como a cooperação, embora não se constitua enquanto fase circunscrita do capitalismo, é a base para o desenvolvimento das forças produtivas, nestes casos, em suas diferentes fases, quais sejam, a manufatura e a grande indústria63.

outro lado, essa forma social do processo de trabalho apresenta-se como um método, empregado pelo capital, para mediante o aumento da sua força produtiva explorá-lo mais lucrativamente” (MARX, 1988a, p.252-253).

62 “Na subsunção formal do trabalho ao capital, a coerção para a produção de trabalho excedente – e desse modo, por um lado,

para a formação de necessidades e de meios para satisfazer essas necessidades, e por outro a produção em massa acima do nível das necessidades tradicionais dos operários – e para obtenção de tempo livre para o desenvolvimento, independentemente da produção material, essa coerção, dizíamos, recebe unicamente uma forma diferente da que possuía nos modos de produção anteriores; mas uma forma que eleva a continuidade e intensidade do trabalho, aumenta a produção, é mais propícia ao desenvolvimento das variações na capacidade de trabalho, e, com isso, à diferenciação dos modos de trabalho e de aquisição, e finalmente reduz a relação entre o possuidor das condições de trabalho e o próprio operário a uma simples relação de compra e

venda ou relação monetária, eliminando da relação de exploração todos os enredamentos patriarcais e políticos, ou mesmo

religiosos. Sem dúvida, a própria relação de produção gera nova relação de superioridade e subordinação (que, por sua vez, produz também suas próprias expressões políticas)”(MARX, 1985b, p. 57-58).

63 “A produção da mais-valia absoluta gira apenas em torno da duração da jornada de trabalho; a produção da mais-valia relativa

revoluciona de alto a baixo os processos técnicos do trabalho e os agrupamentos sociais” (MARX, 1988a, p.102). “Ela supõe portanto um modo de produção especificamente capitalista, que com seus métodos, meios e condições nasce e é formado naturalmente apenas sobre a base da subordinação formal do trabalho ao capital. No lugar da formal surge a subordinação real do trabalho ao capital” (MARX, 1988b, p. 102).

Na subsunção real, o desenvolvimento das forças produtivas amplia a exploração do mais-trabalho, pois diminui o tempo de trabalho necessário. Essa transformação consiste na produção de mais-valia relativa, que não se dá pela ampliação da jornada de trabalho, mas pelo aumento da produtividade do trabalho que ocorre pela aplicação da tecnologia aos meios de trabalho64.

Na manufatura, “cada trabalhador é apropriado exclusivamente para uma função parcial e sua força de trabalho é transformada por toda vida em órgão dessa função parcial” (MARX, 1988a, p. 256), ainda que a base da produção “continue artesanal, e portanto depende da força, habilidade, rapidez e segurança do trabalhador individual no manejo de seu instrumento” (MARX, 1988a, p. 256). O trabalhador, transformado em parcial, com a repetição da mesma atividade, que se torna sua função exclusiva dentro do processo de produção, observa o aumento da produção de valores de uso em menos tempo de trabalho65.

A manufatura cria, portanto, o trabalhador fragmentado, o trabalhador individual “mutilado” 66, “uma classe de trabalhadores sem qualificação” e a “graduação hierárquica” dos

trabalhos. Desde já, tal divisão manufatureira do trabalho, se apodera de “outras esferas da sociedade” e lança as bases para o “avanço da especialização, de especialidades e um parcelamento do homem, que levou A. Ferguson, professor de A. Smith, a exclamar: ‘Estamos criando uma nação de hilotas e não existem livres entre nós’” (MARX, 1988a, p. 266).

No bojo da divisão manufatureira do trabalho também se impõe a necessidade do aperfeiçoamento contínuo da ferramenta que é empunhada pelo trabalhador parcial. O hábito de realizar a mesma atividade parcial, simples e repetitiva, transforma o trabalhador em órgão do modo de produção “enquanto a conexão do mecanismo global o obriga a operar com

64 “O desenvolvimento da força produtiva do trabalho, no seio da produção capitalista, tem por finalidade encurtar a parte da

jornada de trabalho durante a qual o trabalhador tem de trabalhar para si mesmo, justamente para prolongar a outra parte da jornada do trabalho durante a qual pode trabalhar gratuitamente para o capitalista. Até que ponto pode-se alcançar ainda esse resultado sem baratear as mercadorias, mostrar-se-á nos métodos particulares de produção da mais-valia relativa, a cujo exame passamos agora” (MARX, 1988a, p.243).

65 “Incapacitado em sua qualidade natural de fazer algo autônomo, o trabalhador manufatureiro só desenvolve atividade produtiva

como acessório da oficina capitalista. Como o povo eleito levava escrito na fronte que era propriedade de Jeová, assim a divisão do trabalho marca o trabalhador manufatureiro com ferro em brasa, como propriedade do capital” (MARX, 1988a, p.270).

66 A manufatura “se apodera da força individual de trabalho em suas raízes. Ela estropia o trabalhador convertendo-o numa

anomalia, ao fomentar artificialmente sua habilidade particularizada mediante a repressão de um mundo de impulsos e capacidades produtivas, assim como nos Estados de La Plata abate-se um animal inteiro apenas para tirar-lhe a pele ou o sebo. Os trabalhos parciais específicos são não só distribuídos entre os diversos indivíduos, mas o próprio indivíduo é dividido e transformado no motor automático de um trabalho parcial, tornando assim realidade a fábula insossa de Menenius Agripa, segundo a qual um ser humano é representado como mero fragmento de seu próprio corpo” (MARX, 1988a, p.270).

regularidade de um componente de máquina” (MARX, 1988a, p. 263) e são criadas as bases para o desenvolvimento da maquinaria e grande indústria.

A maquinaria é “o mais poderoso meio de prolongar a jornada de trabalho para além de qualquer limite natural” (MARX, 1988b, p. 26), o trabalho em máquinas, de um lado, facilita o trabalho, por outro, “torna-se um meio de tortura, já que a máquina não livra o trabalhador do trabalho, mas seu trabalho de conteúdo”(MARX, 1988b, p. 41).

A base técnica da maquinaria é revolucionária, pois revoluciona continuamente “as funções dos trabalhadores e as combinações sociais do processo de produção. Com isso, ela revoluciona de modo igualmente constante a divisão do trabalho no interior da sociedade e lança sem cessar massas de capital e massas de trabalhadores de um ramo da produção para outro” (MARX, 1988b, p.87), gerando assim, pela simplificação máxima do trabalho, a capacidade de cada trabalhador poder transferir-se de um campo de trabalho para outro; o trabalhador torna-se um apêndice das máquinas.

O processo de subsunção real desfigura as condições dentro das quais o trabalhador trabalha, “submetem-no, durante o processo de trabalho, ao mais mesquinho e odiento despotismo, transformam seu tempo de vida em tempo de trabalho” (MARX, 1988b, p. 25), e acabam com as capacidades intelectuais do trabalhador:

Os conhecimentos, a compreensão e a vontade, que o camponês ou artesão autônomo desenvolve mesmo que em pequena escala, como o selvagem exercita toda arte da guerra com astúcia pessoal, agora passam a ser exigidos apenas pela oficina em seu conjunto. As potências intelectuais da produção ampliam sua escala por um lado porque desaparecem por muitos lados. O que os trabalhadores parciais perdem, concentra-se no capital com que se confrontam. É um produto da divisão manufatureira do trabalho opor-lhes as forças intelectuais do processo material de produção como propriedade alheia e poder que os domina. Esse processo de dissociação começa na cooperação simples, em que o capitalista representa em face dos trabalhadores individuais a unidade e a vontade do corpo social de trabalho. O processo desenvolve-se na manufatura, que mutila o trabalhador, convertendo-o em trabalhador parcial. Ele se completa na grande indústria, que separa do trabalho a ciência como potência autônoma de produção e a força a servir ao capital (MARX, 1988a, p. 270-271).

O modo especificamente capitalista de produção se desenvolve conjuntamente ao desenvolvimento da maquinaria, que “supera tecnicamente a divisão manufatureira do trabalho, com sua anexação por toda a vida de um ser humano inteiro a uma operação de detalhe”, ao mesmo tempo em que “a forma capitalista da grande indústria reproduz ainda mais monstruosamente aquela divisão do trabalho, na fábrica propriamente dita, por meio da transformação do trabalhador em acessório consciente de uma máquina parcelar” (MARX 1988b, p.85). Somente aqui o processo de trabalho se altera essencialmente, pois

Na manufatura, a articulação do processo social de trabalho é puramente subjetiva, combinação de trabalhadores parciais; no sistema de máquinas, a grande indústria tem um organismo de produção inteiramente objetivo, que o operário já encontra pronto como condição de produção material (MARX, 1988b, p. 12).

Na manufatura, o sujeito do trabalho é o trabalho coletivo, já na grande indústria, o “organismo da produção”, do qual o trabalhador faz parte, é “inteiramente objetivo”. Somente neste momento o capital pode roubar a subjetividade do trabalhador e se realizar de maneira plena, tanto no que diz respeito à absorção de mais-valia, quanto no que se refere ao incremento do fetichismo do capital67.

67“Toda produção capitalista, à medida que ela não é apenas processo de trabalho, mas ao mesmo tempo processo de valorização

do capital, tem em comum o fato de que não é o trabalhador quem usa as condições de trabalho, mas, que, pelo contrário, são as condições de trabalho que usam o trabalhador: só, porém, com a maquinaria é que essa inversão ganha realidade tecnicamente palpável. Mediante sua transformação em autômato, o próprio meio de trabalho se confronta, durante o processo de trabalho, com o trabalhador como capital, como trabalho morto que domina e suga a força de trabalho viva. A separação entre as potências espirituais do processo de produção e o trabalho manual, bem como a transformação das mesmas em poderes do capital sobre o trabalho, se completa, como já foi indicado antes, na grande indústria erguida sobre a base da maquinaria. A habilidade pormenorizada do operador de máquinas individual, esvaziado, desaparece como algo ínfimo e secundário perante a ciência,