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3 BASES EPISTEMOLÓGICAS PARA A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE IMAGEM DA BIBLIOTECA PÚBLICA NA ERA DA INFORMAÇÃO

3.3 PROCESSOS CONGNITIVOS DA PERCEPÇÃO DA IMAGEM

A percepção é um processo de aquisição de conhecimento. Entretanto, não foi sempre assim, durante muitos anos os cientistas negaram essa natureza cognitiva da percepção. Foi com Aristóteles que se creditou que o conhecimento começa pela experiência sensorial, que fornece a força sensível do objeto e depois através da abstração, o conceito. A partir do pensamento de Wundt (1907) alguns pensadores afirmam que as ideias são representações mentais que correspondem às experiências sensoriais vividas pelo sujeito quase fielmente.

Para Binet (1896) o raciocínio é uma organização de imagens, enquanto Titchener (1898) destaca que o pensamento é possível graças a um conjunto de unidades elementares como as sensações, as imagens e os afetos. O debate a esse respeito diminuiu com a chegada do Século XX devido à polêmica entre o pensamento e a imagem. Villafañe e Míguez (2009) afirmam que os teóricos da Universidade de Wurtzburgo, na Alemanha, acreditam que a imagem não é necessária para o pensamento. Já Arnheim (2000) afirma exatamente o oposto, que não é absolutamente possível o pensamento sem imagens e que na origem de qualquer conceito intelectual se encontra sempre uma experiência sensorial.

A natureza cognitiva da percepção visual compreende três fases, conforme identificado no Quadro 1.

Quadro 1 - A percepção como processo cognitivo.

Primeira fase Segunda fase Terceira fase Recepção da

informação Armazenamento da informação Processamento da informação Sensação visual Memória visual Pensamento visual Fonte: VILLAFAÑE; MÍNGUEZ (2009).

A primeira fase corresponde à sensação visual, que é responsável pela recepção dos estímulos oriundos das áreas periféricas da recepção sensorial através dos mecanismos ópticos que constituem o sistema visual humano (VILLAFAÑE; MÍNGUEZ, 2009). Luria (1978, p. 9) por sua vez afirma que as sensações constituem a fonte principal de nossos conhecimentos sobre o mundo exterior e sobre nosso próprio corpo. Gibson (1974, p. 22) afirma que esta

primeira fase do processo é um papel mais transcendente que o mero registro retínico às características estruturais do estímulo.

A segunda fase corresponde à capacidade de armazenar as informações advindas da primeira fase para a memória visual. Villafañe e Mínguez (2009, p. 99) esclarecem que “não existe um tipo de memória espacial que possa justificar o termo visual, com exceção do primeiro armazém de informação sensorial que chega a informação proveniente do exterior e é nele que se faz a primeira seleção” (tradução própria). O processo de percepção visual encontra sua validação como processo cognitivo na sua capacidade de combinar informações provenientes de fontes distintas e recebidas em momentos temporais diferentes.

A terceira fase é a capacidade de processamento da informação denominado por Arnheim (1976) de pensamento visual. O que permite justificar o caráter cognitivo da percepção visual é o estudo comparado entre a percepção visual e o pensamento, que conhecemos como paradigma cognitivo. (VILLAFAÑE; MÍNGUEZ, 2009). O pensamento é um processo composto por um conjunto de mecanismos mentais superiores que conferem o caráter cognitivo da percepção visual. Esses mecanismos por sua vez, conferem a capacidade de abstrair e conceituar visualmente a percepção visual.

3.3.1 Memória Visual

Villafañe & Mínguez (2009, p. 101) explicam que o sistema de memória no homem tem uma dimensão estrutural e permanente, constituída de três armazéns onde se deposita a informação, que são: a memória icônica transitória, a memória de curto prazo e a memória de longo prazo. Existe ainda uma dimensão funcional, formada pelos processos de controle, uma série de variáveis derivadas de certos processos de conduta, como a aprendizagem ou a motivação, responsáveis pela seleção para preservação ou descarte.

Sobre a definição de memória visual Luck e Hollingworth (2008, p. 3) argumentam que “a memória visual é qualquer memória adquirida inicialmente e armazenada pelo sistema visual”. Entretanto, acreditam que esta seja uma definição muito ampla e por isso apontam para uma segunda possibilidade, a de que a memória visual seja imagética, uma representação de um estímulo anteriormente visualizado que reteve as propriedades originais do seu estado original. A memória sensorial visual foi denominada de memória icônica por Neisser (1961) e foi originalmente pensada para ser uma simples pré-categoria de imagens espacialmente mapeadas como fotografias.

A memória icônica transitória ou memória visual sensorial como preferem alguns autores é o primeiro estágio (armazém) que chega a informação. A entrada das informações na memória icônica transitória começa pela primeira grande seleção informativa, onde uma parte é selecionada e a outra se perde ou é descartada. Isto acontece devido a um mecanismo duplo que atua simultaneamente, uma operação exploratória do estímulo e outra de busca padrão ou conceitos visuais comparáveis à estrutura do estímulo. Esses mecanismos são previamente armazenados na memória de longo prazo que enquanto fenômeno corresponde com a operação de reconhecimento de formas. Após a comparação essa informação passa para a memória de curto prazo e o restante das informações passa por um processo de decadência e são descartadas.

A memória icônica transitória foi experimentada por Sperling (1960) na sua tese de doutorado, com um grupo de indivíduos nos EUA, constatando que a experiência visual transcendia o estímulo. Para demonstrar sua hipótese Sperling empregou o método do informe parcial, que se baseia na seleção de umalinha crítica que o sujeito deve ler de uma série de linhas de três letras cada uma. Essa hipótese foi comprovada um ano depois por Averbach e Coriel (1961) utilizando um método diferente do usado por Sperling, com o objetivo de examinar as propriedades temporais de um amortecedor de memória visual de curto prazo, denominado mais tarde de memória icônica.

A memória de curto prazo é o segundo estágio ou armazém do sistema de memória humana. É nela que são armazenadas parte das informações que foram filtradas e selecionadas pela memória icônica transitória. Esta é a memória de maior atividade dentro do sistema de memória visual devido a capacidade limitada do armazenamento que tem esta memória, que não passa dos sete (7) bits, e por causa do tempo máximo de permanência das informações que não ultrapassa os vinte (20) segundos. Entretanto, esta memória pode fazer uso de alguns artifícios, como a repetição de informações, o que não era absolutamente possível na memória icônica transitória. Villafañe e Mínguez (2009) destacam que uma característica importante dessa memória é a forma de registro da informação, enquanto na anterior se fazia de maneira mimética, na memória de curto prazo o que se retém do estímulo interpretado é uma informação esquematizada do mesmo.

Quando a informação finalmente chega ao terceiro estágio, a memória de longo prazo está semanticamente codificada. A principal característica da memória de longo prazo é a sua limitação quanto à capacidade de armazenamento e de tempo. Villafañe e Mínguez (2009) afirmam que uma informação pode permanecer na memória de longo prazo durante muito tempo, indefinidamente, até que sejam selecionadas para aquisição de conhecimentos novos

ou para atividades cotidianas como a comunicação e a atividade motora. Outra situação que pode acontecer é que as variáveis de controle deixem de atuar e as informações armazenadas sofram uma depressão progressiva ou até mesmo sejam perdidas.

Luck e Hollingworth (2008, p. 7) afirmam que, apesar da memória de curto prazo reter informações em um curto período de tempo, sua incapacidade impede qualquer acúmulo significativo de informações durante longos períodos, enquanto a memória a longo prazo “[...] tem uma capacidade notável de retenção e armazenamento” (tradução própria). Essa memória mantém um maior número de retenção de informações visuais específicas de cenas e objetos. 3.3.2 Pensamento Visual

O termo pensamento visual foi cunhado em 1969 por Arnheim (1976) com a publicação de Visual thinking, nesta obra ele não só estabelece uma diferença com o pensamento intelectual, como também confirma a natureza cognitiva da percepção visual. O pensamento visual para Arnheim é a relação e o processamento das várias instâncias que intervém no processo perceptivo, como o estímulo, a memória e os processos de conduta.

O pensamento visual equivale à terceira fase da natureza cognitiva da percepção visual, é o processamento da informação. Neste sentido, a percepção visual parte da análise comparativa entre o pensamento e a percepção e é a partir do caráter cognitivo do pensamento que é evidenciada essencialmente a existência, caracterizada por um conjunto de mecanismos mentais superiores, que são em última instância o que confere a propriedade cognitiva (VILLAFAÑE; MÍNGUEZ, 2009).

Foi John Locke (1997) e os empiristas ingleses do Século XVII que legitimaram a noção aristotélica de abstração. Para eles a noção se baseava na generalização de um conjunto de casos particulares que eram selecionados a partir de uma série de características comuns, agrupadas e ao encontrar um denominador comum entre eles, encontrava-se a abstração, sendo possível somente pela generalização. Ou seja, a abstração enquanto doutrina conclui que a mente ao perceber qualidades comuns em objetos diferentes deixa de lado aquilo que é particular a cada indivíduo, como cor, extensão e outros, e retém apenas o que há de comum entre eles.

Não se deve descartar que a percepção também carrega uma natureza cognitiva por excelência. Esta questão é visualizada no Quadro 2, que descreve a evidência analógica entre os mecanismos mentais e os perceptivos.

Quadro 2 - Análise comparativa entre os mecanismos mentais e perceptivos. Mecanismos mentais Mecanismos perceptivos

Exploração ativa Fixação ocular Realização Sobreposição Simplificação Visão tridimensional

Síntese Visão cromática Correção Constâncias perceptivas

Seleção Abstração visual Conceito Conceito visual Fonte: VILLAFAÑE; MÍNGUEZ (2009).

Arnheim (1976) afirma que o mecanismo pelo qual os sentidos entendem o meio- ambiente é idêntico às operações descritas pela psicologia do raciocínio, como as descobertas científicas, as expressões artísticas são uma forma de conhecimento na qual a percepção e o pensamento são indivisivelmente entrelaçados. Essas expressões artísticas são expressões do raciocínio do sujeito. O pensamento, portanto, é um processo inteligente que exige abstração e conceito visual à efetivação da operação intelectual diária de representação imagética.

Partindo desse pressuposto, Villafañe e Mínguez (2009, p. 104) afirmam que a abstração pouco mudou desde a formulação aristotélica clássica e que, “abstrair uma ideia ou conceito exige uma operação prévia, uma operação de generalização daquelas propriedades que sejam comuns a todos os objetos de uma classe e somente dessa classe” (tradução própria). Entretanto, a abstração perceptiva encontra particularmente nas imagens mentais um inconveniente que acaba por inutilizar essa operação de generalização, a qual se baseia a abstração intelectual.

A abstração visual exige uma seleção prévia de uma forma visual, que permita eliminar tudo que possa impedir a comparação das características e que possa ser utilizada para interpretar as referidas características. É claro que o sono, por exemplo, é uma forma de pensamento inconsciente que utiliza a imagem como veículo para chegar à consciência e isto acontece, como explicam Villafañe e Mínguez (2009, p. 105),

Primeiro porque demonstra em si mesmo a existência de um pensamento visual ou perceptivo propriamente dito e, segundo, porque certifica que evidentemente tem lugar uma abstração prévia da generalização, não baseada nos critérios lógicos de similitude de forma ou função – utilizadas comumente na generalização intelectual –, mas nesta forma visual [...]. (tradução própria)

Neste sentido, afirma-se que a abstração visual é um processo mais sofisticado que a abstração intelectual, por ser a que determina fundamentalmente a abstração prévia da forma

visual, que poderá ser usado em seguida como pattern25 para homologar todos os objetos e

fazer a correspondência final que origina a noção de abstração visual, conforme observado na Figura 15.

Figura 15 - Tipos de abstração (processos).

Abstração visual: Generalização Abstração

Abstração intelectual: Seleção da forma visual Generalização Abstração Fonte: Autora baseado em Villafañe e Mínguez (2009).

Isto significa que, embora a abstração perceptiva ou visual seja diferente da percepção intelectual, ambas cumprem a mesma função que é a de conduzir a conceitualização. E para que isto ocorra é necessário duas condições, sendo uma essencial e outra generativa. A condição essencial acontece quando as características recolhidas são suficientes para representar a identidade do objeto. A condição generativa acontece quando, a partir das características, o objeto como um todo pode ser presentado mesmo sem mencionar as qualidades que foram omitidas pela abstração. Villafañe e Mínguez (2009, p. 106) completam que,

A partir de uma abstração, essencial e generativa é possível a conceitualizaçao visual, graças ao processo de homologação estrutural entre o estímulo e um pattern armazenado na memória, que é uma categoria visual que corresponde genericamente com a classe a que corresponde o objeto estimulador. (tradução própria).

É esse padrão que completará os requisitos necessários, os quais são ser genéricos e facilmente identificáveis. É necessário ser genérico pelo princípio da economia ou capacidade de armazenamento da memória humana e facilmente identificável por igual razão e rapidez na recuperação das informações armazenadas.

Villafañe (2009, p. 91) conclui que o resultado da abstração é a conceitualização visual, que por sua vez se manifesta na percepção da forma, a qual de acordo com os teóricos da Gestalt supõe a captação essencial de características estruturais genéricas de um objeto a partir de um estímulo.