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A RELAÇÃO CIDADE ÁGUA

No documento Lisboa ribeirinha (páginas 47-51)

LISTA DE ACRÓNIMOS

II. CIDADES E FRENTES DE ÁGUA – TEORIAS, CARACTERÍSTICAS E INTERVENÇÕES

II.2. A RELAÇÃO CIDADE ÁGUA

Para a compreensão da interface cidade - água, mais precisamente num enquadramento fluvial, é necessário analisar a evolução desta relação entre as cidades e os seus rios. Poder-se-á interpretar estas relações numa visão retrospetiva, como tendo passado por várias fases, refletindo a evolução cultural, filosófica e ética das relações da sociedade com a natureza, neste caso, com os rios.SARAIVA (2010: 20- 23) explica e decompõe a evolução histórica desta interface em cinco fases, sendo estas:

1ª fase: Numa primeira fase de temor ou sacralização, os rios são respeitados e temidos, associados a divindades e possuidores de poder de vida e de morte.

2ª fase: Uma segunda fase é de harmonia e ajustamento, onde os dois elementos se adaptam à existência mútua. Neste contexto, as cidades procuram gerir os recursos oferecidos pelo rio, nomeadamente alimento, energia e transporte, sem constrangimentos na fisionomia do rio.

3ª fase: Em seguida surge uma fase de controlo e domínio, na qual a sociedade urbana apresenta um comportamento mais agressivo em relação ao rio, aproveitando-se dos seus recursos e alterando as suas margens e o seu curso.

4ª fase: Posteriormente existe uma fase de degradação e sujeição, na qual o mau estado de conservação do rio se agrava, apresentando sinais de poluição e de alterações que afetam o seu ecossistema. O rio deixa, neste caso, de constituir uma mais-valia para a cidade, provocando o afastamento destes dois elementos.

5ª fase: Finalmente dá-se a fase de recuperação e sustentabilidade, na qual se retoma a consciência social e ecológica e a revalorização do recurso aquático.

Fazendo uma leitura do progresso da relação da Humanidade com os cursos de água, constata-se que estes constituem, desde a antiguidade até aos dias de hoje, um elemento primário na vida humana. À medida que as populações se apercebem do valor intrínseco da água, principia- se a adaptação, o aproveitamento e, até, a alteração do seu próprio curso natural.

Contextualizando uma última fase supracitada com a atualidade, é possível verificar que, presentemente, se antevê a recuperação das relações entre as cidades e os seus respetivos rios, voltando o mesmo a ser um importante ativo para o desenvolvimento urbano. Nesse sentido, SARAIVA (2010: 70-71) enuncia quatro relações tipo - morfológicas explicativas de alguns tipos de interação entre as cidades e os seus respetivos rios, sendo estas:

i) A relação funcional/económica, que se estabelece por via das funções que o rio tem para a cidade e vice-versa, como por exemplo, a função portuária, usufruindo do rio como meio ou infraestrutura de transporte; atividades de lazer que tiram partido da presença da água; atividades industriais consumidoras de água ou a possibilidade do desenvolvimento de atividades piscatórias.

ii)A relação ecológica/ambiental estabelece-se pelo facto de o rio ser uma fonte de biodiversidade e um corredor ambiental que influencia o clima urbano e a depuração ambiental, constituindo assim, um indicador de qualidade da relação entre rio e cidade e permitindo que os seus utilizadores possam beneficiar com a proximidade dos ecossistemas ribeirinhos.

iii) A relação paisagística/sensorial é interdependente da relação morfológica entre cidade e rio, das dimensões do rio e da própria estrutura da cidade. A relação paisagística é eminentemente sensorial e subjetiva e isto pode depender de diversos fatores, tais como a abundância ou não de pontos de vista, o significado histórico e social do rio, entre outros.

iv) A relação histórica/emotiva diz respeito às inter-relações entre cidade e rio, tanto as que se relacionam com vivências positivas, como as que ficaram marcadas por desastres naturais como cheias, inundações ou artificiais negativos, que cunham inexoravelmente a essência do sistema cidade - rio. Consequentemente, os significados das relações históricas deste sistema influenciam a multiplicidade de emoções que os indivíduos experimentam ao longo do tempo relativamente à proximidade de um elemento com valor cultural como é o rio.

Uma vez presente numa cidade, a água quase perde a sua naturalidade para se tornar numa importante componente do território com valências diversificadas, consoante a utilização que lhe atribuem. Este elemento natural desempenhou, desde sempre, um papel fundamental no desenvolvimento das sociedades, primeiramente como meio de irrigação de plantações, para alimentação das populações e animais, e, posteriormente, como fonte de energia e meio de comunicação. A existência de vias de comunicação de tamanha importância como são os rios, mares e oceanos, tornou-se determinante no assentamento das principais aglomerações urbanas e, consequentemente, das suas frentes de água (GUIMARÃES, 2006; MEYER, 1999; FERREIRA, 1997; HOYLE e PINDER, 1992).

As frentes de água não só constituem espaços de trocas comerciais, industriais e sociais, como também dão corpo à expressão “onde a terra acaba e o mar começa”, que não designa apenas uma figura de retórica literária, mas, principalmente, a representação emblemática e simbólica da natureza transfronteiriça destes territórios de interface entre terra e água (FERREIRA, 1997). Neste específico contexto, estas áreas transfronteiriças galvanizam identidades históricas e culturais, que, como dupla condição, estruturam e projetam os traços identitários e patrimoniais das suas cidades.

O significado histórico e cultural de um rio, além de atribuído às suas margens, está igualmente vinculado à própria ligação morfológica entre cidade e rio, na medida em que se estabelece uma relação paisagística com a inserção e abundância de pontos de vista, sobre o rio, na malha urbana. Neste sentido, a análise de uma paisagem, como feito cultural

(CANTAL-DUPART et al., 1993), encontra-se dependente da perceção por parte de cada indivíduo, que detém as suas referências sociais e culturais. Os significados que a paisagem transmite, influenciam o que os indivíduos experimentam ao longo do tempo e o valor cultural e social atribuído à presença do elemento água próximo do seu meio urbano.

Estas cidades de água apelam a processos de recomposição identitária, territorializada, decorrentes desta condição urbana específica, a presença da água. Apesar de ser uma característica que se tem alterado ultimamente, o facto é que as cidades têm virado as costas à água, o que tem tomado conta da imagem da cidade. Há, por isso, uma necessidade cada vez mais evidente e premente de redefinir as suas frentes de água e restabelecer ligação com as respetivas cidades, de modo a devolver a identidade a estes e assim voltarmos a ter uma ligação cidade - água.

No documento Lisboa ribeirinha (páginas 47-51)