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O Processo de Ocupação Territorial

No documento Lisboa ribeirinha (páginas 134-140)

VILLA OLÍMPICA

IV. LISBOA RIBEIRINHA – DE SANTOS A SANTA APOLÓNIA, O EPICENTRO DA REVITALIZAÇÃO DA

IV.1. MACRO ESCALA | DO PORTO-CIDADE À CIDADE PORTUÁRIA

IV.1.1. O Processo de Ocupação Territorial

Desde sempre que Lisboa estabelece uma relação com o rio que a envolve e que a sua história se confunde com a história do Tejo, não sendo possível conceber Lisboa sem este. O princípio de ocupação de Lisboa, no período pré-romano e romano, limitava-se à envolvente do castelo, que se rodeava pelo Tejo, e à confluência das suas linhas de água dos vales primordiais - atualmente a Av. da Liberdade e a Av. Almirante Reis - descendo ao Rossio e à sua envolvente onde se assinalou o “primeiro lugar”, o sítio certo para o seu núcleo mais central e ribeirinho, a praia do Rossio33. Com a fase medieval e

moderna, a cidade alargou-se, numa estrutura de colina a colina que, entre ruas diretas, estaleiros e praias, conseguiu acompanhar a linha costeira como uma nova paisagem urbana. A instalação de tercenas e de mercados de peixe numa faixa ribeirinha a jusante do núcleo urbano, ainda no reinado de D. Dinis, marca um momento de viragem e expansão na vida da cidade, criando nesta zona um enorme polo de desenvolvimento comercial e industrial associado à atividade portuária e de construção naval e à qual serviam de suporte.

Apesar de por vezes, por motivos de ordem defensiva, terem sido impostos limites à sua expansão, com as muralhas dionisinas da Ribeira e mais tarde com a Muralha Fernandina, o processo evolutivo desta parte da urbe acabou por mostrar a sua força e irreversibilidade. Tanto a Coroa como o Município de Lisboa instalaram neste espaço as Carniçarias, a Casa da Moeda, as Casas de Ceuta, da Mina, da Guiné, da Índia, entre outros, assim como o próprio rei e a Câmara abandonaram a Alcáçova e a Casa de Santo António para se instalarem no Paço da Ribeira (atual Ribeira das Naus) e nos Paços do Concelho,

FIG. 37. Antigo braço do Tejo que abrangia toda a zona da Baixa.

FIG. 38. Panorâmica de Lisboa, Georgio Braunio, 1598.

respetivamente. A importância portuária da cidade incentivou o repovoamento da população para fora dos limites da muralha, deixando visível na linha costeira não só um avanço geográfico das suas atividades, de construção e reparação naval, mas também inúmeras quintas que se estendiam, a partir do século XVI, quer para ocidente, até Belém, quer para oriente, até Xabregas/Olivais.

Até meados de setecentos, Lisboa era uma cidade linear, dominantemente ribeirinha, desenvolvida no sentido este- oeste, acompanhando o rio desde Alfama e o Paço da Ribeira até Alcântara, Junqueira e Belém. Após o terramoto decorrido em 1755 que devastou grande parte da cidade, surge a necessidade de a reconstruir reorganizando a sua relação com o rio e abrindo, de um modo monumental, a sua área central ao Tejo a partir da praça mais emblemática da cidade, a Praça do Comércio. Também segundo o Plano Pombalino, a cidade reorientou a sua direção de crescimento dominante, pela primeira vez, e decididamente, na direção norte, para as futuras Avenidas dos Planaltos do Interior. Esta restruturação representa dois eixos direcionais de crescimento e de desenvolvimento para Lisboa, sendo, por um lado, o crescimento para norte, e por outro, ao longo da margem direita do Tejo, sobretudo no sentido ocidental.

FIG. 39. Planta de Lisboa proposta por Eugénio dos Santos, completada por Carlos Mardel, 1756.

Tal como é possível observar pela figura 40, o crescimento urbano da cidade e os sucessivos alargamentos dos seus limites territoriais, realizaram-se segundo estas duas hipóteses de desenvolvimento, correspondendo cada uma a desejos e intenções materializados numa série de projetos e propostas. A decisão tomada pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) de expandir a cidade na direção que o plano pombalino definia com a construção da avenida da Liberdade, cuja abertura se realizou a 1879, teve em consideração não apenas o aumento demográfico significativo registado a partir desta época, mas também a pressão de alguns setores de iniciativa privada. O que se verificou previamente em diversas cidades europeias, nomeadamente a procura de melhores condições de vida e de trabalho, o crescimento da taxa de natalidade e a diminuição da taxa de mortalidade, aconteceu mais tarde em Lisboa e de forma explosiva. O fenómeno de urbanização que marcou o século XX tornou a cidade de Lisboa num polo de atração para a população, originando, na época, a necessidade de dotar o território de infraestruturas capazes de acolher a população que crescia a um ritmo acelerado, conforme se constata pela figura 40 pelo avanço da cidade para norte.

FIG. 40. Crescimento urbano da cidade de Lisboa entre 1147 e 1990.

Relativamente ao eixo ribeirinho, na segunda metade do século XIX, as longas margens da cidade foram submetidas a processos de modernização através de projetos que não se limitavam à construção de uma nova estrutura portuária com a implantação de aterros, a instalação de polos industriais e de produção de energia. Além do desejo de concretizar a vocação de Lisboa como cidade portuária por excelência e, simultaneamente, de forma a tirar proveito das condições geográficas que a privilegiavam em relação a outras capitais europeias, surgem propostas urbanísticas como novos arruamentos, bairros, equipamentos urbanos e espaços verdes. Um exemplo que traduz este desejo foi a ideia de criar uma avenida marginal, que muitos projetos incluíram, como forma de contribuir para o embelezamento da cidade e para a recuperação da sua génese no contexto das cidades europeias.

Contudo, na procura de garantir o serviço de acostagem de paquetes, o movimento dos respetivos passageiros e o movimento comercial, num esforço constante de modernização de conveniente adaptação às novas tecnologias portuárias, iniciam-se as obras de melhoramento do porto de Lisboa prolongando-se até meados do século XX, criando- se ainda condições para o desenvolvimento do turismo e do desporto náutico (APL, 1987). A própria construção da linha férrea e os sistemas rodoviários ampliaram a vocação infraestrutural da cidade, intensificada pelo carácter das zonas ribeirinhas onde o funcionamento portuário de mercadorias e passageiros permanecia ativo. Assim, enquanto os maiores desejos de engrandecimento de Lisboa se situavam quer na construção do porto quer no eixo sul-norte, BARATA (2002: 69)

lamentava que a cidade tivesse voltado as costas ao rio Tejo:

Cidade disposta em anfiteatro, em sucessivos terraços… ora perdendo-se lá longe,… ora avançando sobre o rio como o estreito tombadilho duma nau. (…) Como aproveitou o lisboeta estas condições naturais tão singulares, esta dádiva do céu e da água? Que partido tirou ele do Tejo? Voltou-lhe as costas, simplesmente.

FIG. 41. Vista aérea da zona do Poço do Bispo, autor desconhecido, 1940.

FIG. 42. Treinos de uma equipa de remo, autor desconhecido, 1900.

FIG. 43. Treinos de nadadores em Alcântara, Benoliel, 1907.

Definida por uma topografia singular de proximidade com o rio Tejo e pontuada por inúmeros pontos de vista sobre o mesmo, o autor defende que a expansão para norte e a construção do porto acentuaram a supressão da posição natural da cidade. A cidade real cresceu cada vez mais afastada do rio, enquanto a Lisboa do desejo e do imaginário dos lisboetas se manteve sempre virada para o mesmo. Com as transformações ao nível das atividades portuárias e a rutura repentina das relações com as colónias, inicia-se, na segunda metade do século XX, um processo de decadência e de subutilização que antecipava o abandono das zonas portuárias e a perda da utilidade de grande parte do porto, intensificando essa rutura. Nascia uma enorme cintura portuária independente contribuindo para o isolamento da cidade e a renegação do seu rio, transformando a relação cidade-porto em porto- cidade, lógica que atravessou todo o século XX.

A existência de vazios urbanos expectantes na primeira linha da cidade passou a constituir uma prioridade ainda no Estado Novo, permitindo que os responsáveis pela gestão da cidade aproveitassem a oportunidade de repensar não só o ordenamento de toda a zona ribeirinha mas também o planeamento do crescimento de Lisboa de forma equilibrada, privilegiando os dois eixos possíveis de crescimento.

Na década de 80 do séc. XX, Lisboa era uma cidade degradada com redes de infraestruturas e comunicação ineficazes dado o processo de desindustrialização e implantação anárquica do setor terciário que atravessava. A necessidade de modernização correspondeu ao fim da

FIG. 44. Arsenal da Marinha, Benoliel, 1918-1936

FIG. 45. Vista aérea da estação e Cais de Santa Apolónia, Nunes, 1940.

guerra colonial, à estabilização pós revolução de Abril de 1974 e à adesão à Comunidade Europeia, criando assim condições para delinear uma estratégia de desenvolvimento que partisse das especificidades de uma cidade antiga colonial virada para ao Atlântico. A exigência e expetativa da melhoria de qualidade de vida das populações e de desenvolvimento da base económica tornaram imprescindível recuperar o atraso verificado na construção dos grandes sistemas viários de transportes e comunicações, na modernização do sistema de telecomunicações, no saneamento de situações poluentes, na localização de novos equipamentos estruturantes e na previsão de áreas para atividades com novas exigências de espaço e ambiente. Paralelamente uma nova consciência exige a recuperação do património histórico, arquitetónico e paisagístico da cidade.

Em suma, no final dos anos 80, desponta uma necessidade urgente de intervenção, traçando-se, nesse sentido, diversos objetivos específicos, tais como (GUIMARÃES: 2006):

i)

obter um maior equilíbrio interno da cidade e da área metropolitana, na distribuição das principais funções;

ii)

estancar o decréscimo e o envelhecimento populacional, fixando jovens, atraindo novos residentes e valorizando a função habitacional;

iii)

potencializar a requalificação das atividades económicas, culturais e científicas, através da sua melhor inserção urbana;

iv)

melhorar as infraestruturas de suporte suprimindo as carências de transportes e comunicações;

v)

recuperar a frente de água, abrindo a cidade ao rio, requalificando os espaços públicos e reequilibrando as áreas em toda a cidade, com vista a uma maior qualidade urbanística e ambiental.

É neste contexto que surge a ideia de lançar um grande projeto catalisador da renovação da cidade, capaz de mobilizar os meios e gerar sinergias para a efetiva modernização de Lisboa.

34. Deste modo se podem explicar os projetos sucessivamente apresentados por Alfredo de Andrade, Pierre Joseph Pézerat, Thomé de Gamond, pelas comissões governamentais de 1874 e 1881, Miguel Pais, Fialho de Almeida, José Melo de Matos, Sociedade de Propaganda de Portugal, Miguel Ventura Terra e Jean Claude Forestier (BARATA, 2002).

IV.1.2. Cidade-Porto | Uma Simbiose na Frente de Água

No documento Lisboa ribeirinha (páginas 134-140)