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1.3. M ATRIZ DE TRANSPORTE TERRESTRE DE CARGAS E PASSAGEIROS NO B RASIL

1.3.1. Processo histórico

O surgimento de uma economia mercantil impulsionou a evolução dos meios de transporte. A necessidade de transportar mercadorias do local de onde eram produzidas para onde seriam consumidas expandiu-se à medida que novos mercados consumidores eram estabelecidos. O transporte marítimo e fluvial foram as primeiras opções no processo de crescimento do comércio de longa distância. O surgimento do barco a vapor e as melhorias nas embarcações viabilizaram essa modalidade de fluxo de mercadorias, que se manteve como a principal durante anos.

A partir da fabricação da primeira locomotiva a vapor pelo escocês Richard Trevithick em 1804 (CNT, 2008a), o transporte de mercadorias e pessoas passaria a ser realizado por um novo modal. A partir de1820 começaram a surgir as primeiras ferrovias na Inglaterra, que rapidamente se espalharam. Segundo Silva Júnior (2002, p.63), o sistema ferroviário foi o primeiro sistema de transporte capaz de viabilizar a aceleração da circulação de mercadorias na primeira revolução industrial. A expansão do sistema ferroviário seguiu por todo o mundo, principalmente nos Estados Unidos, impulsionada pelo crescimento econômico, populacional e pelo setor de telecomunicações, devido à rede de telégrafos, que se apresentava como peça de apoio ao desenvolvimento do transporte ferroviário (DINIZ, 1987, p.200).

No Brasil a situação foi diferente. As atividades mercantis eram restritas em função da proibição de atividades manufatureiras imposta pela coroa portuguesa e pelas relações escravistas. Devido ao baixo volume comercial, os transportes não foram considerados como atividade relevante por séculos. Somente com a expansão da produção cafeeira no século XIX é que a situação começou a mudar. A capacidade de transportar com eficiência e inserir o País no comércio internacional garantiu ao sistema ferroviário a condição necessária para se estabelecer. Em 1854 foi inaugurada a primeira ferrovia brasileira, com extensão de 14,4 km, chamada de Estrada de Ferro Mauá. Pouco depois em 1858 foi vez da Pedro II – Central do Brasil –, seguida pela Estrada de Ferro Santos – Jundiaí em 1863 e diversos outros trechos, tendo o Brasil alcançado no ano de 1867 uma malha ferroviária com extensão de 598 km (DINIZ, 1987, p.211).

A partir desse período a expansão da malha ferroviária não parou por décadas. Segundo Castro (2002, p.109), de 1880 a 1930 houve um grande ciclo de expansão da rede ferroviária brasileira, passando de menos de mil quilômetros em 1870 para mais de 32 mil quilômetros em 1930. Os fazendeiros paulistas foram os principais responsáveis pela

organização e a realização de investimentos necessários à expansão das malhas ferroviárias. Das vinte ferrovias existentes em 1910, dezesseis eram de propriedade dos fazendeiros, duas de propriedade do governo federal, uma do governo estadual e uma de capital estrangeiro. Essas ferrovias desempenharam um papel de grande importância na industrialização paulista e no crescimento da cafeicultura no período de 1880 a 1930 (GORDINHO, 2003, p.71).

Apesar da expansão das ferrovias, o setor rodoviário não foi deixado de lado. Segundo Silva Júnior (2002, p.64), o marco da ascensão do transporte rodoviário foi o 1º Congresso Paulista de Estradas e Rodagem realizado na cidade de São Paulo em 1917, presidido pelo então prefeito Washington Luiz. Com a instalação da fábrica da Ford em São Paulo no ano de 1919, poucos anos depois, em 1924, o uso do caminhão para realizar o transporte entre fazendas ou até as estações generalizou-se (SILVA JÚNIOR, p.65).

A partir da pavimentação da primeira rodovia brasileira – antiga Estrada Normal da Estrela da Serra, a Rio-Petrópolis, atual Washington Luiz (GORDINHO, 2003, p.117) –, o processo de construção e pavimentação não parou. No ano de 1926, Washington Luiz tornou-se presidente da república e deu continuidade as idéias discutidas no 1º Congresso Paulista de Estradas e Rodagem, tendo dito em seu discurso de posse que “governar é abrir estradas”. Nesse mesmo ano conseguiu do Congresso Nacional a criação do Fundo Especial para Construção e Conservação de Estradas e Rodagem Federais, que arrecadaria recursos sobre a comercialização de combustíveis e peças (SILVA JÚNIOR, 2002, p.66).

Com a perda do poder pelas oligarquias, em razão da desaceleração da cafeicultura, as ferrovias perderam seus grandes apoiadores. O rápido processo de industrialização e a integração do mercado interno demandavam cada vez mais o transporte de bens. A ampliação da malha rodoviária se justificava pela necessidade de transportar cada vez mais cargas (BARAT, 1978, p.91). Mesmo com a promulgação do Plano Nacional de Viação – PNV pelo decreto nº. 24.497 de junho de 1934 (CASTRO, 2002, p.109), os investimentos no setor ferroviário não foram no volume necessário. Além da escassez de recursos existia uma tendência mundial em migrar parte do transporte ferroviário e hidroviário para o transporte rodoviário. No caso do Brasil essa situação foi um pouco diferente, pois o transporte ferroviário, ao invés de especializar-se para o transporte de determinados tipos de cargas, concorria diretamente com o modal rodoviário (SILVA JÚNIOR, 2002, p.70).

O transporte rodoviário estava se tornando uma preferência, com ações políticas e econômicas voltadas a ele. No final da década de 1930 deu-se o início da fase áurea da expansão do transporte rodoviário, com a criação do Departamento Nacional de Estradas e

Rodagem – a DNER em 1937 (CASTRO, 2002, p.115). Poucos anos depois, em 1945, criou-se o polêmico Fundo Rodoviário Nacional (conhecido também como lei Joppert)18, com

tributação sobre os lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos (SILVA JÚNIOR, 2002, p.72), que segundo Gordinho (2003, p.120), “estabeleceu um sistema para garantir o financiamento a fundo perdido do setor rodoviário. Instalava-se o arcabouço financeiro para construção, pavimentação e conservação de rodovias”.

No outro lado da história, sobre o setor ferroviário recaiam diversos problemas. A Segunda Guerra Mundial o afetou devido à cessão da importação de peças e acessórios para reposição, causando a decomposição do sistema. Mesmo havendo certo receio na primeira metade da década de 1940 em integrar as regiões utilizando um sistema rodoviário, primeiro por ser considerado somente como um complemento ao transporte ferroviário e segundo pela idéia da integração ser considerada como algo distante de ser alcançado (GALVÃO, 1996, p.195), o processo de expansão das rodovias prosseguiu sem parar.

A redução do fluxo ferroviário em função do processo de industrialização associado à falta de investimentos gerou um enorme déficit no setor. Nem mesmo sendo apoiadas por diversos grupos e com a estatização foi possível salvar as ferrovias. A crise na Inglaterra, em função da Segunda Guerra Mundial, alcançou o setor ferroviário brasileiro com a falta de investimentos (SILVA JÚNIOR, 2002, p.70). A criação posterior da Rede de Ferroviária Federal S.A – RFFSA em 1957, por meio da Lei 3.115, que detinha inicialmente18 estradas de ferro e operava 80% das linhas férreas brasileiras, com 24.132 km de extensão (GORDINHO, 2003, p.79), como forma de tentar manter o já colapsado sistema ferroviário, não conseguiu resolver o problema nem reduzir seu déficit, que chegou a R$ 2,4 bilhões em 1963 – valores corrigidos para o ano 2000 – (CASTRO, 2002, p.112).

O apoio institucional necessário para a expansão das rodovias veio com a divulgação dos resultados dos estudos realizados pela Comissão Mista Brasil - Estados Unidos de Desenvolvimento Econômico em 1952, que orientavam a expansão do transporte rodoviário, sendo considerada a opção mais econômica e com melhor retorno sobre investimento (GORDINHO, 2003, p.122). Além da questão institucional, somava-se a questão técnica, com a criação da Petrobrás em 1953, com capacidade de produzir o asfalto necessário à construção das rodovias. Além disso, a expansão tinha uma fonte de financiamento garantida, realizada pelo Fundo Rodoviário Nacional.

A construção, reforma e ampliação das rodovias estavam garantidas, faltava ao Brasil somente os veículos. Oficialmente foi inaugurada em 1942 a Fábrica Nacional de Motores (FNM), ainda sem seus equipamentos, mas com grande festa. Sua operação seria iniciada no ano seguinte, com o propósito de produzir motores para aeronaves, porém, com o fim da

Segunda Guerra Mundial, os estoques da Força Aérea Brasileira – FAB ficaram lotados. A opção seria produzir outros bens. Em 1949 a FNM começou a produzir seus primeiros caminhões (PAIVA, 2004, p196). No mesmo período da criação da FNM, o governo estimulava a importação de veículos, dessa forma, entre 1946 e 1950 a frota de veículos praticamente dobrou (DINIZ, 1987, p.233).

No dia 16 de junho de 1956 o presidente Juscelino Kubitschek assinou o Decreto 39.412, criando o Grupo Executivo da Indústria Automobilística – GEIA, sendo considerado este o marco do nascimento da indústria automobilística brasileira (ANFAVEA, 2006, p.94). O GEIA era composto por representantes de vários órgãos do Governo Federal e tinha como prioridade o desenvolvimento da indústria de veículos pesados, em especial os caminhões, já responsáveis na época pela maior parte do transporte de cargas. O objetivo do grupo era promover a nacionalização da fabricação de veículos por meio da instituição de um plano voltado ao setor, que garantiria a redução da importação de peças (SANTOS; BURITY, 2003, p.1) e produção de veículos com mais de 90% de partes nacionais.

Esse era o início da implantação do setor automobilístico nacional, feito de forma ímpar. Segundo Latini (2007, p.107) “o plano foi revolucionário nos métodos administrativos e, sobretudo, nos resultados. Sacudiu a economia brasileira, estendeu seus efeitos a outros setores de atividade e continuou a imprimir dinamismo até por mais de quatro décadas”. Depois de mais de dez anos, em 1967, após promover grandes benefícios ao setor o grupo foi substituído pelo Grupo Executivo da Indústria Mecânica – Geimec, que foi absorvido pelo Grupo Executivo da Indústria Automotora – Geimot, dois anos mais tarde (SANTOS; BURITY, 2003, p.3).

Nesse momento instalavam-se no País fábricas como a General Motors, Ford, Mercedes-Benz, Scania-Vabis, Vemag, Simca, Toyota, Volkswagen e Willys para atender ao carente mercado brasileiro (GORDINHO, 2003, p.123). Com a indústria automobilística crescendo e sendo nacionalizada, por fim, pode-se dizer que a construção de Brasília foi um dos fatores propulsores da expansão das rodovias federias, aumentadas em 15.000 Km entre 1956 e 1961. Dentre as rodovias estão a Belém-Brasília, com 2.000 Km, a Belo Horizonte Brasília, com 700 Km, a Goiânia-Brasília, com 200 Km, a Fortaleza Brasília, com 1.500 Km e a Acre-Brasília, com 2.500 Km (SILVA JÚNIOR, 2002, p.74). A desconcentração política da região sudeste, em função da centralização da nova capital, exigia a abertura de novas vias, com a integração entre as diversas regiões do país.

Diante de tantos acontecimentos, a retração dos vários modais de transporte, principalmente o ferroviário, com conseqüente aumento do rodoviário, não pode ser atribuída a um fator, mas a um conjunto de fatores que ocorreram de forma interliga, resultando na transformação radical da matriz de transportes brasileira. Dentre os fatores que influenciaram essa mudança e expansão do transporte rodoviário, destacam-se:

• flexibilidade do transporte, que podia ser realizado porta a porta, sem a necessidade de grandes investimentos;

• implantação mais rápida da infra-estrutura para o uso de automóveis;

• menor utilização de mão-de-obra e conseqüentemente redução nos custos do transporte;

• inexistência das fortes pressões sindicais como as que ocorria nos setores marítimo e ferroviário;

• sucateamento da estrutura de cabotagem e ferroviária; • maior velocidade, rapidez e regularidade nos deslocamentos;

• surgimento da indústria automobilística brasileira, com capacidade crescente de produção;

• criação da Petrobrás, oferecendo matéria-prima para a construção das estradas e combustíveis para os automóveis;

• construção da cidade de Brasília, estimulando a construção de diversas rodovias federais;

• incompatibilidade das linhas de trem, dispondo de bitolas diferentes, resultando na restrição de tráfego;

• baixo preço do petróleo.

Desde o começo do processo de mudanças da matriz de transporte, iniciado na década de 1930, o modal rodoviário se estabeleceu como a principal forma utilizada para o deslocamento de cargas e pessoas. Depois de consolidado o sistema rodoviário, a estrutura da matriz de transportes não passou por mudanças significativas. O gráfico 30, apresentado a seguir, demonstra a redução da malha ferroviária e o forte crescimento das rodovias entre os anos de 1967 a 2000.

943607 km 1243110 km 1724929 km 1348058 km 35486 km 78318 km 136647 km 164988 km 30003 km 30381 km 29283 km 32191 km 1 9 6 7 1 9 7 8 1 9 8 9 2 0 0 0 R OD OV I A S N Ã O- PA V IM EN T A D A S R OD OV IA S PA V IM EN T A D A S F ER R OV IA S

Gráfico 30 – Comportamento da malha ferroviária e rodoviária brasileira(1967 – 2000)19. Fonte: GEIPOT, 1972 – 2001.

Nesse período a malha ferroviária apresentou retração, caindo de 32191 km para 29283 km. Em contrapartida, a malha rodoviária, somente a pavimentada, aumentou de 35486 km para 164988 km. A forma de transporte rodoviário cresceu quase que durante todos os anos, ocupando o espaço de todos os demais modais. Apesar dos esforços para a melhoria e expansão de outros sistemas, a forma rodoviária permanece predominante até o presente, sem perspectivas de mudanças em curto prazo.

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